"Da onde você acha que vem essa pintura?", perguntou o galerista nova-iorquino David Nolan ao apresentar um trabalho de Paulo Pasta a um cliente. "Esta pintura não é daqui, deve vir da América do Sul. Vem do Brasil", arrematou, sem ter qualquer pista sobre a origem do artista brasileiro.
"Fiquei muito feliz. Eu nunca imaginei que o meu trabalho fosse identificado como uma pintura brasileira", diz Paulo Pasta em entrevista ao NeoFeed. "Isso que eu queria lá fora: poder me ver de uma outra maneira pelos olhos dos outros." Este mês (abril), Pasta se tornou o primeiro artista brasileiro ser representado pela galeria David Nolan, uma das mais tradicionais de Nova York, no Soho. E prepara uma exposição individual no espaço para novembro deste ano.
No fim de 2021, David Nolan e Valentina Branchini, sócios da galeria, vieram a São Paulo exclusivamente para conhecer o trabalho de Pasta. "Nos sentimos alegremente envolvidos pela energia luminosa que irradiava das telas e intrigados pela qualidade metafísica da pintura", diz Branchini, sócia da galeria nova-iorquina. No Brasil, o pintor continua sendo representado pela galeria Millan.
Quem fez a ponte entre a galeria e o artista foi o curador americano Simon Watson. Em 2021, ele organizou a exposição "Paulo Pasta: Luz", individual do artista no Museu de Arte Sacra, na capital paulista. "Paulo Pasta entra no mercado internacional de arte em um momento em que ansiamos por momentos de reflexão, serenidade e luz interior", disse.
Antes de expor em Nova York, Pasta participará de uma exposição em Londres, na galeria Cecília Brunson, em junho, organizada pelo curador Gabriel Pérez-Barreiro. Nesta mostra, apresentará uma série de paisagens, que pintou de memória sobre suas idas e vindas de São Paulo a Ariranha, sua cidade natal.
Segundo o artista, é uma viagem que nunca acaba. Embora não visite mais fisicamente o interior de São Paulo, por meio de fotos, esboços e lembranças registra na tela o caminho, que se expande agora para novas fronteiras.
Com mais de 30 anos de uma sólida carreira em território nacional, Pasta tem trabalhos no acervos de importantes museus brasileiros como Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio de Janeiro, e na importante coleção particular da venezuelana Patricia Phelps de Cisneros. Agora, aos 63 anos, começa a dar seus primeiros passos no cenário internacional.
"Claro que tinha muita vontade de mostrar o meu trabalho fora do Brasil. Mas também não ia forçar a porta, não. Achei bonito que a porta se abriu e espero que ela continue aberta e que o meu trabalho faça sentido fora", diz o artista, que construiu sua trajetória sem pressa, mas com muita certeza de que o seu destino estava na pintura.
A pintura como vocação
Paulo Pasta descobriu ainda muito jovem que queria ser pintor. "Eu tive um monte de crise, menos a de vocação. Eu sempre quis ser pintor", afirma. O primeiro contato de Pasta com a pintura foi pela série de fascículos Gênios da Pintura, publicada pela Editora Abril.
Quando veio para São Paulo fazer cursinho e prestar vestibular, seus pais achavam que o aspirante a pintor se candidataria a uma vaga no curso de arquitetura, mas Pasta já estava com o seu "bolo de fubá pronto" e passou no curso de Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
Aluno de uma geração de artistas conceituais, como Julio Plaza e Regina Silveira, que haviam renunciado à pintura, seu começo na faculdade foi frustrante para quem queria ser pintor, pois não havia aulas sobre a técnica. Mas lá dentro encontrou amigos com quem podia trocar experiência sobre tintas, pincéis e telas.
"A pintura tinha outro aspecto. Para mim, pintar nunca foi algo paródico. Eu nunca tive com ela uma relação cínica ou me alimentei de sua morte para produzir sentido. Ou contrário: eu encarei como uma linguagem viva ainda cheia de sentido", diz.
Apesar de não ter participado da icônica exposição "Como vai você Geração 80?", em 1984 no Parque Lage, Pasta faz parte dessa geração de artistas formados nos anos 1980, como Beatriz Milhazes, Leda Catunda e Luiz Zerbini, que redescobriram na pintura uma forma de expressão. Em contraposição à geração anterior que resistia ao mercado, os trabalhos desses artistas foram rapidamente aceitos nas principais galerias de arte do país.
As primeiras pinturas de Pasta são figurativas. "O pintor", de 1985, que faz parte do acervo do MAC-USP, por exemplo, já antecipa o assunto ao qual o artista vai se dedicar nas próximas décadas. A pintura em tons de cinza apresenta uma figura humana pintando um grande painel com formas geométricas.
No final da década, Pasta já começa a sua investigação pela cor. Ele recobria a tela com várias camadas de tinta e depois raspava deixando só o que considerava essencial. De acordo com o artista, o aspecto temporal que as marcas da raspagem deixavam na pintura, apresentando suas camadas, migraram para a cor.
Um outro tempo
Cor é luz. Para que o olho capte a intensidade da luminosidade é preciso um tempo diante da tela de Pasta. Fugidia como a luz, a pintura acontece num instante. Ali onde a visão se embaralha, quando é preciso apertar as pálpebras para enxergar com precisão onde uma cor termina e outra começa. A estabilidade do momento é breve. Logo os retângulos cromáticos começam novamente a querer fugir do controle do olhar.
"Minha pintura muda pouco, ela se desloca lentamente. Eu gosto também disso, desse aspecto que ela tem de uma lentidão, de uma sedimentação, de um tempo estendido, de uma reflexão maior", explica.
Um pequeno exemplo de uma sutil mudança é uma mínima faixa branca que começou a aparecer no trabalho de Pasta no início dos anos 2010. No começo, esse elemento era uma forma de o artista mostrar alguma falta de controle na pintura tão bem acabada. O espaço branco, que ele chamou de "respiradouro", foi ganhando cada vez mais presença ao longo dos anos. Em alguns trabalhos, a faixa branca já contorna todo o quadro, formando uma margem.
"As pessoas vivem em um mundo em que acham que tudo muda muito e o tempo todo, mas a verdade é que as coisas mudam muito pouco. Uma grande transformação custa caríssimo e demora muito tempo. Eu digo isso porque minha pintura muda, sim, mas não obedece à lógica externa, que muitas vezes é a lógica do mercado", afirma.
Na maioria das obras, Pasta trava seu embate direto no plano, mas uma conversa com a linha oblíqua aparece às vezes em seu curso. Para o pintor, a pintura pede uma planaridade, pois a cor quando vem para o plano fica mais eloquente.
No entanto, em algumas telas, de forma discreta, o artista faz pequenas diagonais, como se sugerisse um breve balanço, um pouco de profundidade em sua rigorosa bidimensionalidade. Esse sutil detalhe do traço oblíquo, que aparece em algumas telas, às vezes, induzem a uma porta aberta, uma abertura para a dentro da pintura. Quiçá a tal porta para esse mundo novo que se abre fora do Brasil.