Vandalizaram Claude Monet – de novo. Dessa vez, o alvo da ira de ativistas ambientais foi a tela "Canteiro de Íris no Jardim de Giverny", pintada pelo impressionista francês em 1900. Duas jovens suecas emporcalharam com tinta vermelha o vidro de proteção do quadro, em exposição no Museu Nacional de Estocolmo.

“A situação é urgente. A pandemia não foi nada comparada ao colapso climático. É sobre vida ou morte”, gritava Emma Johanna Fritzdotter, de 25 anos. “As pessoas não vão morrer apenas de insolação. Novas doenças vão se espalhar e não conseguimos nem sequer imaginar a extensão da tragédia”, completou, antes de ser presa com a colega.

Reivindicado pela organização Återställ Våtmarker (algo como “Pela Restauração das Terras Úmidas”, em tradução livre), o protesto reacende o debate em torno do novo modus operandi dos militantes do clima.

Atacar obras de arte desperta mesmo a atenção para a urgência do combate ao aquecimento global? Funciona para tirar os governos e as grandes companhias da inércia frente aos desafios da crise ambiental? Ou é um tiro pela culatra?

A onda de insurgência contra os clássicos começou em maio de 2022. Na ocasião, um homem, fazendo-se passar por um visitante do Museu do Louvre, em Paris, atirou uma torta na "Mona Lisa", de Leonardo da Vinci. Enquanto era retirado à força do recinto, esbravejava contra a destruição do planeta.

Desde então, os principais museus do mundo, a maioria na Europa, registraram, pelo menos, uma dúzia de ataques. Monet, Da Vinci, Pablo Picasso, Vincent Van Gogh, Toulouse Lautrec, Johannes Vermeer, Gustav Klimt, Sandro Botticelli, Andy Warhol… Tinta, batata amassada, torta, sopa, molho de tomate, sangue falso, farinha...

A primeira agressão a um Monet aconteceu em outubro, no Museu Barberini, em Potsdam, na Alemanha, quando duas militantes jogaram um balde de purê contra o quadro "Meules", de 1890. Da série Palheiros, é a obra mais cara do pintor. Alcançou quase US$ 111 milhões, em um leilão quatro anos atrás.

“Se for preciso uma pintura –com #MashedPotatoes ou #TomatoSoup jogado nela –para a sociedade lembrar que o curso dos combustíveis fósseis está matando todos nós: Então daremos #MashedPotatoes em um quadro!”, lê-se em tuíte da organização alemã Letzte Generation, de 23 daquele mês.

Não, não é preciso atacar uma obra de arte para lembrar ao mundo a urgência climática; tampouco como chegamos à beira do colapso ecológico. A ameaça imposta ao planeta e à humanidade pela degradação ambiental está nos noticiários, nos posts das redes sociais, na pauta das empresas e na agenda dos encontros entre nações. E, há se bater nessa tecla o tempo inteiro, pois a ameaça é real.

O maniqueísmo dos radicais

Quando despejam uma lata de sopa de tomate no quadro "Girassóis", de Van Gogh, como fez o grupo inglês Just Stop Oil, os ativistas pretendem mostrar que, em vez de se chocar com os estragos causados a uma obra de arte, as pessoas deveriam se escandalizar com a devastação do planeta.

Mas não faz o menor sentido. O horror causado pelo líquido preto borrifado em "Morte e Vida", de Klimt, não invalida a estupefação com a imagem da tartaruga com um canudo enfiado nas narinas. Na lógica maniqueísta dos radicais, no entanto, é um ou outro; jamais um e outro.

E esse discurso tende a não convencer ninguém. A não ser seu pares. Basta dar uma olhada nas reações, postadas nas redes sociais, às manchas vermelhas na tela "Canteiro de Íris no Jardim de Giverny".

“Sei que a situação do aquecimento global é grave, mas destruir um Monet? Existem formas mais eficientes de chamar a atenção”, escreve um usuário do Instagram. “Esse tipo de protesto não conscientiza”, diz outro. “Isso só aumenta a antipatia por esses grupos ambientais”, defende um terceiro.

A onda de insurgência contra os clássicos começou em maio de 2022 com uma torna na Mona Lisa (reprodução Twitter)

Em outubro, no Museu Mauritshuis, em Haia, Holanda, um militante do Just Stop Oil, colou a cabeça no quadro "A Moça com Brinco de Pérola", do pintor barroco Vermeer. Enquanto grudava o cocuruto, no vidro do anteparo, um de seus colegas começou a explicar.

“Como você se sente quando vê algo bonito e inestimável sendo destruído diante de seus olhos? Indignado? Onde está esse sentimento quando o planeta...” O rapaz não teve tempo de terminar. Foi interrompido pelos seguranças e pelos gritos de “vergonha”, “obsceno”, “estúpido” e “cale a boca” dos visitantes da galeria.

Um estudo conduzido pelo Centro para Ciência, Sustentabilidade e Mídia, da Universidade da Pensilvânia, revela: 46% dos 2 mil americanos entrevistados desaprovam protestos com bloqueios do trânsito e ataques a obras de arte.

Longe do público

As organizações garantem não ter a intenção de estragar nenhum quadro. Tanto que só atacam peças blindadas por vidros, justificam. Mas até esse argumento é frágil – e fonte de preocupação para os especialistas.

Os atos podem inspirar a destruição pela destruição. Além disso, nenhuma proteção é 100% infalível. A única forma de manter uma pintura segura de verdade é mantendo-a longe do público.

Como prevê, Hasso Plattner, mecenas e fundador do Museu Barberini, em entrevista ao jornal Potsdamer Latest News. “No futuro será difícil, se não impossível, conseguir empréstimos de obras para exposições”. Como na crise climática, perdemos todos.