Comovente, sem ser piegas, o documentário Super/Man — A História de Christopher Reeve, é, acima de tudo, um filme sobre o amor à vida. O relato de como o eterno Superman, galã de Hollywood, atlético, marido e pai amoroso, amigo querido, de uma hora de uma hora, perde tudo.
E, de como, apesar das imensas dificuldades impostas pelo acidente que o deixou tetraplégico, encontra forças para dar um novo significado à sua existência.
De 27 de maio de 1995, quando em uma competição de hipismo, Reeve caiu do cavalo e fraturou as duas primeiras vértebras cervicais, até sua morte, em 10 de outubro de 2004, aos 52 anos, foram quase nove anos e meio, preso à uma cadeira de rodas, sem mexer um músculo do pescoço para baixo e respirando a maior parte do tempo por aparelhos.
Mesmo assim, o ator transformou a tragédia em ação. Virou ativista e lutou até o fim pelos direitos das pessoas com paralisia. “Eu achei que tinha de fazer algo, não só por mim, mas por todos na mesma condição”, diz, no filme.
Obcecado pela cura, Reeve, com sua fundação, financiou procedimentos médicos inovadores. Defendeu mudanças nas normas dos seguros de saúde. Comprou briga, em 2001, com o então presidente George W. Bush, quando o governo americano proibiu as pesquisas com células-tronco embrionários.
Em 2013, graças às iniciativas do ator, foi aprovada a Lei de Assistência Acessível, que garante aos portadores de paralisia acesso a cuidados de alta qualidade, de modo a atender as necessidades individuais dos pacientes e permitir-lhes viver da maneira mais independente possível.
Dirigido por Ian Bonhôte e Peter Ettedgui, o longa foi construído a partir de uma extensa e minuciosa pesquisa sobre a vida de Reeve, antes e depois da tragédia.
O projeto contou com a participação ativa de seus três filhos — Matthew e Alexandra, do primeiro casamento, com a agente de modelos britânica Gae Exton, e o caçula William, da união com a atriz e cantora Dana Morosini, o grande amor da vida do ator, morta em 2006, vítima de um câncer de pulmão, aos 44 anos.
Apresentado de forma não linear, o longa inclui imagens de arquivo e filmes caseiros, inéditos do grande público. Traz ainda entrevistas com atrizes e atores de Hollywood que eram amigos e colegas de Reeve, como Meryl Streep, Susan Sarandon, Glenn Close e Whoopi Goldberg,
Como disseram várias vezes, Bonhôte e Ettedgui não queriam “mais um daqueles documentários bobos que colocam as celebridades em um pedestal”.
A vida de Reeve nunca foi fácil, mesmo com a fama. E Super/Man mostra as dificuldades.
Traz a juventude conturbada pelo divórcio dos pais e a complicada relação com o poeta Franklin Reeve (1928-2013), que cobrava do filho excelência acadêmica, atlética e artística — depois do acidente, os dois se reconciliaram. Revela ainda o casamento conturbado com Gae. E a queixa de Matthew sobre a ausência do ator durante a maior parte da infância do primogênito.
O filme tampouco esconde as crises de profunda tristeza de Reeve e Dana pelas perdas provocadas pela lesão na medula espinhal — conhecida no meio médico como “fratura do enforcado”.
“Você continua sendo você e eu te amo”
Formado pela Cornell University, em 1974, Reeve estudou artes dramáticas na Julliard School, onde conheceu Robin Williams (1951-2014), seu melhor amigo. Depois de alguns papéis na Broadway, no cinema e na televisão, veio 1977, o ano que marcaria a virada em suas pretensões como ator.
Vários artistas, mais famosos do que ele queriam ser o Superman. Mas o diretor Richard Donner (1930-2021) procurava alguém desconhecido. Reev fez o teste e ganhou o papel. Seu pai e alguns colegas condenaram a decisão: achavam aquele personagem menor, infantil.
A equipe do filme ficou impressionada com sua atuação tanto como Superman quanto como alter ego do super-herói, o tímido jornalista Clark Kent.
