Entre o azul do mar do Golfo de Asinara e o vermelho das falésias da Costa Paradiso, o número 119 da Via Lucioni, na Sardenha, chama a atenção. Desperta a curiosidade por sua forma abobadada e seu abandono.
Da virada da década de 1960 para 1970, hoje em ruínas, La Cupola, como é chamada, serve de metáfora para o fim de um amor: o desenlace de um dos romances mais célebres do cinema italiano.
A construção era a casa de verão do diretor Michelangelo Antonioni (1912-2007) e da atriz Monica Vitti (1931-2022). Mas eles não conseguiram aproveitá-la por muito tempo. O cineasta e sua musa romperam logo depois do término da obra.
Em meio à beleza árida do litoral mediterrâneo, La Cupola segue também como símbolo de uma inovação, “uma das melhores arquiteturas dos últimos cem anos”, como define o premiado arquiteto e urbanista holandês Rem Koolhass. Projetada por Dante Bini, a casa foi erguida com a força do ar.
Batizada "binishell" e patenteada em 1964, a tecnologia consiste em moldar a construção sobre uma espécie de balão de neoprene. Conforme essa bexiga gigante é inflada, o prédio sobe. Seca a estrutura, basta esvaziar o saco e... pronto! Entre os anos 1960 e 1980, foram levantadas cerca de 1,6 mil "binishells", em quase 30 países.
Nenhuma, porém, tem um apelo tão grande quanto La Cupola. Em 2015, em uma entrevista sobre seu trabalho, Dante teria ido às lágrimas ao ver uma fotografia da residência da Via Lucioni, degradada pela má conservação, lê-se em reportagem da revista americana Cultured. Mas uma lufada de renovação em torno de sua invenção tem feito o arquiteto, hoje com 91 anos, feliz.
Aos 56 anos, seu filho Nicolò, arquiteto como ele, retomou a ideia das construções à base de ar. E, tal qual aconteceu com seu pai, um casal da indústria do cinema lançou a "binishell" contemporânea à fama. Em tempos de redes sociais, a projeção é planetária.
Nas últimas semanas, vídeos e fotos da casa do ator Robert Downey Jr. e da produtora Susan Levin invadiram o TikTok e o Instagram.
Na ensolarada Malibu, na costa do Pacífico, a "binishell" Clubhouse, como é chamada, tem pouco mais de 600 metros quadrados, em um terreno de 28,3 mil metros quadrados, por onde circulam alpacas, cabras, coelhos e porcos –a diversão das duas filhas do casal. O preço? US$ 15 milhões, nas estimativas dos analistas de mercado.
Susan, como relatado pelo jornal The New York Times, queria “algo que nunca tivesse sido feito antes”. Ainda que a ideia original das "binishells" remonte aos anos 1960, adaptar o projeto ao estilo de vida contemporâneo e às necessidades de um mundo à beira do colapso climático exigiu de Nicolò mudanças radicais. Um processo que consumiu anos de estudos e pesquisas, como ele conta, em conversa com o NeoFeed.
Os vídeos da construção impressionam mesmo. E a casa pronta é outro espetáculo. A estrutura ondulada, de concreto branco; o paisagismo impecável; a piscina em forma de rim; os móveis e objetos de assinados por designers famosos... o conjunto da obra é um elogio à criatividade e à sustentabilidade.
Vale lembrar: os Downey são fundadores de uma empresa de capital de risco, a FootPrint Coalition, focada em soluções ecológicas para problemas sociais.
Nicolò costuma dizer que não pretendia apenas revitalizar a criação de Dante, que buscava, sim, uma maneira de “construir melhor”.
Fundador e CEO do escritório LINE Architecture, em Beverly Hills, ele já era um arquiteto bem-sucedido, com vários prêmios internacionais, no currículo, quando suas duas filhas, hoje adolescentes, nasceram. As meninas reforçaram a urgência do combate ao aquecimento global, lembra.
“A construção civil é uma das indústrias mais poluentes do mundo”, diz ele. “Percebi que eu deveria fazer parte da solução e não do problema.” Assim, nasceu a Binishell Inc.
Em comparação ao métodos tradicionais de construção, o sistema inventado por Dante e aprimorado por Nicolò usa 75% menos energia, reduz o impacto ambiental a um terço e produz uma quantidade infinitamente menor de resíduos, explica.
Tem mais. Uma "binishell" consome um terço do tempo e metade do preço, em relação a um prédio do mesmo tamanho. Uma “concha” de 510 metros quadrados pode ser erguida em apenas um dia. Dada sua praticidade e orçamento mais em conta, a tecnologia pode ser usada em moradias de baixo custo e abrigos, sugere o arquiteto.
“Meu pai precisava usar uma quantidade maior de vergalhões, além de molas para controlar a inflação, o que aumentava o custo e a pegada de carbono”, conta o filho.
“As melhorias na qualidade do concreto também nos permitem hoje usar menos cimento, o ingrediente mais intenso em carbono em um projeto.” O balão de hoje pode ser reutilizado entre 50 e 100 vezes.
Graças aos avanços das ferramentas emergentes, Nicolò tem mais liberdade para criar do que Dante. A ele é permitida uma variedade infinita de formas e sistemas orgânicos, como a casa de Downey Jr. “As binishells do meu pai só podiam ser uma cúpula hemisférica, com seção elíptica”, completa o arquiteto.
Como as "binishells" de Dante, aos poucos, as "binishells" de Nicolò ganham o mundo. Ele está construindo um resort em Portugal e tem projetos em andamento nos Estados Unidos e no Canadá. Um deles é sua própria casa, no deserto de Joshua Tree, a cerca de 180 quilômetros de Los Angeles.
Há conversas para levar a tecnologia para o México e trazê-las para o Brasil –o arquiteto, porém, não revela o nome dos possíveis parceiros.
Quando Dante patenteou sua criação, ninguém falava em biomimética, movimento em voga hoje em dia, de estudo dos “princípios criativos e estratégias da natureza” em busca de soluções para problemas atuais.
“Chame do que quiser, mas a beleza é que funciona”, defende Nicolò. As formas arredondadas e a aerodinâmica do projeto tornam a construção resistente a terremotos e furacões. Uma casa sem paredes internas estruturais? Não é possível. Downey Jr. e Susan também duvidaram, como mostra o The New York Times.
Nicolò desafia: segure um ovo de galinha pelas extremidades de seu comprimento. Aperte, tente quebrá-lo. A casca nem sequer racha. A 3ª lei de Newton explica, mas, em linhas gerais, acontece o seguinte: a força da pressão se distribui de maneira uniforme, preservando a integridade do invólucro.
Além disso, como a estrutura da "binishell" usa apenas ferro e concreto, os prédios tendem a sair preservados de incêndios, pelo menos a sua “casca”.
Em tempos de eventos climáticos extremos e escassez de recursos naturais, a inovação de Dante e Nicolò Bini acena com a promessa de um futuro com construções mais verdes, sólidas, rápidas e baratas.
E a quem reclama que não dá para pendurar quadros em um prédio de formas arredondadas, Nicolò rebate: é sempre possível construir, no interior, paredes retas. Mas, ele logo emenda: “Isso não é nada quando sua casa é ela própria uma escultura, uma obra de arte”.