Houve uma época em que viajar de avião era chique. E, nessa época, a Pan Am reinava absoluta. Espaço de sobra, para os passageiros e a bagagem de mão. Serviço de bordo impecável, com pratos de porcelana, copos de cristal e talheres de metal. De caviar a gazpacho, de fricassé a boeuf bourguignon, de salada de frutas a torta de maçã verde, comida de verdade, servida por comissários alinhados, educados e poliglotas.
Na era de ouro da aviação civil, entre os anos 1950 e 1970, voar não era apenas a forma mais rápida de ir de um lugar para outro. Voar era um acontecimento, para o qual os viajantes se preparavam com pompa e circunstância. Pois bem, sem decolar desde 1991, quando foi decretada sua falência, a Pan Am, a companhia mais emblemática e inovadora daqueles tempos áureos, promete trazer o glamour de volta.
Craig Carter, CEO da Pan American World Airways LLC, agora uma empresa de licenciamento, dona da marca Pan Am, acaba de anunciar o itinerário Tracing the Transatlantic. Fruto de uma parceria com a operadora Criterion, a viagem está prevista durar 12 dias.
A ideia é refazer as rotas originais da Pan Am, pioneira em voos comerciais transatlânticos. Em 27 de junho de 2025, um Boeing 727-500 decolará de Nova York, com apenas 50 passageiros. Até retornar à cidade, em 9 de julho, terá passado pelas Bermudas, Lisboa, Marseille, Londres e Foynes, na Irlanda.
A bordo, os viajantes "desfrutarão de um cardápio continental e open bar", lê-se na apresentação da Tracing the Transatlantic. Em terra, a estadia será em hotéis de luxo, como o Savoy, na capital inglesa, o lisboeta Four Seasons Ritz e o Rosewood Bermuda.
O privilégio de voar com a Pan Am é, no entanto, para poucos. A “excursão” custa, por pessoa, US$ 59,95 mil (R$ 338 mil, aproximadamente), em acomodação dupla. E, US$ 65,5 mil (cerca de R$ 370 mil), em quarto individual.
“Relançar a Pan Am requer um equilíbrio cuidadoso entre honrar seu passado histórico e inovar para o futuro”, diz o CEO Carter, em comunicado. “Para que ressoe tanto com nossos fãs de longa data quanto com novos clientes.”
No comando da Pan American World Airways LLC, desde fevereiro, o executivo tem a missão de remodelar a marca — e, quem sabe, fazer a Pan Am voltar a voar de novo. Como ele vem anunciando, a Tracing the Transatlantic é o primeiro de “muitos voos temáticos exclusivos de volta ao setor de viagens de luxo.”
Cuba, sol e rum
Fundada em março de 1927, por Juan Trippe e Henry Arnold, oficiais do US Army Air Corps, a Pan Am nasceu como um serviço de correio aéreo entre Key West, na Flórida, e Havana, em Cuba. Em um ano, sob o comando do "visionário" Trippe, a empresa já operava as primeiras viagens de passageiros.
“Uma campanha publicitária copatrocinada pela Pan Am e Bacardi encorajou com sucesso os americanos a voar para longe da proibição do álcool nos Estados Unidos para beber rum ao sol em Cuba”, informa a plataforma Business Insider. Deu muito certo.
Sempre inovadora, não demorou muito para a companhia começar a cruzar os céus de todo o mundo. Só em 1970, por exemplo, transportou 11 milhões de pessoas para 86 países, em todos os continentes, exceto a Antártida.
A história da Pan Am é repleta de pioneirismos. A primeira a oferecer classe turística. A primeira a sobrevoar os dois polos do planeta. A primeira a operar aviões a jato — em 26 de outubro de 1958, um Boeing 707 foi de Nova York a Paris, em oito horas, sem escalas.
As viagens intercontinentais, aliás, eram um luxo.
Veja o grau de sofisticação: durante a década de 1950, o buffet dos voos transatlânticos, era preparado pelos chefs do tradicional restaurante Maxim's, um dos mais requintados de Paris.
A aviação comercial do modo como a conhecemos hoje foi criada e moldada pela companhia, definem os especialistas, em uníssono. A Boeing inventou o Jumbo, nos anos 1960, por exemplo, por insistência de Trippe, que participou ativamente do desenvolvimento da aeronave.
“A Pan Am foi um símbolo cultural do século 20, facilmente reconhecível por seu logotipo de globo azul”, lê-se no artigo The Story of Pan American World Airways: A Legacy Forever, publicado na plataforma Medium.
O começo do fim
A partir da metade da década de 1970, porém, uma sucessão de problemas, incluindo má administração dos sucessores de Trippe, começou a derrubar a companhia.
A crise do petróleo de 1973 obrigou a companhia vender algumas de suas linhas mais importantes, para honrar seus compromissos financeiros. Cinco anos depois, mais um golpe: a promulgação do Airline Deregulation Act, pelo então presidente Jimmy Carter.
Ao desregulamentar o transporte aéreo, para beneficiar os consumidores por meio da livre concorrência, a lei permitiu a entrada de novas empresas no mercado, em especial as low cost. A já combalida Pan Am foi então lançada em uma competição feroz por espaço, em um setor cada vez mais apinhado.
Os anos 1980 foram marcados por esforços de reestruturação financeira e rebranding. Mas aí veio o ataque terrorista de 1988. Em 12 de dezembro, quando o voo 103, de Londres a Nova York, sobrevoava a cidade de Lockerbie, na Irlanda, o avião explodiu — 270 pessoas, de 61 nacionalidades, morreram.
O atentado não só manchou a reputação da empresa, como colocou a companhia no centro de processos e multas milionárias. Aos poucos, ela foi vendendo seus ativos até declarar falência em 1991.
Em 4 de dezembro, quando o Boeing 727-200, o “Clipper Goodwill”, vindo de Barbados, no Caribe, pousou, em Miami, o último voo da empresa, a Pan Am era uma das cinco marcas mais conhecidas do planeta.
Barbie aeromoça
Sete anos depois, a companhia seria comprada pela holding ferroviária Guilford Transportation Industries, que mudou seu nome para Pan Am Systems e adotou o logotipo do globo azul.
Mesmo com o fim das operações, a marca se manteve relevante no zeitgeist. Os originais das famosas Pan Am bags, por exemplo, são disputadíssimos nas plataformas de moda vintage. Em 2014, a de John Lennon foi vendida em um leilão por £ 4,7 mil (R$ 34,2 mil, em valores atuais).
Na primeira viagem dos Beatles aos Estados Unidos, em 1964, a bordo, claro, de um avião da Pan Am, cada um deles ganhou a bolsa de presente.
Não havia celebridade nos anos 1960 e 1970 que não tivesse sido fotografada com um modelo a tiracolo.
Mais recentemente, entre 2011 e 2012, a ABC levou ao ar a minissérie Pan Am. Produzido pela Sony Pictures, o drama, ambientado em 1963, tinha como protagonistas as atrizes Margot Robbie, Christina Ricci, Karine Vanisse e Kelli Garner.
A história girava em torno do glamour das viagens aéreas — aeromoças desejadas como estrelas de cinema e pilotos tratados como heróis. Será que a Tracing the Transatlantic levará a Pan Am a uma nova era de ouro?