O Brasil muda de comando e o foco da discussão econômica é forçosamente ampliado na virada para 2023. Política fiscal e reforma tributária dominam análises que inundam o mercado, mas a “cartilha” tradicional de indicadores que afetam diretamente a vida do cidadão não será arquivada.

Especialistas no governo e fora dele não vão se livrar de um monitoramento ferrenho das taxas de juro, câmbio e inflação, porque o comportamento dessas variáveis bate nas contas públicas. É apenas questão de tempo.

Preços fundamentais da economia e termômetro do humor de investidores com as perspectivas econômicas e políticas do país, juro e câmbio encerram 2022 mais previsíveis, mas não mais tranquilizadores.

E, embora a inflação tenha dado sinais de moderação no último trimestre, incertezas comprometem a convicção até de analistas mais experientes.

Motivo? Há questões sem resposta e elevada expectativa com o desempenho do futuro ministério, cuja morosa finalização ocorre praticamente na antevéspera da posse presidencial e traz frustrações.

O Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento não serão comandados por economistas experientes e de formação liberal como esperavam agentes do mercado.

Persio Arida e André Lara Resende – persistentemente cotados nos últimos dois meses para uma das duas Pastas – recusaram convites do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Fernando Haddad e Simone Tebet, respectivamente, na Fazenda e Planejamento do novo governo, vão encabeçar a orientação da política econômica. Portanto, serão destaque no gabinete extenso e com forte coloração partidária para acomodar a frente que apoiou Lula nas eleições.

A máquina que chegará à Esplanada dos Ministérios no domingo, 1º de janeiro, terá tempo para mostrar serviço. Mas será rapidamente cobrada por respostas a questões que exigem posicionamento formal e urgente, sob o risco de deterioração de expectativas que, até há pouco, concentravam-se no arcabouço fiscal a ser apresentado pelo governo Lula no primeiro semestre.

Uma das questões com resposta pendente revelou, na terça-feira, 27 de dezembro, a complexidade do cenário e de futuras decisões: a tributação dos combustíveis em 2023.

Uma das questões com resposta pendente revelou a complexidade do cenário e de futuras decisões: a tributação dos combustíveis em 2023

Bola dividida, com efeito sobre arrecadação e inflação, o regime de tributação dos combustíveis reforçou a preocupação do mercado financeiro com a política fiscal e ressuscitou o debate sobre a política de preços da Petrobras.

O debate sobre o futuro da petroleira – com poder de desestabilizar o Ibovespa – só não cresceu pela baixa liquidez dos negócios na contagem regressiva para as comemorações de fim de ano. O último pregão da B3 antes da virada é o desta quinta-feira, 29 de dezembro.

Nesse contexto de virada no calendário e troca de governo, a desoneração de preços dos combustíveis, que expira no sábado, 31 de dezembro, parece detalhe, mas não é.

Tomada pelo governo Bolsonaro em meados de 2022 e com viés eleitoreiro, a medida foi de extrema relevância para a queda da inflação no país, que encerra o ano em condição incomparavelmente melhor que as maiores economias. E não só quanto à inflação, mas também quanto ao crescimento. O PIB brasileiro deve avançar 3% em 2022.

A informação que circulou amplamente na terça-feira, 27 de dezembro, de que a isenção de PIS e Cofins dos combustíveis seria prorrogada por 30 dias, a partir de 1º de janeiro, a partir de um entendimento entre o atual ministro Paulo Guedes e o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não se confirmou.

Haddad negou o suposto trato e informou ter solicitado ao ministro Paulo Guedes a não prorrogação da isenção. Pedido aceito, o assunto será tratado mais adiante, após a nova equipe analisar outras variáveis, disse Haddad.

A continuidade da desoneração dos combustíveis torna-se, portanto, mais um ponto de interrogação sobre as contas públicas por ter efeito na arrecadação e na inflação.

A continuidade da desoneração dos combustíveis torna-se, portanto, mais um ponto de interrogação sobre as contas públicas por ter efeito na arrecadação e na inflação

E, no limite, também na política de preços da Petrobras que Lula prometeu “abrasileirar”. Atualmente, a formação de preços dos combustíveis no Brasil contempla o preço internacional do petróleo e a variação da taxa de câmbio.

