Sete anos após fechar o restaurante paulistano Epice, onde conquistou uma estrela Michelin, foi consagrado chef revelação e com o qual ficou em 26º na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina, o chef Alberto Landgraf conseguiu o feito inédito: colocar o Rio de Janeiro no ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo.

Alcançou a 47ª posição com o Oteque no prêmio 50 Best, da revista inglesa Restaurant. Na mesma edição, A Casa do Porco, do chef Jefferson Rueda, ficou em 7° lugar.

Os degraus galgados por Landgraf no período coroam, junto à segunda estrela Michelin obtida no fim de 2020, um trabalho autoral consistente à frente do Oteque. Destaque para o picles de sardinha com foie gras cru e brioche, que exige mais de 30 minutos só para garantir que não sobre qualquer espinha no peixe. “Faço só dez porções por dia porque é uma penitência”, brinca o chef.

Inaugurada em 2018 em parceria com um fundo de investimentos cujo nome por contrato "é confidencial", a casa localizada em um imóvel tombado no bairro de Botafogo tem cozinha totalmente aberta para o salão com apenas seis mesas.

São, em média, 30 clientes por noite (de terça a sábado) dispostos a pagar ainda no ato da reserva os R$ 690 do menu degustação de oito tempos. Conta que, não raro mais do que dobra – o tíquete médio é de R$ 1.600 – devido às harmonizações. “O restaurante foi todo pensado para vender vinho”, diz o chef, que chega a tirar 60% do faturamento da adega hoje avaliada em R$ 700 mil.

Nascido na pequena cidade paranaense de Cornélio Procópio há 42 anos e formado em gastronomia pela Westminster Kingsway College, em Londres, onde trabalhou nas cozinhas de Gordon Ramsay e Tom Aikens, Landgraf tem afinado seu lado empresário e se prepara para alçar novos voos.

O picles de sardinha com foie gras cru e brioche: 30 minutos só para garantir que não sobre qualquer espinha no peixe

Aguarda detalhes finais para divulgar oficialmente a abertura de seu primeiro restaurante no exterior, coincidentemente também em Londres, com investidores locais. E não fecha possibilidades de ir além. “Já tive umas 10 propostas de negócios fora. Por mim, nunca mais abro negócio no Brasil. As legislações são limitantes e a burocracia imensa”, pontua.

Com reservas até dezembro, ele divide o tempo entre divulgar seu trabalho pelo mundo – de onde tira lições para simplificar e sofisticar sua própria cozinha – e aperfeiçoar-se no papel de restaurater.

“Cuido do Oteque como o Elon Musk da Tesla”, conta ele, que acaba de ler a biografia de Robert "Bob" Iger, CEO da Disney, e tem como mentor o cliente de longa data Rodrigo Rocha, CGO (Chief Growth Officer) Global da United Healthcare.

De Calgary, em Alberta, no Canadá, onde foi cozinhar a quatro mãos com o premiado chef Darren Maclean (restaurante Shokunin), ele deu a seguinte entrevista para o NeoFeed:

O que as premiações recentes significam para você?
Ter duas estrelas Michelin e estar entre os 50 melhores restaurantes do mundo eram meus objetivos de vida. Daqui pra frente, o que vier é lucro. Teríamos potencial para conquistar a terceira estrela Michelin com a evolução que estamos tendo. Mas acho que não depende só disso. Essa estrela vai muito além do restaurante. (Em julho o Guia anunciou a suspensão temporária dos trabalhos no país).

"Ter duas estrelas Michelin e estar entre os 50 melhores restaurantes do mundo eram meus objetivos de vida. Daqui pra frente, o que vier é lucro" 

E como é estar entre os melhores do mundo?
Uma coisa é dizerem que você é o melhor, outra é acreditar nisso. Sei que o Oteque não está entre os 50 melhores do mundo. Conheço restaurantes no Japão que não estão nem entre os 100 melhores e onde eu não poderia nem lavar a louça. Mas sei também que todo prêmio diz mais sobre quem dá do que quem recebe. Têm caixas a serem preenchidas, patrocinadores, políticas.

