O risco de uma crise bancária desponta no horizonte e turva a agenda brasileira que, em condições normais de temperatura e pressão, estaria concentrada nas políticas monetária e fiscal local nos próximos dias.

As decisões sobre juros no Brasil e nos EUA previstas para a quarta-feira, 22 de março, ganham relevância, seguem como ponto alto no calendário e disputam atenção com o novo arcabouço fiscal.

Mas a instabilidade reinante no mercado internacional impõe caráter de urgência às decisões sob o risco de comprometer expectativas e a repercussão da âncora fiscal em discussão, na sexta-feira, 17 de março, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A exemplo do que ocorreu durante a crise financeira de 2008-2009, a rotina do mercado doméstico está fortemente atrelada à evolução externa de preços dos ativos – condição que aumenta a ansiedade com definições do governo.

No início da semana, câmbio, juros e ações foram sacudidos pelo colapso dos norte-americanos Silicon Valley Bank (SVB) e Signature Bank agravado pelo tombo das ações do Credit Suisse, em 15 de março, e o risco de outros bancos europeus serem arrastados ao descrédito, o que não ocorreu.

A temperatura baixou na quinta-feira, 16 de março, graças aos US$ 54 bilhões oferecidos pelo BC suíço ao Credit Suisse que segue em observação, assim como outros bancos regionais americanos cujas ações despencam nas bolsas de valores.

O temor quanto a ocorrência de uma crise bancária escalou com o Credit Suisse reconhecendo ter “debilidades significativas” em controles internos e o acionista Saudi National Bank ter negado injetar mais capital na operação.

Especialistas negam o risco do “efeito-dominó”, mas o receio persiste e põe em evidência o aperto monetário promovido pelos bancos centrais, uma vez que o forte aumento dos juros é apontado como a principal causa do descasamento de prazos das operações bancárias que agora emergem como um problema.

Especialistas negam o risco do “efeito-dominó”, mas o receio persiste e põe em evidência o aperto monetário promovido pelos bancos centrais

Nos últimos dias, a debandada de investidores em busca de porto seguro para suas aplicações provocou a correção de preços de títulos soberanos e nova calibragem de projeções para a decisão do Fed. Antes da intervenção no SVB, o Fed acenava com alta de 0,5 ponto percentual na sua taxa básica.

Com a turbulência bancária, parcela majoritária de instituições passou a projetar aumento menor, de 0,25 ponto. Variação que, se confirmada, levará o juro americano ao intervalo de 4,75% a 5,0%, ante juro zero há um ano.

Mas as apostas podem mudar novamente, inclusive, porque o Banco Central Europeu (BCE) não fraquejou, considerou o setor bancário europeu resiliente e, na quinta-feira, 16 de março, elevou o juro em 0,50 ponto, para 3,50% ao ano.

A prova dos nove quanto ao posicionamento do Fed vai ser tirada mesmo é na quarta-feira, 22 de março, quando o Copom também estará atento à decisão. Por ora, no mercado futuro de juros na B3, a expectativa é de queda da Selic só mais adiante – em junho. Cresce, porém, a aposta na sinalização do corte.

Favorável a essa mensagem é a definição da nova âncora fiscal. É certo que o governo espera contrapartida do BC. E, pelo sim pelo não, dois eventos confirmaram a demanda do Executivo por juro mais baixo.

Na segunda-feira, 13 de março, durante evento promovido pelos jornais O Globo e Valor, Haddad afirmou que existem condições para o corte do juro no Brasil porque “há gordura” para isso.

No mesmo dia, o Conselho Nacional da Previdência Social anunciou a redução, de 2,14% para 1,70% ao mês, no teto de juros cobrados por empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o novo teto do consignado não suporta a estrutura de custo das operações e há o risco de redução da oferta dessa modalidade de crédito.

De bate-pronto, a Fazenda indicou que não tomou parte da decisão de cortar o juro do consignado, uma forma de evitar mais pressão sobre o BC.

Apesar da instabilidade dos ativos, o governo brasileiro não demonstra preocupação com a turbulência bancária. Primeiro porque ela está focada nos Estados Unidos e Europa. Segundo, porque o Brasil tem instituições sólidas, fortemente reguladas e experiência de gestão de crise herdada de 2008-2009.

Apesar da instabilidade dos ativos, o governo brasileiro não demonstra preocupação com a turbulência bancária

Naquele momento, que marcou o segundo mandato presidencial de Lula, o governo disparou um arsenal de medidas e conseguiu superar dificuldades financeiras e ainda puxar a economia.

O cenário atual não é comparável à crise de 2008-2009, quando o sistema bancário global sucumbiu ao estrangulamento de operações interbancárias e não por episódios isolados. Entretanto, a experiência é inegável e o resultado também. Apesar da crise, a economia brasileira cresceu 7,5% em 2010.

No cenário internacional caótico e de interrupção das operações interbancárias, o BC, presidido na época por Henrique Meirelles, lançou um inovador leilão de venda de dólares sem comprometer as reservas cambiais do país.

Recolhimentos de depósitos compulsórios bancários foram adiados; bancos foram autorizados a comprar carteiras de crédito de outras instituições; o próprio BC ganhou poderes, por decreto, para adquirir operações de crédito de bancos nacionais; o Banco do Brasil e a Caixa também tiveram permissão para comprar ações e participações em instituições financeiras nacionais.

A Caixa liberou crédito para a compra de eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, móveis e material de construção. Para alívio no caixa das empresas, uma Medida Provisória alterou prazos de pagamento do Imposto de Renda na fonte, da contribuição Previdenciária, PIS/Cofins e IPI.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também atuou como importante provedor de crédito, sobretudo, a partir de 2009.

O Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) – criado para garantir financiamento na compra de máquinas e equipamentos produzidos no Brasil – é, ainda hoje, apontado como o mais relevante (e polêmico) programa adotado no pós-crise em função da prática de juros subsidiados pelo Tesouro Nacional.

Não à toa, o mercado reagiu tão ruidosamente à decisão de Lula de nomear, em seu terceiro mandato, Aloysio Mercadante para a presidência do BNDES.

Petista histórico, Mercadante apresentou, na terça-feira, 14 de março, o resultado financeiro da instituição e indicou que o banco de fomento vai arregaçar as mangas e trabalhar pelo crescimento da economia brasileira.

Em 2022, o BNDES lucrou R$ 12,5 bilhões, um recorde e 46% superior a um ano antes. Mercadante disse que o banco vai dobrar de tamanho até 2026 e pretende elevar o desembolso de recursos de 1% para 2% do PIB.

Lula e o PT não esqueceram o poder dos bancos oficiais para alavancar o crescimento econômico e dar fôlego a um PIB capenga.