“Pai, pode comprar as passagens. A vaga será minha. Nós vamos para o Bahrein.”

O ano de 2025 estava apenas começando e havia algo de absoluto na frase de Eduardo Salamonde. Uma determinação que não se espera de um garoto com então 13 anos, sobretudo em um esporte marcado em grande medida pelo imponderável. Nove meses depois, a previsão se cumpriu.

Em setembro, agora aos 14 anos, Dudu se sagrou pentacampeão paulista de kart na categoria Rotax Junior Max e garantiu a única vaga destinada ao Brasil no campeonato mundial, a ser realizado entre 29 de novembro e 6 de dezembro no país do Oriente Médio.

Uma vaga que não se compra, não se herda, não se negocia. Conquista-se. Um feito que firma Dudu como uma promessa do automobilismo brasileiro. “E eu vou ganhar o mundial”, diz o adolescente, em conversa com o NeoFeed. “Pode ter certeza.”

A convicção de Dudu poderia soar como inexperiência juvenil, mas não há improviso, descuido ou bravata. Desde os 8 anos, quando se apaixonou pelas pistas, ele vem demonstrando o foco, a dedicação, a autoconfiança e a resiliência característicos dos atletas mais experientes.

“Meu esporte é o meu trabalho. Essa é a minha profissão”, define. “Eu sou um automobilista e vou chegar à Fórmula 1.” Ao ver e ouvir o filho, dentro e fora do kart, os economistas Carlos Augusto e Paula, executivos do mercado financeiro, se emocionam.

O compromisso de Dudu com o esporte pode ser contado com os pódios conquistados desde 2021, ano de sua primeira corrida e de seu primeiro título de campeão. Na época, ele corria na categoria Cadete — crianças de 8 a 11 anos, "voando" a uma velocidade média de 70 quilômetros por hora.

Desde então, o piloto tem revelado uma consistência rara para um atleta tão jovem. O campeonato paulista é a competição mais dura e extensa do kart brasileiro — e, por isso, peneira para o mundial. Em 2025, ele chegou em primeiro lugar em 13 das 24 provas do torneio. Recebeu a bandeirada de segunda colocação em cinco delas. E, em duas, cruzou a linha de chegada em terceiro.

“Dudu foi o maior pontuador do campeonato”, envaidece-se Carlos, em entrevista ao NeoFeed. A perfomance do adolescente serve de chamariz na busca por patrocinadores.

O primeiro patrocínio

O primeiro contrato de financiamento foi assinado recentemente, com a EXA Tecnologia — uma novidade também para a empresa brasileira da área de segurança digital já que o piloto é, por enquanto, o único atleta patrocinado pela companhia.

"A parceria com Dudu Salamonde marca o início de um novo capítulo da EXA, associando sua marca a histórias reais de performance e confiança. Estávamos buscando novas formas de nos conectar com o consumidor de forma mais emocional e cultural, e o esporte se mostrou um território promissor", afirma Laura Barros, vice-presidente de produtos e marketing da EXA, ao NeoFeed.

O que mais chama a atenção da executiva no esportista, além do talento nas pistas, é a postura do adolescente fora delas. "Dudu combina disciplina, inteligência emocional e tomada de decisão em situações de risco, competências essenciais também no mundo digital. Sua imagem positiva e o carisma com o público jovem e familiar ampliam a conexão com a proposta da EXA: proteger e educar quem vive o digital com intensidade."

Em 2025, o orçamento do piloto está previsto para fechar em R$ 800 mil. No ano seguinte, quando ele pretende disputar os campeonatos europeu e mundial de kart na categoria OK Senior, os custos foram calculados em R$ 2 milhões. No ano seguinte, já na Fórmula 4, eles devem girar em torno de R$ 7 milhões, estima Carlos.

Depois vem a F3, a F2 e, finalmente, a F1... enquanto isso, a cada nova posição galgada, os gastos escalam. Garantir o apoio de patrocinadores é, portanto, essencial para viabilizar a chegada de Dudu à elite do automobilismo mundial.