O que podemos esperar no Oteque no futuro?
Eu busco evolução, não necessariamente mudança. Todo dia dá para fazer ao menos 1% melhor o que já fazemos. Não temos laboratório de pesquisa ou equipe suficiente para isso, mas, estou testando cacaus para fazer meu próprio chocolate do zero.

A cozinha aberta para o salão do Oteque

Apesar de ter nascido na era das redes sociais, o Oteque praticamente não se vale delas para divulgação. Por quê?
Hoje as pessoas não têm nem um tijolo levantado no restaurante, mas já têm página no Instagram. Mas não é isso que fará dar certo ou errado. Prefiro realocar o dinheiro que gastaria com mídias sociais para os funcionários que estão lá mantendo a qualidade. A casa já está cheia.

Sua carta de vinhos também já foi bastante premiada. A venda de bebidas responde por quanto do faturamento mensal?
Hoje, 40% vem do vinho e 60% da comida. Mas às vezes inverte porque se vendo três garrafas de Romanée Conti num mês já dá R$ 100 mil. Comecei com R$ 100 mil alocados para a adega, hoje já temos R$ 700 mil investidos em vinhos, todos comprados com o lucro reinvestido. Durante a pandemia, com a alta do dólar, segurei todos os vinhos enquanto muita gente liquidava para fazer caixa. Foi a melhor coisa. Acabei ganhando com o spread na retomada.

"Hoje, 40% vem do vinho e 60% da comida. Mas às vezes inverte porque se vendo três garrafas de Romanée Conti num mês já dá R$ 100 mil"

Qual a faixa de preço da carta?
O mais barato custa uns R$ 500 e o mais caro, cerca de R$ 35 mil. Não lembro quais são. Mas é importante dizer que o Oteque não foi um restaurante montado para vender comida, mas para vender vinho. Tudo ali foi pensado para isso, as mesas redondas para dar fluidez nas conversas, o enxoval de taças, a seleção de vinhos, ter duas sugestões de harmonizações, ótimos sommeliers. Prefiro o cara que não tem Instagram, mas vai lá e gasta em vinho do que o foodie que vai para comer um menu com dois copos de água.

E como foi esse período de pandemia para você?
Fiz o que pude e o que não pude para não perder nenhum dos 23 funcionários. Porque cozinha é como time de futebol, até entrosar todo mundo, você perde qualidade. E fechei sabendo que no dia que reabrisse precisava estar igual.

E como está sendo a retomada?
A demanda cresceu tanto que tive que colocar uma funcionária só para negar pedidos de reserva e captar esse cliente para outro momento. Hoje recuso mais clientes do que atendo. Já tenho datas fechadas para dezembro. Agora, o pagamento do menu degustação, mais a taxa de serviço, deve ser feito antecipadamente por PIX ou TED para confirmar a reserva. Isso ajudou a ter um fluxo de caixa imediato, economizar na taxa do cartão de crédito sobre cerca de 40% do faturamento e ainda jogou meu “no show”, que antes era de 20% para zero. Perco 20% de clientes que não aceitam esse modelo, mas pelo menos não fico com mesa vazia.

Voltar para São Paulo, ou estar também em São Paulo, está nos planos?
O que mais escuto é gente que diz que pegou o avião só para comer no Oteque. Então, não tem por que abrir lá. Um terço do meu público é carioca (o restante se divide entre estrangeiros e turistas de outros estados, na mesma proporção) e se tiver que ter uma preferência é por ele. É um público que me abraçou desde o início, que volta sempre e sente um orgulho muito grande do que tem. Eu tento retribuir. Fora que, nunca digo nunca, mas, por mim, nunca mais abro negócio no Brasil. As legislações são limitantes e a burocracia imensa.

