É uma sopa de letrinhas de selos e rótulos em inglês que pregam várias ausências por um mundo melhor: cruelty free, free foam, free plastic, free from. Mas são os números crescentes relacionados a este segmento, conhecido como clean beauty (em tradução livre, beleza limpa), que balizam os movimentos mais importantes realizados no mercado mundial de beleza nos últimos anos.
Nascido com pequenas marcas independentes que se valem principalmente da internet como canal de divulgação e vendas, ele já movimenta boa parte do mercado global de cuidados pessoais e cosméticos orgânicos e naturais, avaliado em US$ 40,2 bilhões pela consultoria Statista. E que pode chegar a US$ 54,5 bilhões até 2027.
Não à toa, gigantes do setor vêm garantindo sua fatia com as beautytechs. Em 2019, a Unilever, que já era dona da Ren, comprou a marca americana Tatcha por valor estimado em US$ 500 milhões. A Shiseido adquiriu a pop Drunk Elephant, por US$ 845 milhões. No ano passado, a brasileira Simple Organic passou a fazer parte do grupo Hypera Farma. E a Eurofarma acaba de fazer uma segunda injeção de capital na JustForYou.
Decidida a entrar no jogo, mas sem pegar o caminho das aquisições, a farmacêutica brasileira de fitoterápicos Herbarium lançou nesse mês a Intua, marca voltada à “beleza integral”. São quatro linhas de produtos que prometem trabalhar de forma sinérgica para trazer beleza de dentro para fora.
“Intua nasce para quebrar o paradigma de que beleza é só creme. Ela passa por outros aspectos e está atrelada a autocuidado, vida saudável, bem-estar”, afirma Renato Andreatta, gerente geral da marca. Daí o portfólio inicial, com 15 itens, abranger de chás e aromaterapia a cápsulas de nutricosméticos e cremes.
Criada pela mesma esquipe técnica da marca-mãe, uma das líderes no mercado de fitoterápicos, toda a linha foi formulada com o máximo de matérias-primas naturais. Outra forte tendência no setor, mas que nem sempre passa de bandeira.
“Os produtos ‘clean beauty’ não são necessariamente produtos naturais. Essa é uma associação muito comum, mas falsa. O clean beauty se preocupa se o ingrediente é seguro e sustentável. Esses são os grandes pilares”, aponta o executivo.
Enquanto algumas marcas levantam a bandeira do natural já ao ter 20% de extratos botânicos na formulação, os cosméticos da Intua já começam com um mínimo de 80% e o desafio de chegar a 100%.
“Estamos sempre pesquisando, mas hoje ainda não temos na indústria ativos que possam complementar a composição garantindo a mesma performance, eficiência e resultado sensorial”, reforça Marcelo Geraldi, CEO da Herbarium.
Com 36 anos de história junto aos fitoterápicos, todo o conhecimento da Herbarium, seria um forte pilar de diferenciação para Intua, com apenas um detalhe: o desafio proposto é não associar diretamente a nova marca à empresa-mãe.
“Não vamos esconder nada, mas desde o início quis que ela tivesse vida própria para ter as melhores oportunidades de negócio”, afirma Geraldi. O que passa pela atração de um púbico mais jovem, a abertura de novos canais de venda, o aprendizado em um segmento novo e a redução de pontos de atrito para uma possível expansão societária. “Para ela ter sucesso, efetivamente não poderia estar à sombra da Herbarium”, completa.
Com investimento inicial de R$ 15 milhões, que inclui o desenvolvimento dos produtos ao longo dos últimos quatro anos, a criação da loja online e as ações de marketing para o lançamento, a marca deverá concorrer principalmente com empresas indies já bem estabelecidas como a própria Simple Organic, Sallve e a BeYoung, que recebeu um aporte de mais de R$ 140 milhões do fundo de private equity da XP.
Os produtos terão tíquete médio de R$ 100 e serão voltados principalmente a mulheres, entre 20 e 50 anos. Daí a comunicação com linguagem mais moderna e jovial, com foco nas redes sociais, e o trabalho com influenciadoras que deve começar em breve.
A expectativa é, logo no primeiro ano de atuação, faturar metade do valor aportado com vendas 100% online. Lojas físicas não devem sair antes de 2025. “Em algum momento será importante dar esse passo, ainda que apenas com uma flagship para trazer a experiência da marca, do conceito holístico, do autocuidado. Mas não está nos planos de curto prazo”, aponta Geraldi.
“Projetamos a multicanalidade no futuro, mas com cautela. Temos expertise para desenvolvimento de produto e marca, mas o varejo é algo novo. Podemos aceitar parceiros para esse tipo de investimento, por exemplo”, completa Andreatta.
Outra etapa que está no horizonte, mas sem estratégia ou data definida para começar, é a internacionalização, caminho que mesmo dentro da Herbarium ainda é tímido, e responde apenas por cerca de 3% do faturamento.
“A Intua tem potencial para ser tão grande quanto ou até maior que a própria Herbarium nos próximos 10 anos. Isso tendo em vista que a Herbarium também deverá ter uma linha de crescimento bem expressiva”, aponta Geraldi, que também é CEO do recém-criado ecossistema Herbarium.
Gestado há alguns anos, o modelo do chamado ecossistema foi posto em prática no fim de 2021, quando diferentes áreas da empresa foram desmembradas e transformadas em negócios independentes, que a partir de agora prestarão serviço para as diferentes frentes do grupo.
Toda a parte fabril foi centralizada na Herbarium Laboratório Botânico, com sede em Curitiba. A Solis ficou responsável pelas áreas de distribuição, comercial e de vendas. E a Síntese, pelos serviços de backoffice. “Nelas estamos acoplando todos os novos negócios, que podem ser 100% ligados à família ou não”, explica o CEO.
Atualmente, o sistema de plataformas atende a Herbarium em si; a Intua; a Phitera, joint venture com o grupo alemão MartinBauer, maior produtora mundial de extratos, para desenvolvimento de outra linha de fitoterápicos voltada ao mercado brasileiro; e uma terceira empresa 100% brasileira para a produção de sprays nasais com tecnologia bag-on-valve (jato 360º contínuo) para terceiros e grandes redes.
“Criamos essa estrutura para ganhar em agilidade, foco e eficiência de custos. Assim, essas novas empresas podem se dedicar só ao seus core businesses”, resume Geraldi.
Mesmo com tantas mudanças – e reflexos da pandemia –, a Herbarium registrou em 2021 um "crescimento histórico", com um salto de 56% no faturamento (nos dois anos anteriores tinha crescido 12% e 6%).
Resultado da aquisição e lançamento de novos produtos principalmente voltados à área médica, de onde vêm 70% da receita (curiosamente, 50% vindo por indicação de ginecologistas).
Os produtos OTC, isto é, com venda livre nas gôndolas das mais de 50 mil farmácias onde a marca está presente no Brasil – caso da linha Musquée, com produtos feitos a base de rosa mosqueta, o xarope de guaco e os fitoterápicos tradicionais – são responsáveis pelos outros 30% do faturamento. No mesmo período o quadro de funcionários passou de 350 para 550 integrantes.
No horizonte de sete a dez anos, a expectativa é que o ecossistema como um todo, incluindo as novas marcas, atinja a casa do R$ 1 bilhão de faturamento, com Intua respondendo por 30% desse todo.