Viver em um país tropical sempre significou manter a neve como algo excepcional. Mas isso mudou. O número de brasileiros em busca de destinos gelados está crescendo. Hoje, estima-se que cerca de 150 mil pessoas no País pratiquem esportes de inverno, como esqui e snowboard.
A "popularização" acabou criando um verdadeiro mercado de neve no Brasil, que impulsiona o turismo, mas também o varejo e até mesmo o setor de serviços. A mudança é evidente: as vitrines de moda que, nesta época do ano, exibiam apenas biquínis e shorts, agora são decoradas também com casacos de lã, jaquetas térmicas, calças impermeáveis e botas forradas.
Escolas para a prática de esportes de inverno em ambientes fechados, que utilizam neve artificial e/ou simuladores, também estão começando a proliferar. Na Faria Lima, coração financeiro de São Paulo , foi inaugurada a Born to Ski. Por R$ 350 a aula, os alunos aprendem ou aprimoram sua técnica para não se sentirem tão perdidos no frio.
O movimento no grupo francês Club Med ilustra perfeitamente a tendência. Em 2025, pela primeira vez, o Brasil assumiu a liderança no ranking de países que mais visitam os resorts da empresa, superando até mesmo a França. Com cerca de 25 mil turistas, a empresa registrou um faturamento de R$ 360 milhões — 55% a mais que em 2024. Para o próximo ano, a expectativa é de mais de 31 mil brasileiros.
"Essa demanda nos fez adaptar ao público brasileiro", afirma Janyck Daudet, CEO do Club Med na América Latina, em entrevista à NeoFeed. "Nossos 22 hotéis nos Alpes têm cerca de dez funcionários brasileiros." Em 2026, essa cota deverá aumentar para 75.
O Club Med chegou a incluir arroz e feijão em seus cardápios. E, como é muito frustrante ir a um destino de neve e não ter problemas com as baixas temperaturas, o grupo oferece aulas de esqui gratuitas.
"Tudo para que as famílias se sintam parte do lugar", afirma o executivo. Com essas mudanças, o número de brasileiros cresce a uma taxa anual de dois dígitos.
A Exposki também faz parte dessa expansão. Fundada por Adriana Boischio, a primeira edição do evento foi realizada em 2018, em São Paulo.
Na época, o único evento brasileiro dedicado ao setor de neve atraiu 18 fornecedores — estações de esqui, agências de viagens, marcas de equipamentos e vestuário, entre outros. Na edição de 2025, realizada em setembro, o número de expositores saltou para 60, com quase 700 visitantes.
"O progresso é evidente. Hoje, o Brasil é o principal mercado emissor de Aspen, nos Estados Unidos. Também somos o maior consumidor internacional de Courchevel, Val Thorens e Val d'Isère, na França", conta ela ao NeoFeed. "Só nos Alpes franceses, desde 2019, o público brasileiro cresceu 57%, sem contar o número de pessoas que viajam com passaportes europeus."
A SkiBrasil é uma dessas operadoras responsáveis por viabilizar viagens para os destinos frios, com foco em turistas de alto padrão. Pertencente ao Grupo TTW, a marca representa cerca de 20% do faturamento total da empresa.
"A viagem de esqui está se tornando mais popular no Brasil, à medida que é desmistificada. No entanto, a prática nunca se popularizará, na minha opinião", diz Eduardo Gaz, fundador do grupo, em conversa com o NeoFeed.
Uma viagem de uma semana custa, no mínimo, US$ 5 mil por pessoa. A esses valores, costuma-se somar o custo das roupas esportivas. Nas maiores marcas disponíveis no mercado brasileiro, como The North Face, Columbia e Patagônia, é praticamente impossível encontrar uma jaqueta de esqui por menos de R$ 2 mil. E, apesar do alto preço, essas peças vendem bem.
Na The North Face, houve um aumento de 40% nas vendas em 2024, impulsionado pela demanda por destinos de neve. Com esse avanço, o faturamento da empresa americana atingiu R$ 30 milhões.
Nesse mix de marcas já consolidadas no setor, somam-se outros concorrentes importantes no vestuário, como a Farm e a NV, ambas do grupo Azzas 2154. A marca carioca, conhecida por suas estampas, se globalizou há alguns anos e apostou em roupas de esqui com um toque brasileiro, coloridas e alegres, no final de 2022.
A NV, da empresária e influenciadora Nati Vozza, acaba de entrar nesse mercado com sua primeira coleção focada em esportes, chamada "Voyage Winter Scape". O desenvolvimento dessas peças foi um processo longo.
"Partimos de uma pesquisa de mercado aprofundada e de referências internacionais, observando como a moda esportiva de inverno se apresenta hoje nas principais capitais e destinos de neve, e como essas peças são usadas tanto na montanha quanto fora dela", afirma Vozza, em entrevista ao NeoFeed. "O resultado são peças tecnicamente funcionais, mas que nosso cliente usa no dia a dia, mantendo o DNA estético da NV e permitindo essa transição natural entre esporte, viagem e estilo de vida."
Segundo ela, a coleção é estratégica dentro do portfólio da NV e busca aumentar o valor médio das compras e fortalecer o posicionamento da marca em um novo território, resultados que já foram observados nos primeiros dias de vendas. "A coleção Ski tem potencial para se consolidar como um pilar recorrente dentro da NV", acrescenta.
A Shop2gether, plataforma de e-commerce de moda de luxo do grupo Icomm, que também detém a OQVestir, consolida todo esse movimento. Para este ano, a plataforma aumentou em 150% sua seleção focada no inverno europeu, com roupas que vão desde a prática do esqui até o momento pós-esqui.
"O inverno do hemisfério norte se consolidou como um dia de compras cada vez mais estratégico para a Shop2gether, pois está diretamente ligado ao comportamento de nossos clientes, que viajam com frequência, consomem moda global e buscam soluções completas para diferentes ocasiões", afirma Rafael Castello, CCO do Grupo Icomm, ao NeoFeed.
Para a Castello, existe um espaço significativo para expandir esse portfólio nos próximos anos, visto que cada vez mais marcas brasileiras estão investindo na categoria e acompanhando a consolidação desses destinos no calendário do consumidor brasileiro.
"Identificamos esse potencial a partir de 2022 e, desde então, começamos a investir de forma mais estruturada, fortalecendo a Shop2gether como uma plataforma que reúne curadoria, conteúdo e um portfólio relevante de marcas em um único ambiente", afirma.