Esqueça as planilhas, gráficos, análises e fórmulas matemáticas. Pare de buscar na jornada dos mais ricos e bem-sucedidos do mundo a chave para o sucesso financeiro. Volte o olhar para si próprio. As emoções e comportamentos são decisivos no modo como lidamos com dinheiro.

Quem garante é o americano Morgan Housel, sócio do Collaborative Fund, empresa de capital de risco, e autor de A psicologia financeira – Lições atemporais sobre fortuna, ganância e felicidade. Lançado no Brasil, em 2021, pela Harper Collins, o livro foi traduzido para 30 idiomas e vendeu cerca de 1,1 milhão de exemplares, no mundo.

“Um dos livros de finanças mais originais dos últimos anos”, escreveu Jason Zweig, do The Wall Street Journal, sobre o livro. O escritor James Clear, de Hábitos Atômicos, definiu a obra como “leitura essencial para qualquer pessoa interessada em administrar melhor seu dinheiro”.

Ao longo de 300 páginas, Housel leva o leitor a um mergulho na história de 19 pessoas, algumas famosas como Bill Gates e Warren Buffett, para mostrar a impacto do fator psicológico nas decisões financeiras.

Ganância, medo, ego, humildade, gentileza, empatia, orgulho, autoestima, dinâmica familiar, aspirações sociais, serenidade aliados a variáveis como sorte, risco e tempo, são os ingredientes que modulam nossos investimentos.

“Não devemos fingir que somos máquinas racionais. Não somos. Somos criaturas emocionais, hormonais”, diz o autor, em entrevista exclusiva ao NeoFeed.

Vencedor de dois Best Business Award, da Society of American Business Editors and Writers and Financial Journalism, Housel é um dos convidados para o HSM+, evento da plataforma de educação corporativa do Brasil, a ser realizado nos dias 22 e 23 de novembro. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.

Para ser bem-sucedido financeiramente, por que as habilidades emocionais são mais importantes do que as técnicas?
A forma como administramos nossa vida financeira é reflexo de nossas aspirações sociais, história pessoal, dinâmica familiar, autoestima, ganância e medo.... Você pode ser um gênio financeiro, com doutorado em economia, mas se não conseguir controlar a ganância e o medo, esse conhecimento não vai fazer nenhuma diferença. Você vai se dar mal financeiramente. Comportamento é tudo.

E como controlar o medo e a ganância?
O modo como cada um responde aos momentos de medo e ganância é o fator que mais impacta o resultado de sua vida financeira. Noventa e nove por cento do investimento é não fazer nada, apenas esperar. O outro 1%, os momentos de caos, é que vai realmente mudar a vida de uma pessoa. A ganância começa com a ideia inocente de que você está certo, de que você merece estar certo. É autojustificada. As pessoas acreditam nas loucuras que fazem. A ganância cega para o risco e para os efeitos colaterais de suas ações. A economia pode tolerar aberrações, mas por pouco tempo. Já o medo tanto cega para o que de positivo pode acontecer quanto para o que de negativo aconteceu quando você era ganancioso.

"O que você vivencia economicamente dos 15 aos 25 anos tem um impacto profundo no modo como você pensa e lida com o dinheiro para o resto de sua vida"

É possível desenvolver as habilidades emocionais financeiras na idade adulta?
Não acho que seja possível. No mínimo, é muito difícil. Em geral, as pessoas são quem são e a forma como pensamos sobre dinheiro está enraizado em nossa personalidade. O que você vivencia economicamente dos 15 aos 25 anos tem um impacto profundo no modo como você pensa e lida com o dinheiro para o resto de sua vida. Podemos nos tornar mais autoconscientes – reconhecer nossas falhas, nossas imperfeições e tentar aceitá-las em vez de assumir que podemos mudar e corrigi-las.

No livro, você defende ser imprescindível tirar o ego de nossas decisões financeiras. O que isso significa?
Ego é a disposição e o desejo de mostrar para os outros como você é valioso e bem-sucedido. No mundo desenvolvido, muito do dinheiro gasto é para mostrar às pessoas quanto dinheiro você tem. Essa, aliás, é a maneira mais rápida de perder dinheiro. Uma fortuna se cria suprimindo o que você poderia comprar hoje para ter mais coisas ou mais opções no futuro. Não importa o quanto você ganha, jamais conseguirá construir uma fortuna se não for capaz de limitar os seus gastos hoje, agora. O valor da fortuna está em proporcionar opção, flexibilidade e crescimento para que um dia você possa comprar mais coisas do que é capaz hoje.