“Eu entendi que se eu me saísse bem nesse papel, minha vida mudaria”, conta ele, em entrevista da época. “John Hauseman [o lendário ator e produtor, professor na Julliard] me disse: ‘Senhor Reeve, é importante que o senhor seja um ator clássico sério, a menos, claro, que te ofereçam muito dinheiro para fazer outra coisa.”
Graças ao herói vindo do planeta Kripton, Reeve foi lançado ao estrelato. Viriam mais três filmes, nos nove anos seguintes, os dois últimos massacrados pela crítica. Depois do sucesso, o ator tentou se livrar do estigma de Superman. Em vão. Ele ficaria ternamente marcado pelo personagem de collant azul e capa vermelha.
Os filhos de Reeve são presenças constantes e importantes no documentário. Eles mostram generosidade e afeto pelo pai, apesar de expor suas falhas junto à família. Os três contam que tudo com o ator era sobre "atividade e ação" — nadar, andar de bicicleta, correr... Reeve sempre muito competitivo.
“Eu arruinei minha vida e a de todo mundo. Não vou poder mais esquiar, velejar, jogar bola com Will [à época do acidente, o caçula tinha apenas três anos]. Não vou mais poder fazer amor com Dana. Talvez seja melhor eu partir”, diz o ator, no documentário.
Mas uma frase da mulher o livrou dos pensamentos suicidas, como ele conta no filme: “Você continua sendo você e eu te amo”.
A consciência da "escuridão"
Reeve encontrou forças na família, nos amigos e na convivência com pacientes como ele. Williams foi fundamental. É ele quem arranca o primeiro riso do ator, ao entrar no quarto de hospital fingindo ser um proctologista russo.
Foi ideia do comediante levar o amigo, a bordo de sua van, à premiação do Oscar, de 1996. Lá, Reeve foi aplaudido de pé. Lá, sua vida sofreria (outra) reviravolta.
O ator percebeu o poder de sua influência e passou a usar a fama para mobilizar autoridades e cientistas na busca por tratamentos que devolvessem os movimentos a pacientes como ele. Com isso, as pessoas começaram a se unir em torno dele, inclusive políticos como o presidente Bill Clinton — essa parte de sua biografia era desconhecida até mesmo pelos fãs.
Em Super/Man, Meryl Streep diz acreditar que, se Reeve estivesse vivo, Williams não teria cometido suicídio, uma década depois da morte do amigo, aos 63 anos. Mas é como Susan Sarandon lembra: os dois tinham consciência da "escuridão". Um, a tetraplegia, e o outro, a depressão.
Com todas as limitações (e apesar delas), Reeve estreou na direção, com o filme In the Gloaming, de 1997. Sete anos depois, lançou The Brooke Ellison Story, sobre a vida da ativista americana, tetraplégica, ao ser atropelada na adolescência.
Perseverança e resiliência
Em 9 de outubro de 2004, poucas horas depois de acompanhar um jogo de hóquei de Will, o ator entrou em coma. Por causa de uma infecção, sofreu uma parada cardíaca no dia seguinte.
Super/Man é um filme pesado, porém necessário e inspirador. "Ver alguém que luta assim e mantem sua humanidade te dá uma grande esperança", declara Williams, em um vídeo, recuperado por Bonhôte e Ettedgui.
Depois de voar nas telas como o maior de todos os super-heróis ("mais rápido do que uma bala, um trem e um avião"), Reeve conseguiu driblar as adversidades que lhe foram impostas pela vida e deixar um legado de perseverança e resiliência.
Apesar de seu otimismo e força de vontade, o ator sabia que não viveria para usufruir de suas conquistas como ativista. Daí sua generosidade.
No documentário, ele fala sobre seu principal personagem, muito tempo antes do acidente: “Eu não sou aquele herói. Interpretei um papel. Não sou aquele homem”. Na vida real, sem mexer um músculo, Reeve foi muito mais do que apenas o Superman.