Como ressalta o pai do esportista, o patrocínio pode ser direto ou por intermédio da Lei de Incentivo ao Esporte — tanto por pessoas jurídicas quanto por pessoas físicas. No primeiro caso, o aporte é direto via verbas de marketing ou doações voluntárias. A contribuição não é dedutível, mas gera visibilidade imediata de marca.

Se a escolha for pela Lei 11.438/06, empresas tributadas pelo lucro real podem deduzir 100% do valor investido até o limite de 2% do imposto de renda (IR) devido. E as pessoas físicas podem destinar até 7% do IR devido, considerando o conjunto das leis de incentivo, com restituição integral do aporte.

A se considerar a trajetória e o comprometimento de Dudu até aqui, novos patrocinadores não devem demorar a embarcar no projeto.

Para disputar o campeonato europeu e o mundial em 2026, o jovem já recebeu quatro convites para integrar as principais equipes da Europa. “Estamos em fase final de negociação, analisando a melhor estrutura para ele”, diz Carlos. “Receber estas propostas já é por si só motivo de muito orgulho. Estamos muito honrados.”

Como previsto pelo atleta no início de 2025, em setembro, ele conquistou o "bilhete" para participar do mundial no Bahrein. O prêmio foi entregue por Rubens Carcasci, presidente da Confederação Nacional de Kart (Foto: Arquivo Pessoal)

Em setembro, Dudu se sagrou pentacampeão paulista (Foto: Arquivo Pessoal)

Paula e Carlos fogem ao esteriótipo dos pais de crianças esportistas (Foto: Arquivo Pessoal)

O desenho da pantera no capacete simboliza o poder de concentração do atleta e presta uma homenagem ao ídolo Verstappen (Foto: Arquivo Pessoal)

"Essa é a minha profissão. Eu sou um automobilista e vou chegar à Fórmula 1", promete Dudu (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos 10 anos, em fevereiro de 2022, o esportista conquistou sua primeira vitória no kartódromo da Granja Viana, um dos mais importantes do Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2020, dos nove para os dez anos, o atleta teve seu primeiro kart próprio (Foto: Arquivo Pessoal)

Em fevereiro de 2021, Dudu cumpriu sua primeira primeira corrida na Copa Kids, no kartódromo de Aldeia da Serra, em São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2022, o piloto foi campeão da Copa São Paulo KGV na categoria Rotax Mini Max (Foto: Arquivo Pessoal)

"Dudu combina disciplina, inteligência emocional e tomada de decisão em situações de risco", afirma Laura Barros, VP de Produtos e Marketing da EXA Tecnologia, primeira patrocinadora do jovem piloto (Foto: Wanezza Soares)

Dudu praticamente vive para o automobilismo. O advérbio se explica: Paula não deixa o garoto descuidar da escola. Fluente em inglês e com domínio do alemão, cursa a oitava série do ensino fundamental do Colégio Porto Seguro, um dos mais rigorosos de São Paulo.

Depois do encontro com o NeoFeed, na noite de terça-feira, 18 de novembro, por exemplo, mãe e filho ainda estudariam juntos reprodução humana, tema da avaliação de ciências na manhã seguinte.

Duas vezes por semana, Dudu treina por duas horas no kartódromo da Granja Viana, em Cotia, na região metropolitana de São Paulo. “É o limite”, afirma Carlos. “Ele tem de dar 60 voltas naquele kart. Se treinar três vezes, não aguenta… o pescoço… não tem jeito.”

Mas, quando não está na pista ou estudando, o adolescente pode ser encontrado na academia, na fisioterapia ou na nutricionista. Uma equipe de 16 pessoas cuida do piloto. Do mecânico ao preparador físico e mental Nuno Cobra Junior — o Nuninho, filho do lendário mentor de Ayrton Senna. Sem contar as horas passadas no simulador de kart que Dudu tem em casa. O menino só pensa em correr.

