Não há no mundo povo mais desejoso de consumir de forma sustentável do que o brasileiro. Realizado entre o fim de 2024 e o início de 2025, o estudo mais recente da consultoria Kantar sobre o tema mostra: 87% das pessoas gostariam de fazer escolhas mais responsáveis — enquanto a média global fica em 85%. Na prática, porém, apenas 35% adotam hábitos de fato condizentes com as questões socioambientais impostas pela atualidade.

O levantamento da Kantar é apenas um dos muitos que revelam a discrepância brasileira entre o que é cobrado das empresas e o que se paga, no final do dia, no caixa do supermercado ou na loja online. E entender o porquê da discordância entre discurso e ação é fundamental para o país caminhar rumo a um futuro de fato mais verde, equânime e justo.

“As pessoas respondem a essas pesquisas com a visão de quem elas gostariam de ser, desejam ser, mas não quem elas efetivamente são”, diz a especialista em sustentabilidade Nelmara Arbex, sócia da consultoria KPGM. “Toda pesquisa de comportamento tem um desvio, é natural. Porém, como essas respostas são as únicas referências das empresas no mercado, é complexo entender o cenário.”

Fabiana Tchalian, cofundadora da Água na Caixa, sentiu o drama na pele. Em janeiro de 2021, a startup foi criada com o propósito de oferecer uma alternativa mais limpa às tradicionais garrafinhas de água mineral. Pioneira no Brasil, oferece embalagens de papel reciclado e 100% recicláveis, semelhantes em aparência às de leite ou suco longa vida.

“Na época, lançamos o nosso produto com foco total em sustentabilidade, acreditando no potencial de redução da pegada de carbono e no poder de reutilização da caixinha”, diz Fabiana ao NeoFeed. “Porém, com essa abordagem, nós conseguimos atingir uma quantidade de vendas muito inferior ao que estava planejado. Para base de comparação, esperávamos crescer a um ritmo de 10 vezes e atingimos apenas duas vezes."

Para entender o que havia acontecido, a empresa decidiu se aprofundar nos clientes que efetivamente fizeram essa compra, buscando entender o que os levou a dar um voto de confiança no produto.

Para a surpresa de Fabiana, os compradores não estavam pensando na sustentabilidade do produto e, sim, no design das caixas — um paralelepípedo retângulo, na cor branca, apenas com a palavra “água” em azul. Interessava a eles a aparência descolada da embalagem, o que lhes proporcionava uma certa aura de modernidade e exclusividade.

Em uma escala de preocupação, os estabelecimentos priorizavam, em primeiro lugar, a experiência dos consumidores finais, em seguida o preço e, só então, a sustentabilidade.

A Positive Market, dona de marcas como A Tal da Castanha e Zaya, tem uma perspectiva semelhante. “Se não estiver agregada a um produto de valor, sustentabilidade sozinha não vende”, diz Felipe Carvalho, sócio e diretor de marketing da empresa. “Para nós, esse termo sempre fez parte de um pacote que entregamos ao cliente, mas nunca foi um benefício isolado.”

Como ele explica, a ideia sempre foi sempre construir uma cultura de impacto 360 graus, com a criação de produtos sustentáveis de ponta a ponta. Essa postura faz com que o consumidor reconheça o esforço das marcas do grupo, o que reverbera em validação tanto do preço (mais alto do que os tradicionais) quanto dos benefícios socioambientais.

As gigantes também sentem

Engana-se quem pensa que a defasagem entre intenção e prática dos consumidores está restrita às startups e empresas de médio porte. As grandes também se veem às voltas com o abismo entre palavras e ações.

Durante o NeoSummit COP30, evento do NeoFeed realizado no início de setembro, ficou bem claro que gigantes como Vale e Gerdau também sentem essa diferença entre o discurso e a prática.

“A sustentabilidade é uma demanda cada vez maior, mas o cliente não paga a mais por isso”, afirmou Gustavo Werneck, CEO da Gerdau. “Isso se torna um grande problema. No caso da indústria de aço no Brasil, seriam necessários cerca de US$ 40 bilhões para atingir a descarbonização, mas as empresas não têm isso para investir e, se o cliente não paga, a conta não fecha.”

Ao contrário do que Fabiana Tchalian imaginava, as pessoas compravam a Água na Caixa por causa do design da embalagem e não pela sustentabilidade do produto (Foto: Divulgação)

“Se não estiver agregada a um produto de valor, sustentabilidade sozinha não vende”, diz Felipe Carvalho, cofundador da Positive Market (Foto: Divulgação)

Para Gustavo Pimenta, presidente da Vale, a alternativa, no caso das grandes companhias, é buscar a maior eficiência possível com o que se tem na mão, que emita menos CO² e tenha quase a mesma capacidade produtiva dos produtos tradicionais — cujas emissões de gases de efeito estufa são maiores.

“Nós precisamos ser criativos para ajudar os clientes e, ao mesmo tempo, criar as rotas descarbonizadas mais eficientes do mundo”, afirmou Pimenta. “Com o tempo, isso se torna um padrão.”

O entrave do preço

A palavra “preço” parece efetivamente ser o problema quando o assunto é consumo consciente. No relatório global Vida Saudável e Sustentável 2024, do Instituto Akatu em parceria com a ONG, existe um ponto em comum entre as respostas dadas pelos mil brasileiros consultados: “Ser sustentável é caro”.

“O estudo evidenciou semelhanças entre pontos de vista dos entrevistados das cinco regiões que retratam bem o país, onde a população ainda tem como prioridade sobreviver, prosperar e cuidar dos seus”, lê-se no documento. “Neste contexto nacional, aspectos relacionados a uma vida mais saudável e sustentável ficam em segundo (ou terceiro, ou quarto) plano.”

Para os entrevistados, ser sustentável é um privilégio dos mais ricos, os que podem destinar dinheiro e tempo a essas iniciativas — sem contar centavos para fechar as contas no fim do mês. Com a piora da inflação e da situação econômica, nos últimos anos, essa associação só se tornou ainda mais evidente.

No caso da Água na Caixa, esse é o maior desafio. Nas pesquisas da startup, muitos consumidores verbalizam o entrave financeiro. Não fosse isso, diz Fabiana, a marca teria um crescimento bem mais expressivo. “O limite de gastos com água de muitos clientes é abaixo do nosso custo de produção, o que inviabiliza alguns negócios”, afirma ela.

Hoje, na ponta final, uma garrada de meio litro de Água na Caixa custa cerca de R$ 5,80, as tradicionais saem por pouco mais de R$ 3.

Pensando nisso, a marca criou uma “caixona”, que substitui o galão de água tradicional por um sustentável de oito litros. Com esse produto, a marca atinge o cliente B2C pela primeira vez e consegue igualar preços com o resto do mercado, algo que deve ser um impulso para o seu crescimento — e para a sustentabilidade, por tabela.

Para Nelmara, da KPMG, existem, sim, muitas barreiras para o avanço da sustentabilidade quando o assunto é consumo. Porém, se comparado aos últimos 20 anos, quando o tópico não era nem citado em rodas de conversas no Brasil, já houve progressos.

“Quando nós estamos no meio da confusão, é difícil perceber. Porém, hoje, nós temos esse tipo de conversa sobre clima, meio ambiente e sustentabilidade com qualquer pessoa”, diz a executiva. “Isso é um capital social que nós criamos e é muito relevante para o nosso futuro.”