Setembro chega ao calendário com uma boa e uma má notícia: a economia deve crescer mais que o esperado e o aperto monetário poderá ser reforçado para conter expectativas de inflação que deixam a meta de 3% no chinelo.

Na terça-feira, 3 de setembro, o IBGE divulgará o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre com alta estimada entre 0,7% e 1,0% sobre o período anterior, quando a economia cresceu 0,8%.

Duas semanas depois, em 18 de setembro, o Copom define a Selic em mais uma “superquarta”. Desta vez, sui generis. Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Lula à presidência do Banco Central (BC), poderá ser sabatinado no Senado em 10 de setembro – caso em que o Comitê estará sob o comando de “dois” presidentes. O mandato de Roberto Campos Neto expira em 31 de dezembro.

Além da possível “formação” atípica é inédita quanto à autoridade no colegiado, para o encontro do dia 18, apesar das opiniões divididas, prevalece a aposta no alta da Selic a 10,75%. No mesmo dia, o Federal Reserve (Fed) deverá cortar o juro em 0,25 ponto, para 5% a 5,25%. Confirmadas as projeções, haverá um descompasso de taxas a favorecer a apreciação do real que pode arrefecer a inflação contaminada, nos últimos tempos, pela pressão cambial.

O desempenho do PIB no segundo trimestre, por sua vez, deve refletir a economia firme pelo mercado de trabalho apertado e demanda aquecida. Ante estimativas de PIB potencial – capacidade de um país crescer sem gerar inflação – o quadro justifica a avaliação de que a Selic já é bastante restritiva, mas insuficiente para dobrar as expectativas inflacionárias apesar da desaceleração do IPCA-15 de agosto.

Em conversa reservada com o NeoFeed, o economista-chefe de uma das maiores gestoras do país estima o PIB potencial do Brasil entre 2% e 2,5%. Inferior à expansão da economia em 2024 projetada entre 2,7% e 2,9%. “Isso significa que o dado a ser anunciado é sensível para o mercado. Poderá pressionar os juros e reforçar a ideia de que a Selic deve subir em setembro.”

Para esse executivo, considerando o fôlego dos indicadores de atividade, um aumento na Selic pode até ser visto como “tarefa fácil” para o BC porque a economia vai bem. “O momento da verdade para o BC será o de elevar o juro com a economia crescendo pouco. Um cenário que não pode ser descartado”.

O PIB em 2024 poderá, inclusive, crescer acima de 2,9% - marca comemorada em 2023. É fato que estará bem distante do avanço cobiçado pelo presidente Lula, saudoso da expansão de 7,5% alcançada em 2010.

Mas o crescimento em 2010 foi atípico e refletiu também uma base de comparação baixa. Em 2009, o PIB caiu 0,13%, explica ao NeoFeed Antonio Corrêa de Lacerda, professor e coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP. “Entre 2003 e 2010, o PIB cresceu 4% em média. Ritmo não muito diferente do que temos agora.”

Expansão de 3% não é “voo de galinha”

De perfil heterodoxo – visão que ele mesmo considera mais abrangente da economia – Lacerda vê a atividade consistente e com indicadores nada triviais: desemprego de 6,9% no segundo trimestre, melhor resultado em uma década; forte aumento da massa de rendimentos; nível de utilização da capacidade instalada altíssimo, de 83,4% em julho, o maior desde maio de 2011.

A economia vai bem há trimestres, avalia o professor que lembra o fato de o mercado financeiro errar sistematicamente para menos as projeções. “No ano passado, as estimativas iniciais eram inferiores a 1% e a economia avançou 2,9%. Neste ano, o movimento se repete, mas já há quem aponte, corretamente, alta de 3%”, diz.

Há também quem não considere relevante PIB a 3%, diz o professor. “Mas essa taxa é bem razoável, ante o padrão populacional do país. Há crescimento do PIB per capita. E isso importa. É verdade que se criou, aqui, a figura do ‘voo de galinha’, um exagero. Se assim for, a galinha é turbinada.”

O argumento corrente no mercado de que o PIB potencial se atropelado semeia mais inflação não é acolhido por Lacerda para quem esse conceito contempla fatores de produtividade, entre outros, e julga que a economia só pode crescer determinado percentual. “Contudo, o processo é dinâmico e existem instrumentos – financeiros, inclusive, como CRI, LCI e LCD – que podem impulsionar a economia”, comenta.

Para Lacerda, algumas mudanças não podem ser ignoradas como condicionantes do crescimento. “A pandemia é uma delas. Mudou relações de trabalho. Há mudanças na produtividade e atividade que ainda serão descobertas. Também a considerar, a transição climática e o fator geopolítico decorrente das guerras que leva à revisão da divisão internacional do trabalho e localização de plantas industriais e logística”.

A Selic, a depender do seu nível, restringe a atividade, reconhece Lacerda, que alerta, porém, que a economia se adapta às características vigentes. “Pertinente é discutir a sustentabilidade do crescimento, dadas as incertezas internacionais, além de domésticas, que podem atrapalhar a expansão no médio e longo prazo”, observa.

Mas ele não vê com tanta preocupação a questão fiscal. “É importante, mas a visão fiscal pelo corte de gastos tem que ser contraposta à capacidade de geração de receitas e levando-se em conta as mudanças em curso. O avanço na questão tributária é histórico e de grande relevância.”

Para o professor, também relevante é a recuperação dos bancos públicos pelo governo Lula por viabilizar a retomada de investimentos em novas bases – sem subsídios. “Esses atores têm efeito multiplicador e de demonstração. Quando o Estado sai à frente, o setor privado não perde a oportunidade. E se houver qualquer avanço no custo do capital, como queda de juro, o potencial de crescimento futuro é imenso.”