Como estão as conversas para abrir em Londres?
Alguém se precipitou e levou uma bronca bem forte por ter divulgado isso. As negociações, não com o sócio, mas de aluguel e outros detalhes, ainda estão com alguns pormenores abertos, então prefiro não anunciar nada. Tem chef que já anunciou 15 restaurantes no exterior e até agora não abriu nenhum. Eu não sou assim. Quando anunciar é para ter mesmo. Mas, se tudo der absolutamente certo, abre na segunda semana de dezembro.

"Tem chef que já anunciou 15 restaurantes no exterior e até agora não abriu nenhum. Eu não sou assim. Quando anunciar é para ter mesmo. Mas, se tudo der certo, abre na segunda semana de dezembro"

E por que Londres? É um retorno às origens?
Já entrei em umas 10 negociações para ter restaurante fora, em Edimburgo (no hotel W), Tel Aviv (no Mandarin Oriental). Mas a pandemia deu uma pausa nesses projetos. O que está mais próximo de acontecer é esse de Londres. Hoje, para sair da minha zona de conforto tem que ser 100% nas minhas condições, com uma cozinha bem estruturada, bons equipamentos, as mesmas condições de trabalho e diversidade de funcionários que tenho no Oteque. Se não for para replicar a cultura que tenho hoje e me aborrecer é melhor ficar onde estou. Ganhar dinheiro é consequência.

Alta gastronomia dá lucro?
Coisas boas bem administradas dão lucro e coisas ruins, mal administradas, não dão lucro. Você tem que saber gerir, ser inovador, estar sempre evoluindo, nunca ficar parado e se enxergar como uma empresa. Não me enxergo como um restaurante, mas como uma Tesla ou uma Apple, empresas que admiro e tenho como referência. Uma empresa bem gerida, com bom produto, precificado da maneira correta, com o público-alvo bem definido e que trate bem os funcionários para não ter turnover e reduzir principalmente custo de treinamento, dá lucro, seja do que for.

"Não me enxergo como um restaurante, mas como uma Tesla ou uma Apple, empresas que admiro e tenho como referência"

Consegue se ver saindo da alta gastronomia no futuro?
Sim. Acho que tem um desgaste natural, um burnout, uma troca de gerações, uma série de fatores que me faz pensar em ficar nisso por mais uns 10 a 15 anos e depois virar o "Véio do Rio", indo morar num lugar mais calmo, na beira do rio, com meus cachorros. Mas é uma ideia como bolacha, feita para quebrar. Já tive sucesso em São Paulo, no Rio, eventualmente fora. Então, depois disso, tenho que considerar minha carreira realizada. Mas, ainda tenho muita coisa para fazer. No Oteque, tenho um pipeline grande de pratos e ideias na manga que por causa da pandemia ficaram parados.

Você estuda muito sobre gerenciamento?
Hoje divido meu tempo de aprendizado não só focado em comida e restaurante, mas em livros de gestão. Um dos últimos livros que li foi a autobiografia do Bob Iger, CEO que basicamente salvou a Disney da falência. Um dos meus grandes mentores é o Rodrigo Rocha, CGO Global da United Healthcare. É um cara que é cliente e me dá muita orientação sobre o mundo dos negócios. Tenho muitos amigos que são grandes empresários que acabo observando ou perguntando alguns pontos para me desenvolver. Você tem que pensar grande. Eu cuido do Oteque como o Elon Musk cuida da Tesla.

Seu discurso já é mais de empresário do que de chef...
Tive que aprender a ser empresário no meio do caminho. Os cinco anos do Epice foram meu MBA. Peguei tudo que eu fiz de errado lá, juntei com o que via outros chefs fazendo na comida e operacionalmente, e fui formatando o Oteque. Ali criei condições para entregar o que queria. Restaurante é um negócio de longo prazo por causa do tipo de investimento e dos altos valores. Só depois do terceiro ou quarto ano se analisa se deu certo ou não, apesar dele só ter uma chance de dar certo: quando abre. É besteira gastar uma fortuna em obra e não esperar um mês a mais para abrir só quando tudo estiver redondo. Depois não adianta ficar reinventando.