Torcida e ideologia à parte, é possível afirmar, sem errar, que o ano terminará melhor do que começou. Crescimento maior que o esperado, desinflação, juro em queda, real fortalecido, superávit comercial inédito e avanço fiscal - da aprovação da PEC da Transição à adoção do arcabouço fiscal - marcam o período.

O upgrade da nota do país pela agência de classificação de risco de crédito S&P Global e a promulgação da Reforma Tributária compõem o inventário. Já a meta fiscal de equilíbrio em 2024, sustentada pelo governo e aprovada pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), será testada.

E a probabilidade de provocar estresse nos mercados nos primeiros meses do ano não é desprezível, caso o “déficit zero” seja revisto e turbine suspeitas de menor compromisso fiscal.

Movido pela vocação de antecipar fatos e por prevenção, o mercado financeiro embute potencial risco fiscal nas estimativas de inflação. E sob o olhar atento e confesso do Banco Central (BC).

“As expectativas de inflação seguem desancoradas e são um fator de preocupação”, disse o Comitê de Política Monetária (Copom) na ata publicada na terça-feira, 19 de dezembro, referente à reunião que cortou a Selic a 11,75%.

O documento avalia que a redução das expectativas requer atuação firme do BC, bem como “o contínuo fortalecimento da credibilidade e da reputação das instituições e dos arcabouços fiscal e monetário que compõem a política econômica brasileira”.

A política monetária o BC garante. A política fiscal, não. E essa constatação fortalece o posicionamento dos agentes captado com precisão pelo diretor de pesquisa macroeconômica do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, a partir da pesquisa Focus. publicada na segunda-feira, 18 de dezembro.

Ramos destaca a repetida desancoragem das projeções de inflação para 2024, 2025 e 2026, com variações bem acima de 3% – meta contínua programada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) – e amplia sua abordagem.

Ele avalia que a desancoragem resulta da combinação de três expectativas: o não cumprimento da meta fiscal por sua alteração ou fraca execução; inclinação do governo a acomodar a meta de inflação na margem de tolerância do regime que terá seu teto em 4,50% em 2024; e percepção de que as próximas mudanças no Copom tornarão o colegiado menos conservador.

O Relatório Trimestral de Inflação (RTI), publicado pelo BC, na quinta-feira, 21 de dezembro, corrobora a leitura do mercado ao afirmar que “as projeções seguem mostrando queda da inflação, que deve ficar dentro do intervalo de tolerância da meta já em 2023”.

A exemplo das projeções de inflação, as estimativas para o resultado fiscal primário consolidado – sem inclusão da fatura de juros – são eloquentes. Os dados permanecem no vermelho até 2026, último ano do governo Lula 3.

De acordo com a Focus, a projeção mediana do resultado fiscal para 2023 é de -1,30% do PIB; para 2024, -0,80%; para 2025, -0,60%; e, para 2026, -0,50%. “Evolução consistente com a expectativa de um aumento contínuo da dívida do setor público”, observa Ramos, do Goldman.

Embora economistas em geral tenham errado ao longo do ano as projeções para 2023, sobretudo quanto ao PIB, neste dezembro, as previsões para 2024 estão alinhados às de um ano atrás.

Foco no “soft landing” americano

Em dezembro do ano passado, a estimativa de crescimento em 2024 estava em 1,50%. Na edição mais recente da Focus, a projeção acusava estabilidade em 1,51%. Em igual período, a inflação esperada subiu de 3,65% para 3,93%.

Coerente com inflação mais salgada, a estimativa para a Selic de 2024 avançou de 9% em dezembro passado para 9,25% - patamar mantido há quase dois meses. E tanto a ata do Copom quanto o RTI não acenam com aceleração de cortes no juro para além de 0,50 ponto percentual.

Ainda na comparação ano a ano, a projeção para o câmbio ao final de 2024 caiu de R$ 5,26 para R$ 5,00. Essa evolução reflete melhora do risco-país e o enfraquecimento do dólar no mercado externo, onde a moeda se deprecia pelo encerramento do aperto monetário pelo Federal Reserve (Fed); expectativa de corte do juro no primeiro semestre de 2024; e o risco concreto de desaquecimento da economia americana que segue, porém, resiliente e com inflação rumo à meta de 2%.

Esse combo é ponto de atenção de analistas neste fim de ano por adicionar incertezas a 2024. Ainda que o Brasil esteja com a casa mais arrumada, como reconhecem as agências de rating, a economia internacional nubla o cenário.

Se de um lado, a queda do juro lá fora poderá tornar o Brasil mais atraente ao investidor financeiro; de outro, a atividade em desaceleração nos EUA – acompanhada da já fragilizada economia europeia – tende a travar o crescimento global com efeito sobre os preços das commodities.

Condição que pode ajudar a manter a inflação contida por aqui e no mundo, contribuindo para acelerar os cortes de juros. Em contraponto, commodities em queda podem afetar o saldo comercial do país que deve encostar em US$ 100 bilhões neste ano. Notícia extraordinária que marca pontos para o Brasil.

Em grandes linhas, para usar um jargão do mercado, o cenário não “está dado”. Então, vale torcer para que o coral de economistas das maiores casas internacionais de análise, que neste fim de ano vocalizam projeções, produza eco e que 2024 reserve, de fato, um “soft landing” para a economia americana. O mundo agradecerá. O Brasil também.