A menos de 50 dias da posse, Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará, na semana que vem, o primeiro desafio internacional do seu governo. O presidente eleito do Brasil é aguardado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP 27 – no Egito. A cúpula teve início em 6 de novembro e termina no dia 18.

Após o primeiro encontro com aliados no CCBB, sede do governo de transição em Brasília, na quinta-feira, 10 de novembro, Lula informou que embarcará para o Egito na próxima segunda-feira, 14 de novembro e garantiu que recolocará o Brasil no centro da geopolítica.

Ponto de partida para a reparação do desgaste sofrido pelo Brasil, sobretudo na área ambiental durante o governo Bolsonaro, o evento será a primeira de duas provas de fogo a que Lula deverá se submeter em dois meses.

A segunda é sua esperada participação no Fórum Econômico Mundial, representado por chefes de Estado, comando de bancos e empresas e acadêmicos. A edição de 2023 do Fórum, que teve seu calendário truncado pela pandemia nos últimos dois anos, acontecerá entre 16 e 20 de janeiro em Davos, Suíça.

Em 2003, logo após ser conduzido ao Palácio do Planalto para o 1º mandato presidencial, Lula exortou a elite financeira à união em torno de um pacto mundial pela paz e contra a fome.

O apelo não perdeu a validade 20 anos depois, mas o tema crescimento com sustentabilidade, que muito interessa aos países ricos, ganhou força na agenda global.

A COP 27 e o Fórum Econômico Mundial darão ao presidente eleito uma oportunidade ímpar de recolocar o Brasil na esfera de investidores privados de risco e governos.

Os investidores financeiros nem entram nessa conta porque, atraídos pelo juro real entre os mais elevados do mundo, eles não se divorciam do país. E estão atentos ao esforço do próximo governo pela abertura de espaço no Orçamento de 2023 para despesas acima do teto de gastos e o cumprimento de promessas de campanha.

Com a equipe de transição sendo estruturada e contemplando perfis técnicos e políticos de mais de uma dúzia de partidos, restabelecer a imagem do Brasil no exterior é necessário e urgente.

Restabelecer a imagem do Brasil no exterior é necessário e urgente

E, com cerca de 200 países representados, não há vitrine melhor (e maior) do que a COP 27 para Lula apresentar seu programa de governo para o meio ambiente que prevê iniciativas caras aos países desenvolvidos.

Entre elas, a promoção do desmatamento líquido zero; agricultura de baixo carbono; demarcação de terras indígenas; criação de unidades de conservação; fortalecimento dos órgãos ambientais; restauração ecológica; educação ambiental; retomada do Acordo de Paris; e transição energética.

Mais que discurso, essa agenda parruda exigirá sinalização de compromisso e disposição a futuros acordos – excelente ponto de partida para restaurar a imagem do país.

Lançado em abril pelo portal Interesse Nacional – braço digital da revista homônima lançada, há 15 anos, pelo embaixador Rubens Barbosa – o iii-Brasil, Índice de Interesse Internacional, revela que a vitória de Lula nas urnas já produziu efeito favorável ao país.

Na semana que seguiu o 2º turno, as menções positivas em reportagens de sete veículos estrangeiros que formam o indicador avançaram de 11% para 19%; as negativas recuaram de 38% para 26%; e as menções neutras passaram de 51% para 55%.

Quem informa é Daniel Buarque, doutor em relações internacionais pelo King’s College London e pelo Instituto de Relações Internacionais da USP e editor-executivo do Interesse Nacional.

Buarque e a pesquisadora Fabiana Mariutti, também especialista em relações internacionais, são responsáveis pelo monitoramento do iii-Brasil que retrata quantitativa e qualitativamente conteúdos do The New York Times, Le Monde, The Guardian, El País, Público, Clarín e China Daily.

Autor do livro “O Brasil é um País Sério?” sobre a imagem internacional do país, lançado neste segundo semestre pela Editora Pioneira, Daniel Buarque reconhece, em conversa com a coluna, que os problemas domésticos em discussão, sobretudo durante a formação da equipe de transição, podem ofuscar a pauta ambiental – mas no Brasil.

“No exterior, o foco de especialistas e formadores de opinião estará na Amazônia por meses e talvez anos. E a participação de Lula na COP 27 e no Fórum de Davos é uma oportunidade para trazer o Brasil ao ‘normal’, uma vez que Bolsonaro deu um passo atrás na relação do Brasil com o resto do mundo”, afirma.

O pesquisador do King’s College pondera que Lula de volta à Presidência e participando de fóruns globais já é um claro sinal de interesse em restabelecer relações.

“Os governos de Lula (2003-2010) são associados ao boom da imagem brasileira no mundo. Nesse período, o Itamaraty teve participação muito ativa na promoção da imagem do país e que foi seguida de uma retração iniciada no governo Dilma, agravada no governo Temer, muito envolvido em questões internas, e retraída de vez por Bolsonaro”, comenta Buarque.

Entretanto, avalia, o reconhecimento do Brasil como liderança ambiental deve e pode ser restaurado porque o país exibe um histórico de décadas de protagonismo que foi enterrado durante a gestão Bolsonaro.

Buarque lembra que o Brasil sediou, em 1992, a Cúpula da Terra (ECO 92). Vinte anos depois, em 2012, também sediou a Rio+20, que ele classifica como “pontapé inicial” para a discussão global sobre a mudança climática.

“No cenário em que prevalecem uma crise econômica generalizada, um confronto diplomático e econômico entre EUA e China e uma guerra na Europa, Lula pode promover o Brasil, uma potência média, como protagonista global pelo meio ambiente”, afirma.

Buarque reconhece que não será uma missão fácil e que Lula será cobrado sobre a política que o seu governo pretende adotar para o meio ambiente, sobretudo para a Amazônia, e quais serão as metas perseguidas.

Lula será cobrado sobre a política que o seu governo pretende adotar para o meio ambiente, sobretudo para a Amazônia

“Neste sentido, será frustrante para uma audiência global, se Lula for ovacionado e não oferecer nada. Lula deverá oferecer compromissos. Dado o desmonte que ocorreu na área ambiental, especialmente nos órgãos de fiscalização, talvez haja maior tolerância da comunidade internacional a descumprimentos de metas num primeiro ano de governo. Mas a cobrança virá”, afirma Buarque.

É inegável que o Brasil, na COP 27, correrá riscos porque Lula sequer terá tomado posse no seu 3º mandato presidencial, lembra o pesquisador. Mas a cúpula do clima também oferece oportunidades. E a expectativa de observadores é de que o presidente eleito sustente um discurso de abertura para cooperação.

“É fundamental que Lula consiga apoio de governos estrangeiros para proteção dos biomas brasileiros. Temos Alemanha e Noruega retomando a liberação de recursos. Iniciativa importante. Mas precisa ficar claro que o Brasil não tem dinheiro para defender seus biomas”, pondera Buarque.

E a ajuda externa, observa, é possível não só diretamente, via financiamentos, mas também com o estabelecimento de acordos comerciais que ajudarão a economia brasileira em outras frentes.