Moda e tecnologia sempre foram sinônimo de inovação. Ao longo da história, porém, ambas caminharam por estradas geralmente distintas — a moda, como expressão simbólica, e a tecnologia, como funcionalidade. Nos últimos anos, entretanto, a fronteira entre os dois universos começou a diluir e o que era projeção futurista se transformou em realidade cotidiana.
Graças aos avanços tecnológicos, o tamanho dos chips e o gasto de energia reduziram, permitindo designs mais compactos e elegantes. Com isso, as roupas e acessórios inteligentes passaram a se integrar, em ritmo acelerado, ao estilo de vida contemporâneo. Bem-vindos à era fashionware.
Uma prova incontestável desse movimento é o destaque dado aos chamados wearables no último relatório da consultoria McKinsey com as tendências da indústria da moda para o próximo ano — um peso jamais visto nos levantamentos anteriores.
Em The State of Fashion 2026, os dispositivos vestíveis aparecem como a categoria de acessórios que mais se expande. Embora ainda em volume menor em comparação com outros produtos do mesmo segmento, as pulseiras, relógios, anéis e óculos ultratecnológicos vêm em alta anual de 8,3% desde 2022. E, daqui para 2028, devem evoluir a uma taxa de 9% por ano.
Globalmente, os acessórios inteligentes devem fechar 2025 movimentando US$ 42 bilhões, o equivalente a 230 milhões de unidades comercializadas. A expectativa é que, em três anos, eles atinjam 58% do total de vendas.
Na análise da McKinsey, 2026 será o ano de ruptura para o mercado de wearables. E, à frente dessa pequena revolução, estão os óculos com inteligência artificial multimodal. “Apesar de vários começos em falso na última década”, lê-se no relatório, “os óculos inteligentes estão finalmente ganhando força”.
Nas contas dos analistas, as vendas devem quadruplicar em 2026, sustentadas por preços médios mais baixos. Hoje, eles custam entre US$ 300 e US$ 400 — cerca de um terço do valor original do pioneiro Google Glass em 2014.
O sucesso da parceria firmada em 2021 entre a gigante ítalo-francesa EssilorLuxottica e a Meta serve de paradigma para a nova fase. Com áudio, captura de imagem e IA integrados à armação, a segunda geração do Ray-Ban Meta vendeu 2 milhões de pares desde seu lançamento dois anos atrás — a quantidade surpreendeu as duas empresas.
No terceiro trimestre do ano passado, segundo a EssilorLuxottica, os óculos Ray-Ban Meta foram o produto mais vendido em 60% das lojas da marca na Europa, Ásia e África.
As peças estão fazendo tanto sucesso que as companhias já anunciaram uma extensão de longo prazo da colaboração. Até o final de 2026, a EssilorLuxottica pretende quintuplicar a capacidade de produção para 10 milhões de unidades anuais. E, mais recentemente, a empresa de Mark Zuckerberg adquiriu uma participação minoritária da EssilorLuxottica por US$ 3,5 bilhões.
Apresentado em setembro, o novo modelo, batizado Ray-Ban Display, também vem causando frisson. Equipados com bateria de carregamento rápido e oito horas ininterruptas de uso, tela na lente, captura de imagem, tradução em tempo real, modo “foco em conversação” e pulseira para controle por gestos, os óculos custam cerca de US$ 800 — e pesam, no máximo, 70 gramas.
“E isso é apenas o começo”, tem alardeado Rocco Basilico, responsável pela área de wearables da EssilorLuxottica.
Estão todos em busca de um óculo inteligente para chamar de seu. O Google, por exemplo, está trabalhando com a grife de luxo Kering e com a marca americana Warby Parker e promete lançar seu primeiro produto em 2026. A Apple espera fazer o mesmo no ano seguinte.
Entre as chinesas, Alibaba e Xaomi já estão com suas peças no mercado.
Apesar da promessa, as versões fashionware não dominam nem 10% do mercado geral de óculos. Diferente dos smartwatches, responsáveis por 35% a 40% do volume das vendas globais de relógios — em 2016, respondiam por cerca de 15%.
O crescimento atraiu também o interesse do setor de luxo. Marcas tradicionais — Tag Heuer, Tissot, Louis Vuitton — passaram a disputar espaço nesse mercado, combinando design refinado com funcionalidades avançadas.
Os anéis inteligentes também vêm conquistando seu espaço. Ou melhor, a finlandesa Oura vem se consolidando como a grande marca do segmento, dona de 80% do setor em 2023. Fundada em 2013, a startup promete a medição de vários parâmetros de saúde — respiração durante o sono, glicose, frequência cardíaca e oxigenação do sangue, entre outros.
Desde então, a empresa já captou cerca de US$ 1,5 bilhão em investimentos. Dos cerca de 5,5 milhões de anéis comercializados nos últimos doze anos, mais da metade foi vendida apenas entre 2024 e 2025.
A grande decepção dos wearables são as pulseiras. Em 2016, elas dominavam 40% do mercado de vestíveis. Hoje, não chegam a 10%.
O declínio se explica por uma combinação de fatores, mas sobretudo pelas limitações de funcionalidades quando comparadas aos relógios inteligentes, que passaram a oferecer telas maiores, melhor integração com o smartphone e recursos de saúde mais completos.
Há ainda a questão do design. No mundo da moda, estilo é fundamental. The State of Fashion 2026 é taxativo: embora a tecnologia seja determinante para a adoção dos wearables, o estilo ainda manda.
Entre os compradores de óculos inteligentes, por exemplo, um terço escolhe o produto principalmente por seu desenho — proporção um pouco maior do que entre os usuários de relógios.
Na confluência entre chips e passarelas, a fronteira que separava funcionalidade e expressão estética se dissolve — e, com ela, a própria noção de acessório.
Confirmadas as projeções dos analistas, os relógios, óculos e anéis inteligentes serão menos gadgets de aficionados por tecnologia e mais símbolos das aspirações de seus donos. O que está em jogo é a reconfiguração da moda na era dos dados.