Katie Holmes é mais uma cartada da Arábia Saudita para cumprir a promessa do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman de colocar o país rumo à modernidade - além de ajudar a aumentar sua popularidade e limpar a imagem do país do Oriente Médio. Sempre associada ao glamour de Hollywood, a atriz será a mentora de um programa para a formação de cineastas mulheres do reino ultraconservador.

No recém-encerrado 76º Festival de Cannes, um evento coberto por mais de 4 mil representantes da mídia mundial, Katie desfilou como uma espécie de embaixadora para o cinema saudita. A aproximação entre a produção de filmes local e a do Ocidente faz parte da estratégia de suavizar internacionalmente a imagem do país, um dos mais fechados do mundo.

Tudo foi pensado a partir do Visão 2030, o plano do príncipe para diminuir a dependência do petróleo, setor que tornou o país uma potência mundial. E a diversificação da economia, com investimentos em entretenimento, turismo e esporte (como a contratação de Cristiano Ronaldo para o Al-Nassr e recentemente de Karim Benzema para o rival Al-Ittihad, um movimento que tem sido chamado mundialmente de "sportswashing"), passa inevitavelmente por uma abertura, com reformas sociais que beneficiam sobretudo a ala feminina.

“Terei a oportunidade de trabalhar com mulheres sauditas. Vou ajudá-las a criar os seus projetos, vou vê-los frutificar e, de preferência, assessorar para que eles entrem nos festivais de cinema”, contou Holmes, de 44 anos, em evento de teve cobertura do NeoFeed, no hotel Majestic de Cannes.

Ela foi uma das convidadas do programa Women in Motion, lançado em parceria com o festival francês em 2015, com patrocínio da Kering, a holding especializada em artigos de luxo e proprietária das marcas Gucci, Balenciaga, Yves Saint Laurent e outras. A proposta da iniciativa é celebrar o talento das mulheres no cinema.

“Estou animada para ouvir a história dessas mulheres e descobrir o que elas querem expressar”, disse Holmes, que é atriz, roteirista, produtora e diretora. “Aprendo muito conhecendo mulheres de todas as partes do mundo. Com as sauditas, será ainda mais gratificante por isso representar novas oportunidades, por fazer parte de uma abertura maior.”

Desde a implantação do Visão 2030, em 2016, a população feminina já pode dirigir e viajar (neste caso, sem a permissão do homem da família). E com a volta dos cinemas, reabertos em 2018, após 35 anos de proibição, já cresce o número de mulheres interessadas em atuar atrás das câmeras.

Antes do Visão 2030, a primeira mulher do país a virar diretora foi Haifaa al-Mansour. Hoje com 48 anos, ela só realizou o sonho por ter pais mais liberais que a deixaram fazer curso de cinema na Austrália. Foi o que permitiu que ela construísse uma carreira fora de casa, com filmes como “O Sonho de Wadjda” (2012) e “A Candidata Perfeita” (2019).

“Será inspirador para mim ouvir as ideias das mulheres sauditas, já que 70% da população tem menos de 30 anos”, comentou Holmes, que será a orientadora de três diretoras. Criado para capacitar as futuras gerações de cineastas, artistas plásticos e profissionais de moda da Arábia Saudita, o programa é uma iniciativa da Film AlUla, a agência saudita de cinema.

Outra meta da AlUla é atrair produções internacionais para o país, que investe em infraestrutura cinematográfica, o que inclui a construção de um estúdio de cerca de 30 mil metros quadrados. O filme “Missão de Sobrevivência”, estrelado por Gerard Butler e com estreia agendada no Brasil em julho, foi a primeira produção de Hollywood rodada inteiramente na Arábia Saudita.

Ao justificar a escolha de Holmes, Charlene Deleon-Jones, a diretora executiva do Film AlUla, disse em Cannes que pesou o fato de a atriz ser diretora e produtora também. Ela ainda destacou que Holmes tem habilidades diferentes e que era importante para a AlUla ter alguém estabelecido, que tivesse amplo conhecimento do setor.

Holmes ficou mais conhecida no cinema e na televisão pelas heroínas românticas que interpretou. A começar pela orfã Joey Potter da série adolescente “Dawson’s Creek” (1998-2003), que a projetou mundialmente.

Embora a atriz traga no currículo filmes de expressão, como “Tempestade de Gelo’’ (1997), de Ang Lee, “Garotos Incríveis’’ (2000), de Curtis Hanson, e “Batman Begins’’ (2005), de Christopher Nolan, a sua carreira em Hollywood não seguiu o rumo que prometia.

A partir da associação com Tom Cruise, ela passou a ser mais notícia pelo casamento com o astro, em 2006, pelo nascimento da filha Suri, em 2006, pela pressão exercida pela Cientologia em sua vida e, finalmente, pelo divórcio, em 2012. E desde o fim da união com Cruise, a atriz tem trabalhado mais, mas ainda não emplacou um sucesso.

Na tentativa de revitalizar a sua carreira, Holmes partiu para o teatro, atuando também nos palcos da Broadway, e começou a dirigir. Seu primeiro longa-metragem foi “Tudo o que Tínhamos” (2016), em que vive a protagonista, uma mãe sem recursos que cuida sozinha de filha adolescente.

Seu último filme como diretora, roteirista e atriz é “Rare Objects”, lançado em abril nos EUA (com boas críticas), mas ainda sem data para chegar ao Brasil. Aqui ela interpreta uma herdeira que passa temporada em hospital psiquiátrico.

“Na época em que comecei nesse negócio (nos anos 90), quase não existiam mulheres cineastas”, comentou ela, lembrando um raro exemplo que marcou a sua adolescência. O de Jodie Foster, ainda mais por se tratar de atriz que virou diretora. “Eu tinha 13 anos quando ela rodou ‘Mentes que Brilham’ (1991). Até então eu nunca tinha ouvido falar de mulher atrás da câmera”, disse Holmes, que espera inspirar jovens sauditas a seguirem os mesmos passos.