Como as mídias sociais impactam a percepção de nossa situação financeira?
Essa é uma questão importante. Todo mundo mede seu bem-estar em comparação com o bem-estar das pessoas ao seu redor. No passado, aqueles “ao seu redor” eram os colegas de trabalho, vizinhos e irmãos. Hoje é um algoritmo com a curadoria das pessoas mais bonitas, ricas, felizes e falsas no feed da sua rede social. É fácil, portanto, ter uma noção errada de quão bem você está indo.

O que os grandes investidores e homens de negócios mais bem sucedidos têm a nos ensinar?
Nossa tendência é tirar lições observando sucessos e fracassos e dizendo: “Faça o que a fulana fez, evite o que o beltrano fez”. Não temos uma varinha de condão para nos indicar quais desses resultados se devem a atitudes que podem ser replicadas e aqueles que, de alguma forma, foram influenciados pelo papel aleatório do risco e da sorte. Sorte e risco são fundamentalmente a mesma coisa – o reconhecimento de que coisas fora de nosso controle podem ter um impacto maior nos resultados do que o mero esforço individual. Estudar pessoas específicas pode ser perigoso porque temos a tendência de analisar exemplos fora da curva.

"Sorte e risco são fundamentalmente a mesma coisa – o reconhecimento de que coisas fora de nosso controle podem ter um impacto maior nos resultados do que o mero esforço individual"

Por quê?
Em geral, esses exemplos são os menos aplicáveis a outras situações. Concentre-se menos nos indivíduos e nos estudos de casos específicos e mais em padrões gerais. Ao procurar por padrões gerais de sucesso e fracasso, você vai se aproximar mais de ações que podem ser postas em prática.

O que é riqueza para você?
Gosto do pensamento de Nassim Taleb [autor, ensaísta e analista de risco libanês] sobre esse tema: 'O que importa não é o que uma pessoa tem ou não tem. É o que ela ou ele tem medo de perder. Quanto mais você tem a perder, mais frágil você é'. A forma mais elevada de riqueza é a possibilidade de fazer o que se quer, quando se quer, com quem quer, pelo tempo que se quer. Esse é o maior dividendo que o dinheiro pode pagar.

E quanto dinheiro é suficiente?
Mais importante do que ter o suficiente é garantir que suas expectativas e aspirações cresçam mais lentamente do que sua renda e sucesso. Suficiente é perceber que ter um apetite insaciável por mais vai levá-lo até o ponto do arrependimento. Muitos só param de correr atrás de mais quando vão à falência e são forçados a parar. Comprar coisas chiques pode render menos respeito e admiração do que as pessoas imaginam. Humildade, gentileza e empatia proporcionam mais respeito do que um motor de carro.

Por que é mais importante ser razoável do que racional?
Não devemos fingir que somos máquinas racionais. Não somos. Somos criaturas emocionais, hormonais. As pessoas não tomam decisões financeiras com planilhas. Elas o fazem na mesa de jantar, em situações que envolvem história pessoal, visão única do mundo, ego e orgulho, entre outros. Ser razoável é mais realista e as chances de você se manter razoável a longo prazo são maiores –o fator mais importante ao administrar seu dinheiro.

"As pessoas não tomam decisões financeiras com planilhas. Elas o fazem na mesa de jantar, em situações que envolvem história pessoal, visão única do mundo, ego e orgulho"

Você fala bastante sobre o tempo em seu livro. Por quê?
Juros compostos são apenas retornos ao poder do tempo. O tempo é que faz todo o trabalho pesado. De longe, é o que faz a maior diferença nos resultados. Se você é um investidor médio por um período acima da média, isso pode levar a retornos extraordinários. Obter os retornos mais altos não faz com que um investimento seja obrigatoriamente bom. Retornos mais altos tendem a ser sucessos únicos e não costumam se repetir. Um bom investimento está relacionado à obtenção de retornos excelentes que podem ser mantidos e repetidos por um longo período.

Por isso, você considera Warren Buffett maior investidor de todos os tempos?
Ele é um grande investidor, claro. Mas o segredo é que ele é um investidor incrível há 80 anos [Buffett tem 92 anos]. O tempo que ele vem fazendo isso responde literalmente por 99% de seu sucesso. Se ele tivesse começado a investir quando estava na casa dos 30 anos e se aposentado aos 60, poucos teriam ouvido falar dele. Sua habilidade é saber investir, mas seu segredo é o tempo.

Em tempos de crise econômica, é natural que as pessoas fiquem mais ansiosas em relação a dinheiro. Como enfrentar esses períodos com um pouco mais de serenidade?
Quando você percebe como são comuns as recessões e os mercados em baixa, fica um pouco mais fácil lidar com os momentos de crise. Isso não os torna agradáveis, mas a constatação de que o mercado de ações caiu 20%, em média, a cada três ou quatro anos, permite colocar a retração econômica atual em um contexto melhor. Já passamos por isso antes e passaremos novamente.