Uma latinha com 30 gramas de caviar não sai por menos de R$ 500. Se for do tipo beluga, o mais caro de todos, o preço ultrapassa R$ 800 – e a quantidade é ínfima, pouco mais de duas colherinhas de chá.
Ainda assim, o produto que já foi moda em outros tempos e deu uma sumida, por ter virado símbolo de ostentação, anda mais em alta do que nunca. Os importadores estão rindo de orelha a orelha.
Filipe Augusto, sócio da Tuber, especializada em trufas italianas, introduziu o italiano Cru Caviar no portfólio em dezembro do ano passado. Começou devagar, trazendo apenas nove quilos, para sentir o terreno – o estoque se esgotou em poucos dias. De lá para cá, os lotes vêm aumentando gradativamente.
“A gente não esperava esse boom. No acumulado, já trouxemos 180 quilos, fora os 22 quilos que vão chegar antes do Natal”, Augusto conta ao NeoFeed.
Mais antigo no mercado, o italiano Enrico Soffi traz as latinhas de Caviar Giaveri para o Brasil desde 2014. Houve época em que ele chegou a fazer promoção para divulgar o produto. Hoje, importa 350 quilos anuais e aposta que as vendas vão continuar crescendo 20% ao ano.
“Até pouco tempo atrás, quase não se falava em caviar no Brasil, mas deixou de ser um alimento tabu e meio desconhecido”, diz Soffi.
O preço não parece assustar os fãs da iguaria. Em setembro, a Tuber promoveu uma série de seis jantares e um almoço em restaurantes paulistanos de alto padrão, cujos chefs foram desafiados a criar menus-degustação que levassem caviar de ponta a ponta, até nas sobremesas.
No Tangará Jean Georges, restaurante principal do hotel Palácio Tangará, Jefferson Rueda, da premiada A Casa do Porco, dividiu a cozinha com o chef executivo do hotel, Filipe Rizzato. A dupla elaborou um cardápio de oito tempos, que começou com caviar sobre tartar de porco e terminou com caviar no sorvete.
A sequência saiu a R$ 1.040 por pessoa, mais R$ 1.490 pela harmonização com champanhes – todos os 86 lugares foram vendidos.
No paulistano Tuju, o duas estrelas Michelin do chef Ivan Ralston, o menu foi oferecido apenas a um grupo restrito de 15 convidados. Na ocasião, Ralston usou os cinco tipos de caviar oferecidos pela Tuber. No dia a dia, porém, ele prefere ser mais comedido – adquire somente o do tipo beluga, que entra pontualmente em poucos pedidos.
O atual momento do ingrediente, que ele classifica como “explosão”, tem motivo, segundo ele. “Hoje, 99% do caviar consumido no mundo vem de fazendas de cultivo, o que barateou muito o produto, quando comparamos com o preço de uns 20 anos atrás”, afirma ao NeoFeed.
A cafonice do exagero
Só que tem gente exagerando, na opinião de Ralston: “Dependendo da forma como for usado, pode ficar cafona. Vejo pratos nos quais ele entra só para que o restaurante possa cobrar mais caro.”
Nos dois restaurantes do Palácio Tangará, um dos hotéis mais luxuosos de São Paulo, o caviar não sai do cardápio. O chef Filipe Rizzato calcula consumir cerca de um quilo por mês — o que é muito, considerando que cada prato leva de 3 a 5 gramas.
Um de seus hits é o brioche com gema confitada e ovas, uma entradinha que se come de uma única bocada e custa R$ 389, se for de caviar baerii, e R$ 483, se for do tipo ossetra.
Só podem ser consideradas caviar as ovas do esturjão, um gigante de água doce que só vivia no Hemisfério Norte e, por pouco, não foi extinto justamente por causa de suas desejadas ovas. Mas hoje, há fazendas de cultivo em diversos continentes — e a China, sempre ela, tornou-se um dos maiores produtores do mundo.
A Cru Caviar, fornecedora da Tuber, mantém cinco fazendas na Itália, que somam 8 hectares, onde os peixes são criados em tanques de água corrente e cristalina. Das 27 espécies de esturjão, o beluga é um dos mais raros e caros, porque o peixe leva 26 anos para chegar à maturidade.
Dependendo da safra, a iguaria chega a custar R$ 20 mil o quilo. No ranking do preço, o caviar ossetra, a R$ 17 mil o quilo, ocupa a segunda posição, seguido do baerii imperial e do transmontanus, ambos a R$ 12 mil o quilo.
Já o processo de produção é sempre o mesmo. As fêmeas são submetidas a exame de ultrassom, que estabelece o ponto ideal de colheita das ovas, e são dessensibilizadas com pistolas pneumáticas antes do abate, método que reduz o sofrimento e o estresse do animal.
As ovas são passadas por peneiras, que as selecionam por tamanho — quanto maiores, mais caras — e salgadas na proporção de 3,5%, técnica russa conhecida como malossol ("pouco sal").
O resultado é um caviar salgado sem excesso, que realça o sabor natural das ovas. Já fechado nas latinhas, o produto passa por pasteurização antes de embarcar para o Brasil via aérea, o tempo todo mantido a temperatura entre 2ºC e 4ºC — o que encarece ainda mais o preço final.
Licença poética
Ovas sempre foram usuais nos restaurantes de cozinha japonesa. Já o caviar é mais recente, como o chef Tsuyoshi Murakami explica ao NeoFeed: "É uma licença poética nossa, uma firulinha que faz parte do mercado de luxo. Nossa tradição sempre foi usar ovas de salmão e de outros peixes. Mas, mesmo no Japão, os restaurantes mais refinados já estão servindo caviar.”
Os dois menus-degustação que o chef serve na casa que leva seu nome, a R$ 980 e R$ 680, contêm itens que já vêm adornados com caviar, mas é possível pedir uma porção extra — dois gramas saem por R$ 90.
No carioca Oteque, do chef Alberto Landgraf, biestrelado pelo Michelin, o caviar beluga finaliza um pequeno corte de atum bluefin. Pelo menu de oito passos, o cliente desembolsa R$ 1.100. Já no Fasano paulistano, as ovas de esturjão podem coroar o espaguete ao creme de limão (R$ 667).
O ingrediente também anda em alta nas festas da alta sociedade — mas não mais em fartas porções sobre bandejas rodeadas de gelo, que já foram moda décadas atrás.
Responsável pelas recepções que acontecem no Palácio Tangará, Filipe Rizzato conta ao NeoFeed que o esbanjamento deu lugar a um serviço, por assim dizer, mais discreto.
“Já tivemos um casamento para 400 pessoas em que todos os convidados foram recepcionados, na escadaria do salão, com uma taça de champanhe e um blini [minipanqueca fofa, comum em coquetéis] com cinco gramas de caviar”, lembra ele. Fez as contas?