A argentina Susana Balbo adicionou mais um prêmio, e um dos mais importantes da indústria do vinho, a sua carreira: o Lifetime Achievement do IWC (International Wine Challenge, da Inglaterra). Hoje, ela se divide presidindo o conselho de administração da vinícola que leva seu nome e o grupo Woman 20, núcleo dedicado ao empoderamento feminino do G20.
O International Wine Challenge é um dos principais e mais respeitados concursos de vinho no mundo e informalmente conhecido como o "Oscar do Vinho". Realizado anualmente em Londres, o prêmio especial de Lifetime Achievement é atribuído às personalidades que dedicaram uma carreira ao vinho, obtendo destaque global pela excelência profissional.
Figuras como Gerard Basset (Master of Wine), Richard Smart (pesquisador-doutor em viticultura) e May de Lencquesaing (Pichon-Lalande) já receberam este prêmio. A premiação representa apenas a cereja do bolo do bom momento que vive a vinícola da empresária e enóloga argentina.
Após receber investimentos do fundo de private equity L. Catterton, que tem entre os principais investidores o grupo francês LVMH, em 2019, a Susana Balbo Wines recebeu uma série de prêmios de categoria mundial.
Edgard del Pópolo, que é viticultor da vinícola de Susana, foi eleito “viticultor do ano 2022” pelo Master of Wine britânico Tim Atkin e o vinho Nosotros Nómade 2019 recebeu 99 pontos de James Suckling, quarta safra do rótulo a receber tal pontuação. O nome do rótulo se deve à origem do vinhedo, que pode mudar a cada safra.
O principal guia de vinhos sul-americanos, o Descorchados, também elegeu em sua edição 2022, o Susana Balbo Signature Rosé 2021 o melhor rosé do ano e o BenMarco Sin Límites Malbec Orgánico 2020, a revelação do ano.
Em abril, deu os primeiros passos no setor de hospitalidade ao inaugurar o Susana Balbo Winemaker’s House, um spa de luxo com apenas sete suítes, cujas diárias partem de R$ 4.200, em Luján de Cuyo, próximo à zona urbana de Mendoza.
Na área produtiva está sempre atenta para boas oportunidades de vinhedos nas partes mais nobres de Uco, além de estar prestes a iniciar a construção de uma nova vinícola em sua área de cultivo de Gualtallary.
Empreendendo com os filhos
A maior dificuldade para Susana Balbo hoje é conciliar os papéis de mãe e chefe. “As empresas familiares sempre têm dificuldades para manejar sentimentos familiares e as obrigações do negócio. Quando fundei a vinícola meus filhos eram pequenos. Hoje a empresa tem 23 anos e meus filhos 38 e 36 anos. Foi importante ter profissionais de fora da família quando eles se integraram à vinícola.”
Seu filho, José Lovaglio, hoje cuida de toda a enologia de Susana Balbo Wines e Ana, sua filha, é gerente de marketing da vinícola. Susana preside o conselho de administração e atua em momentos-chave da produção dos vinhos, como colheita e mesclas finais dos vinhos.
Sua principal tarefa na vinícola atualmente é criar meios e caminhos, seja com novos vinhedos, rótulos ou abrindo novos mercados, para seguir crescendo com vinhos nas faixas de preço mais elevadas.
Em termos de volume, Susana destaca que estão em uma posição delicada. “Hoje produzimos cerca de 3 milhões e meio de garrafas. As vinícolas grandes nos veem como pequenos e os pequenos nos veem como grandes. O importante é que focamos em vinhos de alta qualidade e preço”. Longe de se ver aposentada, Susana projeta que o futuro de seus vinhos aponta para uma paixão pessoal, a Cabernet Sauvignon, além da Sémillon, para brancos e espumantes.
E a Malbec? “Este é um caminho sem volta, e agora nos movemos para expressões de lugares mais específicos e mais altos, como os vilarejos de Gualtallary, Paraje Altamira e Los Chacayes”, diz.
Um exemplo prático desse discurso está em outro lançamento da vinícola. Na mesma linha do Torrontés Narrando, acaba de chegar ao mercado brasileiro o Susana Balbo Signature Malbec Paraje Altamira 2019 (R$ 290,00, na Cantu).
