Foi bem longe do Brasil, a mais de nove mil quilômetros e a um oceano de distância, que surgia, em 1911, a marca de artigos esportivos Fila — fundada pelos irmãos Ettore e Giansevero Fila, na cidade de Biella, na região do Piemonte, na Itália.
Dada a forte presença da empresa em território nacional, com fabricação local e desenvolvimento de novos produtos por aqui, grande parte dos consumidores se surpreende ao descobrir que a companhia não é brasileira. Pois agora, a Fila quer ser reconhecida pela origem que lhe é de direito: uma marca italiana.
E, nesse movimento, está a estratégia de usar a boa imagem do design italiano para desenvolver uma linha lifestyle de vestuário — e acompanhar os brasileiros para além da prática esportiva.
A Fila se firmou por aqui como uma marca de tênis de corrida. E, de certa forma, ela disputa a mesma prateleira com os modelos da Olympikus, pertencente à Vulcabras.
As duas têm uma característica muito forte de entregar custo-benefício com performance, o que, na ponta do lápis, representa um tênis mais barato do que as linhas importadas oferecidas pela americana Nike ou pela alemã Adidas.
Nesse contexto, está a captura de uma parcela importante dos cerca de 13 milhões de corredores amadores no país — um público que gasta por ano algo perto de R$ 1 bilhão somente em inscrições de corridas de rua e eventos esportivos.
Daqui para frente, a Fila quer ser lembrada pelo atleta tanto no momento das corridas quanto na hora do lazer, depois que ele cruzar a linha de chegada. Além de tênis, ela quer vender calças, camisetas, shorts e jaquetas.
“Acreditamos muito na transição da performance para o lifestyle. Até hoje, tentamos oferecer uma proposta separada, mas percebemos que o consumidor olha a Fila como uma sinergia única”, diz Adriana Magalhães David, diretora de branding e marketing da Fila Brasil, ao NeoFeed. “Essas categorias vão passar a ser mais conectadas, para que a gente tenha uma oferta mais 360 graus.”
Para tanto, a italiana se espelha no caminho traçado pela americana North Face, que atende tanto o público de performance esportiva como os que desejam uma linha de vestuário esportivo — e estiloso. “A gente quer ser essa marca. Foi assim que a Fila nasceu”, afirma a executiva.
Físico e online
A lógica desse plano estratégico está na presença do canal físico de varejo. Hoje, a marca tem 20 lojas no país, sendo 19 outlets e uma unidade regular (no Barra Shopping, no Rio de Janeiro). As peças são produzidas em um parque fabril na cidade de Saudades, em Santa Catarina.
Desde abril de 2024, a empresa também oferece o canal online, por meio de app. Com cerca de 25 mil downloads e 42 mil usuários ativos, o e-commerce passou de 3% de participação de mercado, no primeiro semestre do ano passado, para 20%, nos seis primeiros meses de 2025.
Na fábrica, são produzidas 15 milhões de peças, incluindo as marcas próprias e as linhas private label, para outras empresas. No caso de tênis, a Fila produz no Brasil 22 milhões de pares, na fábrica gaúcha de Ivoti, onde também está o centro de desenvolvimento.
Na coleção 2025, o Brasil apresentou 899 modelos, dos quais 94% foram fabricados aqui. Na coleção 2026, serão 991 linhas diferentes, com 90% de produção nacional. Em eventos esportivos, a empresa instala lojas temporárias.
Desde 2003, a operação da Fila no Brasil é executada pelo Grupo Dass, também responsável pela comercialização dos produtos da Umbro, New Balance e Osklen, além da Fila na Argentina.
Globalmente, a Fila hoje é coreana, com sede em Seul e com ações negociadas na Bolsa sul-coreana desde o IPO, em 2010. A empresa está avaliada em US$ 1,7 bilhão.
O Brasil está entre os cinco principais mercados da marca no mundo. A empresa não revela o faturamento local. Na América Latina, o mercado brasileiro representa 80% do Grupo Dass. No ano passado, a receita global foi de US$ 2,9 bilhões, aumento de 6,5% sobre o período anterior.
Marca global com preço brasileiro
A estratégia de ampliar o guarda-roupa do atleta não tira, no entanto, a meta de crescer no segmento de tênis de corrida. “Eu quero que o corredor use nossa camiseta de algodão também, além do nosso calçado”, diz Adriana. “A gente quer manter o consumidor do tênis e crescer o potencial da confecção no Brasil.”
Se a Olympikus tem aumentado de forma expressiva sua participação no mercado running, principalmente a partir do lançamento da linha Corre, a Fila busca ampliar seu mercado com novos modelos da linha Kenya Racer (KR), mais leve, e Racer Carbon, mais premium, com tecnologia de placa de carbono, voltada à performance em provas.
No fim de agosto, a empresa realizou o lançamento do modelo KR7, justamente na semana da Maratona Fila, realizada em São Paulo. Para isso, trouxe ao Brasil o queniano Paul Tergat, que venceu cinco vezes a São Silvestre no fim da década de 1990.
Durante o evento, a empresa instalou uma loja para oferecer, além do novo modelo, a linha de roupas casuais. Essa estratégia não está somente no universo de corrida de rua.
Enquanto no Brasil a Fila está mais ligada à linha running, no exterior a marca é muito associada à prática do tênis. Nessa modalidade, a diferença entre performance e lifestyle é menor.
Na década de 1970, o tenista sueco Bjorn Borg foi um dos primeiros atletas de elite a ser patrocinado pela marca. No Brasil, Fernando Meligeni é um de seus embaixadores.
Nesse universo, a linha lifestyle da Fila na modalidade é uma das principais vitrines da empresa. Na última edição do torneio Rio Open, ela lançou modelos exclusivos de vestuário e calçados, com a instalação de uma unidade física no Jockey Club, sede da competição.
Além de atender o mercado brasileiro, a Fila exporta 25% de sua produção local da linha running, considerando mais de 20 modelos. “Temos projetos feitos no Brasil que outras licenciadas estão levando, por causa da tecnologia, principalmente Ásia e Europa”, diz David. “A gente é uma marca global com preço brasileiro.”