COURCHEVEL - Da gôndola do teleférico adesivada pela Gucci, o turista que está a caminho do Bagatelle, um dos mais disputados restaurantes em meio às montanhas alpinas, vê facilmente outros viajantes, vestindo trajes completos de marcas como Fendi, Chanel e Balenciaga, chegarem ao novo yurt da Louis Vuitton, uma pop-up store e café montada em meio às pistas de esqui.
Em Courchevel, na região da Savoie francesa, essa profusão de grandes marcas de luxo combinadas é prática cotidiana há muito tempo. Um dos principais resorts de inverno dos Alpes Franceses, o destino se estabeleceu nos últimos 20 anos justamente como uma espécie de meca gelada do savoir-vivre para gente do mundo inteiro.
Apesar de muito famosa também entre brasileiros (o Brasil há muitos anos está entre os cinco mercados que mais visitam o destino anualmente), ingleses e os próprios franceses, Courchevel sempre foi majoritariamente um grande playground para russos - até esta temporada.
De fevereiro para cá, com a tensão pré-guerra e então a consolidação da invasão da Ucrânia pela Rússia, o luxuoso resort alpino enfrentou uma debandada sem precedentes dos viajantes russos, com contínuos cancelamentos e encurtamentos de estadias, o que deu nova cara à segunda metade de sua temporada 2022 de esqui.
Sumiram as turistas vestindo peles verdadeiras enquanto faziam suas compras e circulavam pela Croisette, e até a bandeira russa, em geral hasteada com destaque no grande centro nevrálgico do resort, foi rebaixada pela administração turística local uma semana após o começo da guerra.
O rebaixamento da bandeira gerou imenso bafafá e, dizem os lojistas e hoteleiros locais, até mesmo telefonemas envolvendo diplomatas e políticos. Afinal, Courchevel deve boa parte do que é hoje no turismo internacional aos viajantes russos.
Propagandeada por muitos anos como um destino tranquilo para famílias francesas esquiarem, o resort viu as coisas mudarem após os Jogos Olímpicos de Inverno de 1992. Courchevel foi então colocada no mapa de viajantes internacionais e caiu nas graças do oligarca Roman Abramovich, que acabou atraindo para lá outros bilionários russos.
Sua verdadeira metamorfose de vilarejo familiar de inverno em um dos principais polos de luxo no inverno alpino só foi possível graças a mais de 25 anos de contínuas visitas de oligarcas russos - ora acompanhados de suas famílias, ora acompanhados por garotas de programa, mas sempre em estadias multimilionárias em chalés frequentemente alugados por até 300 mil euros por semana.
Na última década, os turistas russos se tornaram tão numerosos por ali que o destino foi apelidado por muitos de "Courchevelsky". Ficaram famosos também pelas polpudas gorjetas distribuídas (que seguem a lógica do fretamento de iates, chegando fácil a 20% do valor do serviço) e por viajarem em grandes grupos de amigos ou familiares que reservavam um instrutor privado de esqui para cada pessoa (e muitos dias sequer utilizavam seus serviços).
Uma temporada atípica, mas repleta de brasileiros
Nesta temporada 2022, taxistas, instrutores de esqui e vendedores de lojas são unânimes: a maioria dos russos (mesmo tendo em geral dupla nacionalidade, viajando em jatos privados e sendo radicados na Suíça, no Reino Unido ou Mônaco, por exemplo) sumiram de Courchevel. Para alguns hotéis, isso representou uma diminuição de até 90% no volume usual desse público.
Sem eles, os gastos gerais com alimentação, bebidas e consumo de luxo no destino diminuíram consideravelmente. O escritório de turismo de Courchevel não quis se pronunciar sobre os efeitos da debandada dos turistas russos nesta temporada, mas o prefeito Jean-Yves Pachot chegou a definir a situação à imprensa como "difícil".
Os turistas internacionais (principalmente franceses, ingleses, brasileiros e viajantes dos Emirados Árabes) se encarregaram de manter altas as taxas de ocupação dos hotéis e restaurantes - mas definitivamente não gastam tanto no resort quanto os russos.
