Em meio a expectativas de inflação desancoradas, dólar nas alturas, dúvida quanto à capacidade de o governo cumprir a meta de déficit zero em 2024 e 2025, incerteza sobre a consistência do arcabouço fiscal, revés no Congresso com a MP de créditos do PIS/Cofins e inquietação quanto à programada transição na presidência do Banco Central, o Comitê de Política Monetária (Copom) define a taxa básica na quarta-feira, 19 de junho.

Embora disperso entre tantas questões, o mercado financeiro aguarda o Copom que chega à metade do calendário de 2024 com um duplo desafio: calibrar o juro de forma a reafirmar seu compromisso com a meta de inflação e indicar coesão entre os seus integrantes ou, ao menos, abrandar a percepção de que o time está rachado entre “antiga” e “nova” diretoria.

O corte mais brando da Selic em maio, de 0,25 ponto percentual apoiado por cinco integrantes mais conservadores dos nove que compõem o Comitê, reforçou a suspeita de que a autoridade monetária comporta uma linha conservadora liderada por Roberto Campos Neto e outra, mais moderada, encabeçada por Gabriel Galípolo – visto como o mais provável sucessor de Campos Neto.

Mais que a definição da taxa de juro é a expectativa quanto à coesão no comando do BC que revestirá o próximo Copom que poderá manter a Selic em 10,50% ou em leve redução, a 10,25%. E, por uma ou outra decisão, ser bombardeado pelo presidente Lula que indicou, na abertura do FII Priority Summit, na quarta-feira, 12 de junho, a arrecadação e o corte de juro como pilares para o equilíbrio fiscal, o que provocou forte elevação de prêmios de risco sobre os ativos brasileiros.

Um Federal Reserve (Fed) mais duro e sinalizando apenas um corte de sua taxa básica neste ano não alterou as apostas de economistas para a Selic inclinados, majoritariamente, para a estabilidade. E sob a influência do IPCA de maio que avançou a 3,93% em 12 meses. Sem refresco, portanto, para o propósito do BC que é entregar inflação de 3% neste ano e nos próximos.

Paralelamente e refletindo a turbulência provocada pela percepção de enfraquecimento do ministro Fernando Haddad, em função do desgaste provocado pela devolução de parte da “MP do Fim do Mundo” pelo presidente do Senado ao governo, investidores no mercado futuro de juros passaram a incorporar prêmios aos contratos, elevando a projeção da Selic a 11%.

Típico de mercado em defesa de posições de tesourarias, esse movimento poderá refluir com ações que demonstrem maior comprometimento do Executivo com a agenda fiscal. Entretanto, a discrepância entre projeções de analistas e juros futuros não diminui a relevância da Selic que deverá prevalecer até o fim de 2024. E sem alterar o juro real vigente – superior a 6%.

Ainda que improvável neste momento, uma queda na Selic, mesmo discreta, traria um viés de alívio para as condições financeiras, avalia o especialista em atividade do Santander Brasil, Gabriel Couto.

“Aperto” prolongado

Em entrevista ao NeoFeed, os economistas alertam, porém, que a transmissão entre as duas variáveis – redução da Selic e condições financeiras – não é tão bem-comportada ou direta como se imagina. O Indicador de Condições Financeiras (ICF) é calculado com preços e taxas de mercado.

“A depender de nuances da decisão do Copom, como a dimensão de um eventual corte, ou existência de outro dissenso entre os membros do Comitê, poderíamos observar mais estresse nos juros precificados para o futuro. Circunstância que poderia antecipar a necessidade de elevação das taxas adiante ou desvalorização maior da moeda local”, explica Couto.

Considerando esses possíveis desdobramentos, observam, o ICF poderia se tornar mais contracionista. Eles reconhecem, porém, que, de todo modo, os cortes realizados desde o início do afrouxamento monetário local, equivalentes a 3,25 pontos percentuais, trouxeram alívio para as condições financeiras.

O ICF é fruto da combinação de diversas variáveis – locais e internacionais como taxa de juro, câmbio, bolsas de valores, risco-país. E, embora a desvalorização recente do real ante o dólar possa indicar aperto adicional das condições financeiras, os especialistas do Santander alertam que a taxa de câmbio não é o vetor mais importante entre os componentes externos do ICF.

O maior espaço para a melhora do indicador, avaliam, segue sendo o componente juros externos. E, embora várias economias sejam consideradas no cálculo do ICF, os juros dos EUA são predominantes.

“Assim, mesmo que o corte recente promovido pelo Banco Central Europeu (BCE) possa implicar em algum alívio, este tende a ser pequeno, uma vez que os próximos passos do BCE tendem a ser cautelosos”, afirma Couto, que prevê um alívio mais significativo do ICF, a partir do momento em que os mercados precificarem mais claramente cortes de juros pelo Fed.

A despeito da perspectiva mais favorável para os próximos meses – mais propensos a corte de juro no exterior do que à elevação – os economistas informam que as condições financeiras alcançaram níveis contracionistas em maio de 2022 e não retornaram a patamares expansionistas deste então. “Na época, o Copom já havia iniciado seus esforços no combate à aceleração inflacionária do pós-pandemia. Portanto, as condições financeiras estão em território contracionista há pelo menos 25 meses”, diz Couto. Cenário em que qualquer alívio é bem-vindo.