A política contraria o ditado popular de que o Ano Novo no Brasil começa depois do Carnaval. O ruído provocado pela disputa entre Executivo e Congresso pelo controle do Orçamento e a taxação – ou não – da folha de pagamentos de 17 setores marcam a virada do calendário. Na economia, porém, o velho ditado continua valendo. E 2024 chegará com delay.
O ano começará para valer no final de março e será marcado por dois eventos que vão desafiar o governo: a apresentação do primeiro balanço de receitas e despesas do novo exercício fiscal e o encaminhamento ao Congresso da segunda etapa da Reforma Tributária voltada para renda e patrimônio.
Essa segunda etapa da reforma, que também prevê o fim da isenção tributária de lucros e dividendos distribuídos por empresas e a correção da tabela do Imposto de Renda, concorrerá com a extensa regulamentação da reforma tributária sobre o consumo já promulgada pelo Congresso.
Entretanto, com o risco de encavalamento de decisões num calendário legislativo truncado por eleições municipais, a reforma sobre a renda poderá ser adiada e comprometer a previsibilidade de futura arrecadação.
Não há espaço para atraso, porém, na apresentação do primeiro Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias de 2024. Na terceira semana de março, por volta do dia 22, a atenção do mercado estará voltada ao documento – prova de fogo quanto ao equilíbrio das contas públicas.
O presidente Lula sancionou o Orçamento de 2024 com o déficit zero almejado pela equipe econômica que o mercado “não comprou”. O ceticismo com a meta persiste, apesar da aprovação de medidas arrecadatórias pelo Congresso.
“Quando vamos ter ideia da arrecadação extra? Quando começar o novo exercício. Pela legislação atual, a cada dois meses, o governo faz seu balanço de arrecadação e gastos. O primeiro resultado sai em março e permite confrontar com o previsto no Orçamento”, lembra José Francisco de Lima Gonçalves, professor da FEA-USP e economista-chefe do Banco Fator.
Tendo em vista o resultado, pondera o economista, o governo vai ou não tornar contingente à arrecadação parte das despesas. “Se a arrecadação não for suficiente para alcançar o resultado previsto – por ora, déficit zero – o governo bloqueia parte das despesas”, afirma.
Lei de Autonomia do BC em xeque?
Não está claro, porém, se o contingenciamento ocorrerá. E, se ocorrer, de quanto será, graças à resistência do presidente Lula a bloqueios em defesa dos investimentos. Tampouco dá para apostar que a meta fiscal será mantida ou alterada em março. E, dessa forma, se abrirá espaço para mais gastos fragilizando o arcabouço fiscal, sendo esse o principal temor de especialistas.
Gonçalves aponta que a evolução das despesas e receitas importa particularmente neste momento porque, em 2024, há questões relativamente complexas sobre a arrecadação.
“Primeiro, não se tem ideia de quanto representará a arrecadação nova. Segundo, quanto às fontes de arrecadação conhecidas, tradicionais, estamos passando por um momento peculiar. Viemos de um período de pandemia com implicações sobre os gastos. E, no pós-pandemia, atravessamos um período com implicações não somente sobre gastos, mas sobre a arrecadação esperada”, observa o economista que traça um histórico.
A arrecadação foi bastante favorável em 2022 sobretudo em função do patamar elevado dos preços das commodities no mercado internacional. “Só para citar dois exemplos, nos setores de petróleo e agronegócio, temos fontes de arrecadação que derivam de preços em dólares convertidos em reais. Isso significa dizer que, também a depender do comportamento do câmbio, a arrecadação poderá ser maior ou menor.”
Para além desse aspecto, em 2023, diz Gonçalves, os preços internacionais nesses dois setores críticos para a economia brasileira já não estavam tão elevados, mas o aumento da produção compensou. Em 2024, o desempenho não deve ser semelhante, avalia o economista que alerta para o perfil atual da arrecadação – firmemente ancorada no mercado de trabalho que desacelera.
“A arrecadação previdenciária devido à criação de empregos com carteira assinada tem sido decisiva. O mercado de trabalho vem desacelerando, mas ainda está contratando. Entretanto, se deixar de contratar, e nem precisa demitir, essa fonte de receita também vai parar de crescer”, assinala Gonçalves para quem o governo enfrentará desafios relevantes, sobretudo, no controle de expectativas ao longo do ano.
E expectativa é o que não falta. De pronto, as relações entre o Congresso e o Executivo azedaram, antes da chegada do Ano Novo, pela decisão de Haddad de encaminhar ao Parlamento, em 28 de dezembro, uma MP propondo a reoneração gradual da folha de pagamentos de 17 setores da economia.
O ministro agiu menos de 24 horas depois de o Congresso derrubar o veto de Lula que pretendia barrar a extensão da desoneração até 2027.
A iniciativa de Haddad despertou a grita de empresários e políticos. O Senado poderá, inclusive, devolver a MP ao governo e evitar a tramitação do texto que, rejeitado, seria uma derrota para o ministro. Outro veto de Lula – desta vez ao cronograma de liberação de emendas parlamentares previstas no Orçamento – ampliou o descontentamento do Congresso que promete reagir, em fevereiro, na retomada dos trabalhos após o recesso.
Alimenta adicionalmente expectativas neste início de ano a declaração de Haddad que envolve o Banco Central. Em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 2 de janeiro, o ministro manifestou desacordo com a Lei de Autonomia da instituição – considerada grande avanço pelo mercado por evitar pressões políticas especialmente sobre decisões monetárias.
Para Haddad, um ano de mandato do presidente do BC coincidente ao mandato do presidente da República é o ideal. E não dois anos como prevê a Lei em vigor. O ministro levantou uma lebre que poderá render especulações neste ano de contagem regressiva para o fim do mandato de Campos Neto e de anseio pela aceleração do corte da taxa de juro.