Sem isenção prorrogada, ainda que temporariamente, gasolina, diesel e gás de cozinha devem subir de preço, a partir de 1º de janeiro. Será desmontado, portanto, o principal indutor da queda recente da inflação.

Embora duradouro – iniciado há quase dois anos – o aperto monetário promovido pelo Banco Central (BC) atuou (e atua) fortemente sobre expectativas, mas não foi suficiente para sozinho derrubar o IPCA que se manteve em dois dígitos por 11 meses consecutivos e caiu recentemente.

A inflação encerrou 2021 em alta de 10,06%, atingiu o pico pós-pandemia, de 12,13% em 12 meses em abril de 2022 e despencou na sequência. Em novembro, segundo o IBGE, a inflação cravou 5,9% em 12 meses. E, informa a pesquisa Focus, deverá fechar 2022 a 5,6% e 2023 a 5,23%.

A inflação caiu a menos da metade em meses, mas ainda supera o teto da meta perseguida pelo BC, de 4,75%, para 2023. Apenas em 2024, o indicador declinará a 3,6%, ainda segundo a Focus.

A resistência da inflação, de 2022 para 2023, é flagrante e a expectativa para 2024, embora inferior a 4%, já começou a subir. E o resultado é o engessamento da Selic em 13,75% ao ano e o adiamento do ciclo de corte da taxa que, quando ocorrer, não deverá ser tão intensa. O juro real permanecerá, portanto, no patamar de 8% - elevado o suficiente para abortar o crescimento em 2023.

Até agora, contribuíram para a resistência das projeções de inflação e juro a ampliação do teto de gastos para comportar promessas de campanha de Lula ainda que por um ano e outras decisões tomadas recentemente pelo Congresso. Como aumento da elite do funcionalismo que, sem dúvida, será cobrado pelas instâncias inferiores e de amplo leque de categorias.

Mas isso é esperado. Porém, a reoneração dos preços dos combustíveis é uma nova variável a ser considerada na construção de cenários econômicos que preveem Selic ancorada em 13,75% possivelmente durante todo o primeiro semestre e dólar firme entre R$ 5 e R$ 6 em meio a incertezas também pautadas pela economia global em desaceleração e inflação elevada.

Nesta virada de ano, inflação, juro e câmbio revelam, portanto, rara previsibilidade que pode ser revista, mas que dificilmente vai tirar do Brasil o posto de maior pagador de juro real do mundo.

Ainda no campo de previsões de curtíssimo prazo, entra agora a tributação dos combustíveis que exige atenção, inclusive, por afetar não só as contas da União, mas também de governos estaduais muito bem representados no futuro gabinete.

Na primeira leva de ministros anunciados, Lula garantiu Pastas aos ex-governadores Rui Costa (Bahia), Wellington Dias (Piauí), Camilo Santana (Ceará) e espera-se ver anunciado Renan Filho (Alagoas).

Tatiana Nogueira e Tiago Sbardelotto, da XP, estimam que a redução a zero das alíquotas de PIS/Cofins e Cide-combustíveis em 2022 produziu redução de R$ 33 bilhões na arrecadação federal no ano.

Essa queda foi mais que compensada, porém, por elevações na arrecadação de outros tributos, como Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL), além de receitas de royalties e participação especial de petróleo e dividendos de estatais, calculam.

“Já os governos estaduais sofreram severamente com as mudanças no ICMS”, avaliam os economistas para quem as receitas desses entes caíram 52,4% em termos reais em energia elétrica e quase 19% em combustíveis.

Em estudo especial sobre o impacto das mudanças de tributação desses itens, Nogueira e Sbardelotto informam que a manutenção da desoneração no âmbito federal – originalmente em vigor até 31 de dezembro – combinadas com mudanças na legislação e decisões judiciais, terão impacto estimado de até R$ 152 bilhões em 2023.

Em contraponto, se a desoneração não for mantida pelo futuro governo e as alíquotas praticadas anteriormente forem restabelecidas, especialmente sobre a gasolina, algum ganho de receita deverá ocorrer.

Quanto ao restabelecimento das alíquotas de tributos federais sobre combustíveis e energia elétrica no cálculo da inflação, a XP observa que o impacto será de 0,51 ponto percentual no IPCA – efeito já incorporado à projeção da casa para o indicador em 2023, de 5,4%.