A celebração da Consciência Negra, feriado nacional a partir deste ano, trunca o calendário na quinta-feira, 20 de novembro. Descontando Natal e Ano Novo, também comemorados em quintas-feiras, o dia 20 comporta o último fim de semana prolongado de 2025. Perspectiva que não vale, porém, para a área econômica do governo e tampouco para especialistas em política fiscal.
O feriado é véspera da divulgação do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 5º bimestre. Na sexta, 21 de novembro, a equipe econômica deverá fazer o último balanço das contas públicas do ano. Ocasião em que os técnicos do Planejamento, Fazenda e Tesouro podem anunciar, se necessário, bloqueio e/ou contingenciamento de gastos no Orçamento com o objetivo de cumprir diretrizes do arcabouço fiscal ou a meta fiscal – “zero” neste ano.
Na avaliação do 4º bimestre, em setembro, o governo atualizou o bloqueio de despesas para R$ 12,1 bilhões, valor R$ 1,4 bilhão maior que o registrado anteriormente, em função de aumento nas projeções de gastos obrigatórios. Entre eles: Benefício de Prestação Continuada, abono e seguro-desemprego.
Na terça-feira, 11 de novembro, em evento público, a ministra Simone Tebet antecipou a possibilidade de não ocorrer novo aumento do bloqueio de gastos, inclusive, pelo uso do “faseamento” – instrumento que viabiliza a liberação de recursos em etapas para os ministérios. Na prática, o “faseamento” contribui para o controle de despesas.
Outro ponto favorável neste momento é que a evolução positiva das receitas dispensa contingenciamentos que ocorrem para evitar descumprimento da meta fiscal. O bloqueio tem outra função: ocorre quando há risco de descumprimento do limite para expansão de gastos determinado no arcabouço fiscal.
Após muita celeuma em torno da “meta fiscal zero” fixada para 2025 ao mesmo tempo em que há ceticismo quanto à meta de superávit de 0,25% do PIB para 2026, as discussões foram aplacadas entre analistas atentos, porém, à escalada da dívida pública.
Nas revisões de cenário das instituições deste novembro, a política fiscal bate ponto e não poderia ser diferente. Entretanto, as análises estão mais voltadas à atividade em desaceleração neste semestre – reconhecida na Ata do Copom – e às iniciativas do governo que favorecem a expansão da renda e do consumo com potencial para turbinar a popularidade do governo Lula a caminho da eleição.
Também contribui para conter debates, a possibilidade de a meta fiscal ser cumprida com a utilização do “piso” do intervalo de tolerância da meta que corresponde a 0,25% do PIB ou déficit de R$ 31 bilhões neste ano. Para usar esse expediente, o governo obteve o aval do Congresso e do Tribunal de Contas da União.
“Cumprir a meta é o mínimo do mínimo”
O déficit primário para este ano é projetado pela XP em R$ 60,7 bilhões ou 0,5% do PIB – estimativa replicada na Focus. Porém, excluindo despesas que transitam fora da meta fiscal, o déficit recua a R$ 10,4 bilhões ou 0,1% do PIB. Resultado a ser acomodado, com folga, no limite inferior que embute déficit de R$ 31 bilhões.
Até porque o cumprimento da meta tornou-se claramente factível, analistas voltam a atenção à desaceleração da inflação, à valorização do real ante o dólar e à arrancada inédita da bolsa de valores.
A proximidade de um ciclo de baixa da Selic, em janeiro ou março, também ganha relevância em meio a um esforço de analistas de mensurar os efeitos de medidas que poderão evitar desaquecimento mais intenso da atividade – isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil, antecipação do pagamento de precatórios e reajuste do mínimo.
Ainda que outros temas tenham destaque, à questão fiscal não cabe papel secundário. “O fiscal será extremamente importante em 2026 e em 2027 também. Não haverá paz e tranquilidade nos próximos anos”, alerta Josué Pellegrini, economista da Warren Brasil e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado.
“Neste ano, é bem verdade que o cenário é de cumprimento da meta fiscal no piso inferior. E, em função do “empoçamento” – recursos autorizados, mas não gastos – pode ser algo intermediário entre o piso e o centro, como aconteceu em 2024. Mas do ponto de vista fiscal cumprir a meta é o mínimo do mínimo”, diz Pellegrini ao NeoFeed.
O especialista lembra que a meta não é ambiciosa e está longe de ser suficiente. “Precisaríamos de superávit primário na casa de 2% do PIB para poder vislumbrar a dívida encontrando seu patamar máximo e começando a cair. Mas o déficit segue em expansão. E com as metas perseguidas estamos no ‘café com leite’. O cenário fiscal não vai degringolar, mas não sairá da corda bamba. E todo ano é uma novela para obter receita não recorrente para atingir a meta”, afirma.
Pellegrini avalia, porém, que a realidade pode se impor e medidas podem ser inevitáveis. O nó da questão fiscal, diz, é a despesa obrigatória. “Não há regra fiscal que perdure se o País não enfrentar essa questão que já matou o Teto de Gastos. Ele não acabou por ser problemático, mas porque não adianta impor limites sem adotar medidas que viabilizem esse limite.”
Para o economista, do lado da receita é preciso enfrentar os benefícios tributários. Do lado da despesa encarar os gastos obrigatórios. E há um inventário de medidas necessárias.
“É importante mudar a regra de correção do mínimo ou desindexar despesas atreladas ao mínimo, o que é politicamente complicado por envolver a Constituição. Já mudar a correção do mínimo depende de lei. Também é preciso alterar a regra do mínimo de Saúde e Educação. E, também importante, é que não houvesse correções atreladas à evolução das receitas porque as receitas crescem e as despesas vão junto”, conclui.