“Em 20 anos de Armani Privé, esta é a primeira vez que não vou a Paris.”
Em julho, por causa de uma bronquite, Giorgio Armani foi aconselhado por seu médico a não viajar. O estilista então enviou um e-mail a alguns dos envolvidos na apresentação da coleção de alta-costura da grife italiana.
“Mesmo não estando em Paris, supervisionei todos os aspectos do desfile remotamente por videoconferência, desde os ajustes até a sequência e a maquiagem. Tudo o que vocês verão foi feito sob minha direção e tem a minha aprovação”, escreveu o estilista. “Se cheguei até aqui, é graças ao foco férreo e à atenção obsessiva com que administro tudo. E isso não mudou.”
Por cinquenta anos, o senhor Armani, como era chamado, teve o controle absoluto de sua marca. Ao morrer nesta quarta-feira, 4 de setembro, aos 91 anos, em Milão, o designer e empresário deixa um legado não só na moda, mas também nos negócios.
Como um dos últimos estilistas independentes da indústria, ele construiu um império para muito além das roupas. Marcou seu nome em perfumes, cosméticos, hotéis, restaurantes, chocolates, móveis, utensílios domésticos e até em arranjos florais, com a Armani Fiori — um conglomerado de € 2,3 bilhões de faturamento em 2024.
A moda, costumava dizer, é um estilo de vida.
“Mais do que qualquer outro designer, o senhor Armani (...) mudou não apenas a maneira como homens e mulheres se vestiam, mas também como comiam, viajavam e decoravam suas casas, remodelando a indústria da moda no processo”, lê-se na apresentação da entrevista do estilista para o jornal inglês Financial Times, publicada uma semana antes de sua morte.
Segundo dos três filhos do contador Ugo e Maria, Armani nasceu em Piacenza, ao sul de Milão. Depois de cursar dois anos de medicina, em 1957, mudou-se para Roma. Lá, entrou para o mundo da moda como vitrinista da loja de departamentos de luxo Rinascente. Em pouco tempo, trabalhava como designer masculino para Nino Cerruti, um dos nomes mais influentes da alta-costura na época.
Com um capital inicial de US$ 10 mil, em 1975, ele fundou sua própria empresa, ao lado do arquiteto Sergio Galeotti. Sua primeira coleção era para os homens. Ternos, dizia, deveriam ser tão confortáveis de usar como jeans e camiseta — aliás, seu “uniforme”. E, assim, ele desconstruiu a veste, em oposição às peças hiperestruturadas da época, revolucionando o modo como os homens se vestiriam a partir de então.
Ao desenhar para as mulheres, Armani levou muitos dos códigos do guarda-roupa masculino. Com uma alfaiataria impecável, vestiu-as com ternos — “criando roupas impactantes e confiantes que ajudariam a impulsionar a revolução da mulher trabalhadora na década de 1980”, analisa a reportagem do Financial Times.
Com peças bem cortadas, em cores neutras, o senhor Armani criou um estilo à prova de modismos. Ainda que, mais recentemente, tenha pincelado algumas peças com cores mais vibrantes, ele nunca abandonou sua identidade criativa. Manteve-se fiel à sofisticação sóbria. Frequentemente, o estilista dizia que jamais se adaptaria às novas tendências, mais chamativas — ele praticava o quiet luxury muito tempo antes de o termo entrar para o dicionário dos fashionistas.
"Embora minha mentalidade esteja muito distante da volatilidade ocasionalmente frenética da moda, não gosto particularmente da ideia de ser rotulado como antimoda”, afirmou ao jornal inglês. “Em vez disso, minha postura é de que o estilo prevalece sobre tendências passageiras que mudam sem motivo."
Como ele já definira, seu mundo era o da "sofisticação natural, onde tudo encontra um equilíbrio que, embora sussurrado, é rico em personalidade”.
Armani foi pioneiro ao captar a sinergia entre a moda e o cinema. Em 1983, foi o primeiro estilista a inaugurar um ateliê em Los Angeles com o propósito único de vestir as estrelas e astros de Hollywood para o tapete vermelho — movimento que outras grifes fariam depois de comprovado o sucesso do italiano.
Depois de vestir Richard Gere para o filme Gigolô americano, em 1980, o estilista assinou o figurino de duas centenas de filmes, como Os intocáveis, de Brian De Palma; e Os bons companheiros e O lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. Aliás, é de Scorsese um documentário curta-metragem sobre os processos criativos de Armani.
Nos últimos anos, as sugestões para que Armani se aposentasse se tornaram muito frequentes. Não surtiam efeito as recomendações para que ele tirasse um tempo para aproveitar sua casa de verão na ilha siciliana de Pantelleria e os passeios no Mediterrâneo a bordo do iate Maìn — desenhado pelo estilista e batizado com o apelido de sua mãe.
"Não sei se usaria a palavra workaholic, mas o trabalho duro é certamente essencial para o sucesso", afirmou em sua última entrevista. "Meu único arrependimento na vida foi passar muitas horas trabalhando e pouco tempo com amigos e familiares.” Um dos homens mais ricos da Itália, sua fortuna está avaliada em € 12 bilhões.
Ao morrer, Armani estava preparando o desfile de comemoração dos 50 anos da marca. A apresentação da coleção feminina primavera/verão 2026 está prevista para encerrar a Semana de Moda de Milão.
Pela primeira vez, o charmoso Palazzo Brera abrirá seu pátio de honra para um evento de moda. Agora transformado em homenagem póstuma.
O sucessor de Armani ainda não foi anunciado. Em 2023, a agência de notícias Reuters descobriu que a sucessão já estava sendo preparada para incluir sua irmã Rosanna e três sobrinhos — Silvana, Roberta e Andrea Camerana, que já trabalham no grupo. O comando criativo da grife deve ficar a cargo de Leo Dell’Orco, diretor da linha masculina da Armani e braço direito do empresário desde 1977.
Como contou recentemente, ele gostaria que a transição fosse orgânica e “não um momento de ruptura”. Espera-se que assim seja. Não será fácil. Na entrevista da semana passada, Armani reconheceu que sua maior fraqueza era estar no controle de tudo.
É como diz a nota de pesar do grupo,: ele foi o “criador fundador e incansável força motriz” não de uma companhia de moda, mas de um estilo de vida.