O mercado flerta com o último bimestre do ano com duas certezas: a Selic encerrará 2025 cravada em 15% e o dólar cairá ante o real. Primeiro, porque o Banco Central (BC) diz e repete que o juro permanecerá elevado por tempo prolongado. Segundo, porque, mesmo que o dólar avance, no fim de dezembro estará valendo menos que R$ 6,20 alcançados um ano antes. Grandes bancos preveem algo entre R$ 5,25 e R$ 5,60, após revisão baixista neste mês.

A queda do dólar é questão matemática. Mas fim de ano recomenda cautela porque parte das inquietações do último bimestre de 2024 que impulsionaram o câmbio parece equacionada. Parte, não.

O último bimestre é de alta para o câmbio, observa Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos ao NeoFeed, porque é um período de “limpeza” de balanços.

“Muitas empresas vêm ao Brasil no início do ano para obter os altíssimos rendimentos garantidos pelos investimentos aqui. Entretanto, a apuração dos balanços ocorre em ano-calendário. E as empresas precisam acertar suas contas antes da virada do ano”, explica.

Na esteira desse movimento, segue o economista, o BC vende dólares assumindo o compromisso de creditar juros quando a moeda retornar para ele ao final de determinado prazo. No fim do ano passado, através desse mecanismo, o BC “vendeu” cerca de US$ 20 bilhões.

Naquele mês, o dólar chegou a R$ 6,20 em meio às incertezas fiscais. Com o arcabouço em xeque e o atraso da Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada só no fim de dezembro, o governo anunciou um conjunto de medidas de corte de gastos, mas atirou no próprio pé ao informar, simultaneamente, a intenção de encaminhar ao Congresso a proposta de isentar de IR quem ganha até R$ 5 mil. Decisão recentemente aprovada na Câmara e agora em tramitação no Senado.

O câmbio reage a questões externas, mas o principal vetor local que afeta a taxa é a política fiscal e o risco país, comenta Sanchez que informa que modelos de avaliação de mercado de curto prazo da Ativa indicam que o Brasil está subprecificado no risco fiscal. “Deveríamos estar orbitando numa taxa de câmbio mais alta.”

“A gente tende a ficar restrito ao resultado primário, ao arcabouço. Mas é a trajetória das contas, da dívida, que importa e ela não é boa. O primário já está vilipendiado porque temos subterfúgios seja do Judiciário, Legislativo ou Executivo. Vide as despesas que transitam fora do teto”, avalia.

Sanchez aponta uma mudança no comportamento das empresas. A “limpeza” dos balanços tinha mais a ver com a condição financeira da própria empresa até 2023.

“Em 2024, o BC realizou as compromissadas para que os demandantes de dólares voltassem com a moeda em março/abril, prazo usual para essas operações. Mas os dólares não voltaram porque o País teve um piora estrutural. Há incerteza fiscal e insegurança jurídica. E o BC segue fazendo a rolagem dessas posições”, acrescenta.

Informação relevante para o balizamento do câmbio, estatísticas do BC sobre o setor externo em setembro sairão na sexta-feira, 24. E os dados importam. O País registra déficit crescente em conta corrente. E, de janeiro a agosto, US$ 53,2 bilhões deixaram o Brasil via conta financeira.

A cifra é 39% menor que a debandada de US$ 87,2 bilhões em 2024 inteiro – nível mais alto desde 1982 e início da série histórica. E foi alcançado graças às remessas de dezembro superiores a US$ 29 bilhões. No câmbio, cautela é como canja de galinha. Não faz mal a ninguém.

Incertezas fiscais

Semelhante ao ano passado persiste a apreensão com a política fiscal brasileira. Ainda não está claro como o governo vai obter recursos – com anuência do Congresso e a que “preço” – para cumprir a meta fiscal em 2026. Menos ainda, o que esperar para 2027 quando a possibilidade de o governo continuar gastando estará esgotada, como alertou, há meses, a ministra Simone Tebet.

A queda da MP 1.303 no Congresso ampliou expectativas quanto à capacidade de o Executivo atingir o superávit de 0,25% do PIB na saideira de Lula 3.0 e em meio à corrida eleitoral que tem no presidente o favorito, ante uma oposição ofuscada. Porém, dificuldades de outra ordem podem ser antecipadas e gerar tensão entre o governo e o mercado que defende a política do BC.

O ritmo da atividade mostra que a política monetária está fazendo o seu trabalho – enfraquecer a demanda para trazer a inflação e as projeções à meta de 3%. Contudo, está por um triz a lua-de-mel entre Gabriel Galípolo e o núcleo duro do Executivo, de Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, que já manifesta publicamente desacordo com os juros. A ver até quando o presidente Lula dividirá sua opinião com o travesseiro.

O dólar segue bem-comportado atrelado, sobretudo, à trajetória global da moeda que cede ante a perspectiva de corte de juro pelo Federal Reserve que reduziu sua taxa em setembro e deverá repetir a dose mais duas vezes neste ano. O dólar, frente a uma cesta de moedas – representado pelo índice DXY – fechou 2024 próximo a 108 pontos, rompeu o suporte de 100 em abril e oscila. Porém, cai quase 9% no ano. Ante o real, a queda ronda 12%. Mas a cotação afastou-se das mínimas.

Quando Lula e Trump reconheceram mutuamente uma “química boa” na ONU em setembro, o dólar recuou a R$ 5,27 e o risco país a 125 pontos – marcas superadas com risco país avançando a 145 pontos e dólar a R$ 5,40/R$ 5,50 com maior pressão na sexta-feira, 10, quando investidores estrangeiros tiraram do mercado secundário de ações da B3 quase R$ 2 bilhões. Em dez pregões de outubro, segundo dados da B3, mais de R$ 7,3 bilhões deixaram a bolsa.