Com as críticas por manter em cartaz a exposição da coleção russa Morozov, depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, a Fundação Louis Vuitton, em Paris, informou em um comunicado divulgado em 10 de março “que em razão da situação internacional” não haverá qualquer outro evento de promoção ligado a essa mostra. Além disso, a entrada será gratuita às sextas-feiras à noite.
Foi uma forma de atenuar as tensões em um momento em que até restaurantes russos na França são boicotados e que alguns donos desses estabelecimentos tiveram de prestar queixas na delegacia por receberem ameaças de morte.
Prolongada até 3 de abril bem antes do início da guerra, a exposição Morozov já atraiu mais de um milhão de visitantes. É o grande acontecimento cultural na capital francesa desde setembro do ano passado, quando foi inaugurada: 200 telas consideradas obras-primas da arte moderna e impressionista, de pintores como Gauguin, Matisse, Renoir, Cézanne e Van Gogh, além de pintores russos, exibidos na primeira parte da mostra.
É a primeira vez que esta coleção – que antes pertencia a dois ricos irmãos mecenas,
Mikhail e Ivan Morozov, e foi nacionalizada por Vladimir Lenin em 1918 – deixa a Rússia.
Após o início da guerra na Ucrânia, as redes sociais foram invadidas por pedidos para que esta coleção, que hoje pertence sobretudo ao Museu Hermitage, em São Petersburgo e ao Museu de Belas Artes Pouchkine de Moscou, e a algumas fundações criadas por oligarcas russos (visados atualmente por sanções impostas pelas União Europeia), fosse confiscada pelo Estado francês como represália à guerra declarada pela Rússia.
Sugestões não faltaram sobre o que fazer com a eventual venda dessas telas milionárias: financiar a ajuda humanitária ou até mesmo comprar armas para a resistência ucraniana.
Isso não é possível porque a lei francesa impede o sequestro de obras de arte pertencentes a instituições públicas estrangeiras. E um decreto complementar, promulgado a cada empréstimo de importantes obras estrangeiras, reforça a impossibilidade do confisco.
A exibição da coleção Morozov em Paris só pôde ocorrer graças à relação próxima entre Bernard Arnault, CEO do grupo LVMH, número um mundial do luxo, e o presidente russo, Vladimir Putin, chamado hoje de ditador e de criminoso de guerra por autoridades europeias.
A Fundação Louis Vuitton já havia organizado, em 2016, uma outra exposição importante de um colecionador russo, Sergueï Chtchoukine, que atraiu centenas de milhares de visitantes. Naquela época, Arnault foi recebido no Kremlim por Putin, que o agradeceu por ter organizado a mostra Chtchoukine.
Um aperto de mão selou a relação privilegiada. Já o presidente francês, Emmanuel Macron, quando se reuniu com Putin em fevereiro, em Moscou, para tentar dissuadi-lo de atacar a Ucrânia, não teve direito nem a um toque de cotovelos e teve de sentar a seis metros de distância de Putin, teoricamente em razão da pandemia.
O dono de marcas como Louis Vuitton, Dior e Givenchy aproveitou esse encontro com Putin em 2016 para negociar a futura apresentação da coleção Morozov atualmente em cartaz, segundo o jornal Le Monde. Arnault voltou para Moscou em 2017, onde se apresentou em um concerto, com sua esposa Hélène e seu filho Frédéric também pianistas, acompanhados por nada menos do que a orquestra sinfônica de Moscou.
“A partir disso, uma tomada de posição contra a guerra realizada por Putin na Ucrânia parecia pouco provável no grupo de Bernard Arnault”, escreveu o Le Monde. A cobrança do público e da imprensa em relação à presença das marcas de luxo na Rússia após o início da guerra na Ucrânia contrastou com o silêncio de muitas marcas, em um momento em que ocorria a semana de moda de moda de Paris.
Há, claro, razões econômicas: mesmo que a Rússia não represente mais há algum tempo um eldorado para as grifes de luxo, totalizando menos de 2% do faturamento global de €64 bilhões do grupo LVMH (mesmo assim isso significa uma receita de mais de €1 bilhão), as famílias de oligarcas russos gastavam sem contar mundo afora, de Paris a Dubai. Isso, claro, antes que os operadores de cartões suspendessem suas operações na Rússia e que seus bancos saíssem do sistema Swift por conta das sanções.
A notícia de que a Itália teria inicialmente se oposto à retirada de bancos russos do sistema Swift de transações justamente para proteger suas marcas de luxo jogou os projetores da opinião pública europeia sobre esse setor. Com uma certa demora, gigantes do luxo francês decidiram fechar temporariamente suas lojas russas. O primeiro deles foi a Hermès, que possui apenas três butiques no país.
O grupo LVMH, com 124 lojas próprias, anunciou a suspensão de suas atividades na Rússia a partir de seis de março, informando que manterá o pagamento dos salários de seus 3,5 mil funcionários. Eles poderão ainda se beneficiar de um programa de apoio financeiro e psicológico, como também ocorre com os colaboradores da empresa na Ucrânia. Chanel, Cartier e o grupo Kering também interromperam suas atividades na Rússia.
Alguns chegaram a cogitar que se o grupo LVMH fechou suas lojas na Rússia, também deveria ter suspendido a exposição Morozov em Paris. Mas na avaliação da Fundação Louis Vuitton, isso teria penalizado sobretudo o público francês.
Segundo a assessoria do museu, não houve queda no número de visitantes após o início da guerra na Ucrânia. Antes do conflito, a mostra recebia de cinco a seis mil pessoas por dia, mas o número médio atual não foi informado. Na prática, contudo, há bem mais disponibilidade de ingressos agora do que antes da invasão.