Há sete anos, a reportagem do NeoFeed esteve na première do filme de despedida do ator Robert Redford, no TIFF, o Festival de Cinema de Toronto. “Passei a maior parte da minha vida representando. Atuo desde os 21 anos”, contou ele, um pouco emocionado, no palco do Elgin Theatre, após a exibição de seu longa-metragem derradeiro, Um Ladrão Com Estilo (2018).
Na época, com 82 anos, Redford ainda tinha uma forte presença em cena e conservava o charme e os fartos cabelos loiros que o projetaram. Apesar de o ator já dar sinais de cansaço (sobretudo ao andar, mancando um pouco), pessoalmente era impossível desassociá-lo do ideal masculino que ele sempre personificou no cinema — a imagem de um homem bonito, bem-sucedido, inteligente, forte e viril.
“Para que falar do fim das coisas?”, perguntou, como quem não queria se estender sobre o adeus profissional. Possivelmente para não deixar a voz ainda mais embargada diante da plateia de 1,5 mil pessoas, que lotava o teatro canadense de dois andares, um remanescente da era do vaudeville, e aplaudiu o astro de pé, ao final da sessão.
Morto aos 89 anos, na última terça-feira, 16 de setembro, enquanto dormia em casa, nas montanhas de Utah, Redford se aposentou porque simplesmente se cansou de atuar.
Com a idade mais avançada, ele admitia ficar “impaciente” no set, durante os longos intervalos que os atores enfrentam, entre uma tomada e outra, à espera dos ajustes de câmera, de iluminação e de outras questões técnicas.
Não foi por acaso que o ator escolheu sair de cena com Um Ladrão Com Estilo, encarnando um assaltante de banco como último personagem. Depois disso, Redford fez apenas participações especiais, como na superprodução Vingadores: Ultimato (2019) ou em um episódio da série Dark Winds (2022-2025).
Impossível não ver Um Ladrão Com Estilo como uma referência afetiva a Sundance Kid, o bandido charmoso que fez de Redford um astro, aos 33 anos. Era como se o ator quisesse fechar a filmografia homenageando o assaltante que o consagrou em Butch Cassidy e Sundance Kid (1969), título que revolucionou o faroeste, ao humanizar os bandidos e trazer mais humor, drama e momentos musicais ao gênero.
Ao lado de Butch Cassidy, vivido por Paul Newman, Sundance Kid fez o público torcer pelo fora da lei (até porque ele era, no fundo, boa gente). O mesmo se pode dizer do seu personagem Forrest Tucker, de Um Ladrão Com Estilo, um assaltante descrito por suas vítimas como um “cavalheiro”. Ele até podia flertar com a caixa do banco na hora do roubo.
Foi um adeus perfeito para quem, mesmo na faixa dos 80 anos, queria se despedir das artes dramáticas enquanto ainda dominava a profissão. E ele a encerrou interpretando um protagonista, uma missão nem sempre fácil para um ator nessa faixa etária, sem a mesma vitalidade de antes.
A trajetória de Redford nas telas cobriu seis décadas, com filmes que marcaram Hollywood como sucessos de público e, ao mesmo tempo, de crítica. Seu talento foi eternizado em clássicos como Nosso Amor de Ontem (1973), Golpe de Mestre (1973), Todos os Homens do Presidente (1976), Um Homem Fora de Série (1984) e Entre Dois Amores (1985), entre tantos outros.
Muitas vezes, Redford, que era democrata e defendia o meio ambiente, fazia questão de conciliar as suas convicções políticas com as suas escolhas profissionais, o que só aumentou o respeito que a comunidade de cinema tinha por ele. Todos os Homens do Presidente, por exemplo, sobre o escândalo de Watergate, foi realizado graças a ele — quem comprou os direitos do livro.
Seu nome no pôster ou nos créditos de um filme (como diretor ou produtor) sempre deu credibilidade à produção. E mesmo que a ambição do filme fosse meramente comercial, como foi o caso de Proposta Indecente (1993), com bilheteria de US$ 106 milhões. Redford conseguia sair dele com a reputação intacta.
Atrás das câmeras, ele deixou a sua marca principalmente com Gente Como a Gente (1980), o drama que lhe valeu o Oscar de melhor diretor ao mostrar a descida ao inferno de uma família rica que perde um filho. Ele também brilhou na direção ao resgatar as fraudes nos concursos de televisão dos anos 1950 com Quiz Show — A Verdade dos Bastidores (1994).
Redford ainda exerceu um papel importante na consolidação do cinema independente. Em 1978, ele criou o Festival de Sundance como um evento de resistência ao cinema comercial de Hollywood e uma vitrine para os novos talentos.
Sediado em Park City, em Utah, o festival é um dos mais influentes do mundo no segmento. O próprio Walter Salles sempre destacou que a jornada de Central do Brasil (1998), vencedor do Urso de Ouro de Berlim e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, foi iniciada com o apoio de Sundance, quando o filme ainda estava em fase de roteiro.
Até hoje, todos os anos, no mês de janeiro, Sundance atrai cinéfilos, jornalistas, turistas e profissionais da área do mundo inteiro dispostos a descobrir o que há de melhor no cinema independente.
Nem o frio (com termômetros registrando muitas vezes menos de 10° C) é capaz de espantar os espectadores que costumam comprar seus ingressos com três meses de antecedência para as premières de Sundance.
E Redford sempre foi a alma do festival, por lançar um olhar humano sobre tudo o que fazia. “Mas nada dura para sempre”, disse o ator, naquela première do seu filme de despedida. Rever Um Ladrão Com Estilo agora, após a sua partida, acentua ainda mais o sentimento de nostalgia.
Até porque a produção, ao recapitular a vida de crimes do personagem Forrest Tucker, apresenta uma montagem com cenas de Redford em filmes antigos. Imagens de Caçada Humana (1966) e Os Amantes do Perigo (1969), com o ator correndo, foram usadas para ilustrar as fugas espetaculares do assaltante, trazendo um Redford no auge do vigor e com muita estrada ainda pela frente.