O Brasil, geralmente uma das cinco nações que mais visitam o destino nos meses de inverno, foi alçado em 2022 à terceira posição, perdendo em números apenas para França e Reino Unido.
Até o começo de março, mais de 70 mil viajantes com passaportes brasileiros já tinham se hospedado em hotéis e chalés de Courchevel nesta temporada (vale lembrar que muitos brasileiros com dupla nacionalidade viajam com passaportes europeus e não entram nesses números).
Epítome do turismo de luxo alpino
Courchevel tem hoje oito restaurantes estrelados no Michelin, boutiques de todas as grandes grifes internacionais de moda de luxo, joalherias e até lojas que ainda vendem peças de pele verdadeiras - uma heresia, é verdade.
Tornou-se um destino famoso também pelas muitas galerias, instalações de arte espalhadas pela cidade e até pelas montanhas e pistas de esqui (as imensas esculturas de Julien Marinetti e Richard Orlinski já viraram ícones de Courchevel) e, é claro, pelas muitas festas e après-ski cotidianos - inclusive em plena montanha e à base de música eletrônica contínua, como o badalado e sempre lotado La Folie Douce.
Hotéis de luxo como o Les Airelles, que mais parece um castelo russo e cujo house car é um Rolls Royce à disposição dos hóspedes, têm suítes que podem custar fácil 15 mil euros a noite. O icônico L'Apogée Courchevel, membro da Oetker Collection, confirma uma ótima performance nesta temporada, mesmo diante dos muitos cancelamentos de turistas russos e ucranianos.
Mesmo sem os russos (mas na expectativa de que eles voltem em peso na próxima temporada!), a hotelaria local teve bom desempenho em geral e o destino acaba de ganhar mais uma luxuosa propriedade neste inverno, o Ultima Courchevel Belvedere, parte da Ultima Collection, que possui hotel, vilas e residências privadas na França, Suíça e Grécia.
São apenas 13 chalés privativos com quatro ou cinco suítes cada, cozinha equipada, living, varandas e elevador. Os brasileiros estão entre os três principais públicos desta temporada na propriedade ski in/ski out que oferece mordomo, traslados, chef privativo à disposição para o jantar e café da manhã à la carte servido diariamente no seu próprio chalé; tudo incluído nas diárias de cerca de 8 mil euros. Além de ski store, spa, piscina coberta e ao ar livre, hammam, jacuzzi e sauna - porque em Courchevel mimo pouco é sempre bobagem.
Resort de inverno criado "no meio do nada"
Courchevel fica localizada no coração da maior área esquiável do mundo, a Les Trois Vallées, que soma mais de 600 quilômetros de pistas. E vive basicamente do turismo de inverno, tanto que a maioria dos seus hotéis fecha de meados de abril ao final de novembro.
Courchevel foi o primeiro resort de esqui da França a ser construído literalmente no meio do nada. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o governo francês resolveu aproveitar as belezas naturais da região da Savoie (Auvergne-Rhône-Alpes, cuja capital é Lyon) para desenvolver o turismo local, criando mais um destino de inverno alpino.
São cinco vilarejos na encosta norte da montanha La Saulire (2700 metros de altitude) compondo a totalidade de Courchevel, que tem pouco mais de dois mil habitantes: Saint-Bon-Tarentaise (1100m), Le Praz (1300m), Courchevel Village (1500m), Courchevel Moriond ou Courchevel 1650 (1650m) e Courchevel 1850 (1850m). Quanto mais subimos suas montanhas, mais luxuoso (e caro) tudo se torna. E a maioria dos turistas acaba circulando apenas entre as duas altitudes maiores, é claro.
Courchevel 1850, a parte mais alta, sempre foi a epítome do turismo de luxo internacional, concentrando os mais luxuosos hotéis, lojas e restaurantes. Dos 23 hotéis palácio franceses, três ficam em Courchevel, a única estação de esqui do país a contar com hotéis com tal distinção.
Tem também seis construções listadas como monumentos históricos nacionais e sua ESF é a maior escola de esqui de toda a Europa, com mais de 500 instrutores apenas em Courchevel 1850 (com muitos falando português fluente para atender a assídua clientela brasileira).