Aos 14 anos, em geral, é quando os adolescentes estão começando a ter uma vida social mais intensa. Mas as competições são aos sábados de manhã e Dudu deve estar na cama, no máximo, às 10 horas da noite anterior. Ou seja, ele não experimenta muito na prática o significado da expressão “sextou”. E está tudo certo. O rapaz se diverte nas pistas.

Nem os acidentes o afastam. Certa vez, em 2023, depois de o carro rodopiar, ele foi “cuspido” para o meio da pista. Saiu do kartódromo de ambulância e, enquanto era atendido no hospital, insistia com o médico: “Doutor, eu já perdi a primeira corrida, não posso perder a segunda. Doutor, me libera, por favor, me libera”.

O piloto não sofreu nenhum arranhão, mas, naquele dia, não teve jeito: Dudu foi para casa. Se ele tem medo de correr a 120 quilômetros por hora, com o fundo do banco a, no máximo, 1,5 centímetro do solo?

O adolescente cita uma frase do australiano Daniel Ricciardo, competidor da F1 entre 2011 e 2024: “No dia em que o piloto sentir algum medo, ele tem de parar”. E parar não está nos planos de Dudu. Ele quer correr, mas respeita os limites do carro e os seus próprios.

Os olhos da pantera

Sozinho no kart, instantes antes de ser dada a largada, o piloto é pura concentração. Mas não foi sempre assim. “Eu costumava ficar nervoso, tremendo”, lembra ele. Graças às técnicas de controle mental ensinadas por Nuninho, hoje, em um minuto, Dudu entra em estado de atenção plena.

Faz o sinal da cruz, abaixa o visor do capacete e repassa mentalmente o traçado da prova. “Eu fecho todas as portas do mundo: aquela é a hora do kart”, explica. “Não sei o que acontece, mas eu vejo dois traços luminosos na viseira como se fossem os olhos de uma pantera.” Quando eles aparecem, Dudu sabe: está pronto para correr.

Não à toa seu capacete traz o desenho do felino. Também uma homenagem ao ídolo Max Verstappen, cujo equipamento de proteção estampa um leão. “Gosto de Senna também, claro, e de Lewis Hamilton, pela superação”, frisa o jovem.

A trajetória de Dudu tem brilho, mas também percalços. Consciente de que ainda tem muito a evoluir, ele aprende com as dificuldades e os erros. O ano de 2023, por exemplo, não foi fácil.

“Eu mudei de categoria. Saí do kart de criancinha para um kart adulto, mais pesado, com motor mais forte”, lembra. “Aprendi a ter mais foco e mais disciplina. Eu estava meio mal-acostumado e aprendi que nem tudo são flores.”

Dudu aprendeu, sobretudo, a perder e, consequentemente, a ter ainda mais gana por vencer. Na classificatória para o campeonato brasileiro de 2025, por uma falha no carro, o piloto largou em penúltimo, na décima posição. Mesmo assim, foi coroado vice-campeão. Não repetiu o resultado do ano anterior, mas, pela superação, o segundo lugar teve gosto de primeiro, comemora Carlos.

O atleta sabe que os desafios serão cada vez maiores. Ele, porém, não teme o futuro. A segurança e disciplina com as quais enfrenta as exigências são produto principalmente de sua personalidade. Mas há de se considerar a experiência (curta, porém, intensa) e o ambiente familiar. Não há pressão por resultados.

Diferente do estereótipo dos pais de crianças esportistas, os Salamonde não projetam no filho seus sonhos. Aliás, até o adolescente se apaixonar pelas pistas, o automobilismo não despertava interesse especial em ninguém da família.

A primogênita, Julia, de 23 anos, acaba de se formar em medicina, e Bernardo, de 21, atua no mercado financeiro.

Mas, algum tempo atrás, em uma despretensiosa manhã de domingo, Bernardo acompanhava uma corrida de F1 pela televisão quando o caçula, garotinho de tudo, se encantou pela imagem dos carros zanzando em alta velocidade de um lado para o outro.

A partir daí, o resto é história. Uma história que está apenas começando. Que seja dada a largada do mundial no Bahrein.