"Esses vinhos de pequena escala, de parcelas específicas de vinhedos são mais fáceis de se vender, por sua escassez e raridade, o que compensa o maior custo de produção”. Por isso também a empresária vai construir uma vinícola em Gualtallary .
Apesar das certezas dos caminhos a serem percorridos e firmeza nas palavras, Susana Balbo somente hesita ao falar da instabilidade da economia argentina. “Exportar vinhos nunca foi tão complicado para nós. Nós vendemos em dólares e recebemos em pesos mas com um câmbio arbitrário por parte do governo, algo 50% menor do que o valor real do dólar. Nossa rentabilidade está sempre ameaçada e as contas precisam ser revisadas a todo momento”.
Ela ressalta uma visão de resiliência. “Apesar de termos uma bomba em contagem regressiva que pode explodir a qualquer momento, nós, argentinos, estamos acostumados a viver com crises econômicas, o que nos permite antecipar problemas, sobreviver com pouco e sem deslumbramentos, pois sempre pode vir outra crise.”
Caminho mais difícil
A enóloga argentina, nativa de Mendoza, nunca escolheu o caminho mais fácil em sua carreira. Primeiro resolveu cursar física nuclear em Buenos Aires, mas foi tolhida pelos pais que não a queriam fora de sua cidade natal durante o governo militar.
A contragosto, entrou na faculdade de enologia, setor dominante na sua nativa Mendoza, porém uma atividade considerada fisicamente desgastante e masculina. Balbo foi a primeira enóloga a se graduar na Argentina, em 1981. “Na faculdade de enologia, a metade da classe era de mulheres, porém fui a única a concluir o curso”, ressalva a enóloga ao NeoFeed.
Formada "cum laude", conseguiu seu primeiro trabalho na distante Salta, extremo norte do país, onde colocou embaixo dos braços a variedade branca Torrontés e deu tratamento de um grande vinho. “Na época, a Torrontés era vinificada com as cascas e resultava em um vinho amargo, difícil de se beber”.
Curiosamente seu mais novo lançamento é um Torrontés, justamente macerado com as cascas. O Susana Balbo Signature Torrontés de Raíz Naranjo 2020 (R$ 290, na Cantu) é um vinho da corrente chamada laranja, que fermenta em ânforas de terracota.
Porém, hoje adota técnicas para que o vinho não fique amargo. “Prensamos de forma muito suave e fermentamos em temperaturas baixas. A maceração não muito longa com as cascas, cerca de sete dias, também evita o amargor nos vinhos.”
Em 1991, Balbo voltou para Mendoza para cuidar da construção da vinícola Catena, até hoje uma referência na arquitetura das vinícolas mendocinas pelo seu inconfundível formato de pirâmide.
“Meu trabalho nesta época era de engenharia, pois era algo disruptivo fazer uma vinícola com muitos andares no subsolo e desenhar um fluxo gravitacional para a recepção das uvas e a vinificação.”
Uma vez concluída a construção, Susana Balbo se tornou diretora de exportação de Catena. “Nesta etapa mantive assessorias de enologia em outras vinícolas, já que minha função era principalmente comercial”.
O período de muitas viagens como responsável pela exportação de Catena abriu os caminhos para Susana entender os principais mercados de vinho no mundo como poucos. A visão e talento para entender o estilo de vinho que seus importadores buscavam e o conhecimento de enologia para saber os caminhos para se chegar lá a colocaram em posição única.
Balbo também foi a primeira mulher a assumir a presidência do Wines of Argentina, órgão de promoção dos vinhos argentinos no exterior, em 2006, sendo reeleita no biênio seguinte e reconduzida ao cargo em 2014.
Hoje, aos 66 anos de idade e quatro décadas de carreira, Susana Balbo lista as dificuldades que passou por ter escolhido uma profissão até então dominada por homens. “Na faculdade tive que mudar minha forma de vestir. Não costumava vestir calças e tive que mudar minha vestimenta para não ouvir algumas barbaridades. Depois, quando me formei, foi mais difícil conseguir trabalho. Embora mais qualificada não me escolhiam para as vagas.”
Hoje a enóloga vê um cenário diferente. “Hoje são muitas mulheres que trabalham na indústria do vinho no mundo todo. São profissionais respeitadas e diria até buscadas, pois temos uma visão mais 360 graus do negócio, mais holística e integral”.