Na fronteira da reserva florestal em Foz do Iguaçu, onde a mata se abre para revelar uma das paisagens mais visitadas do Brasil, um edifício de tijolos de terra extraída do próprio local deve em breve se integrar à paisagem.
Desenhado pelo arquiteto paraguaio Solano Benítez, conhecido por reinventar o uso desse material, o projeto parece se apoiar no verde ao redor em vez de competir com ele. Será ali, vizinho às Cataratas do Iguaçu, que o Centre Pompidou abrirá sua primeira filial na América Latina.
O anúncio foi oficializado recentemente, no evento batizado de Do tijolo ao museu, que reuniu o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior, o presidente do Pompidou, Laurent Le Bon, e o próprio Benítez.
Para o estado, trata-se do gesto mais ambicioso de política cultural em décadas; para o museu, a oportunidade de ampliar sua presença global. Além da sede parisiense, o Pompidou mantém filiais em Málaga, na Espanha; Xangai, na China; e Bruxelas, na Bélgica.
A ideia remonta a 2019, quando a arquiteta Luciana Casagrande assumiu a pasta da Cultura do Paraná com a missão, dada pelo governador, de trazer ao estado uma instituição internacional. “Ele achou que estava me dando um desafio, mas, na verdade, me deu um presente”, recorda ela em entrevista ao NeoFeed.
Depois de uma pesquisa sobre possíveis parceiros, foi o Pompidou que se destacou. Não apenas pelo prestígio de sua coleção de arte moderna e contemporânea, mas pelo modelo de centro cultural que reúne música, cinema, artes cênicas e visuais.
“Queríamos um equipamento que pudesse dialogar com a cena cultural já presente na cidade e somar ao que existe. Foz do Iguaçu é também um polo universitário. Por isso, a escolha de um museu que não se restringe às artes visuais, mas que abrange outras linguagens, como música, cinema e artes cênicas”, diz a secretária. A primeira conversa com a instituição aconteceu em setembro de 2020.
Foz do Iguaçu, a 637 quilômetros de Curitiba, foi escolhida não apenas pela proximidade das Cataratas — que atraem 3,3 milhões de visitantes por ano —, mas também pela infraestrutura consolidada: rede hoteleira, restaurantes e um aeroporto internacional.
O terreno para o museu foi cedido pela Motiva Aeroportos, ao lado do terminal aéreo, e o governo estadual estima investir cerca de R$ 250 milhões no projeto. As obras devem começar em 2026, com conclusão prevista para 2027.
O cálculo do impacto econômico é direto: “Se metade desses turistas ficar um dia a mais na cidade para visitar o Pompidou, isso representa cerca de R$ 560 milhões adicionais por ano na economia local”, projeta Casagrande. “Diante desse volume, o investimento do governo se torna pequeno.”
Em sintonia com a natureza
Há, porém, a questão política. O governador Ratinho Junior, já em seu segundo mandato, não estará mais no cargo quando o museu for inaugurado. Questionada sobre a continuidade do projeto, ela afirma que foram tomadas medidas para blindá-lo contra mudanças de gestão.
Entre elas, um decreto que cria formalmente o Museu Internacional de Arte, contratos de longo prazo com o Centre Pompidou e a previsão de transferir a administração para uma organização social — modelo já adotado em instituições como o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba.
“Antes do fim da gestão, teremos o orçamento empenhado, a construtora contratada e a gestão do museu definida. Isso garante que o projeto sobreviva a mudanças políticas”, diz Casagrande.
O contrato inicial com o Pompidou tem duração de cinco anos, incluindo o direito de uso do nome e a realização de exposições com obras do acervo francês na futura sede brasileira.
Se já havia consenso sobre qual seria o primeiro museu internacional a se instalar no Brasil, a escolha do arquiteto responsável pelo projeto exigiu uma busca cuidadosa. A secretária lembra que conversaram com dez escritórios de renome, entre eles o do italiano Renzo Piano, que desenhou o Centro Pompidou, em Paris, e o do canadense Frank Gehry, criador do Guggenheim Bilbao.
Mas foi Solano Benítez, vencedor do Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, quem conquistou o projeto. “A conversa com Benítez foi amor à primeira vista”, lembra Casagrande. “Ele queria trabalhar com a matéria-prima disponível em nosso território. O tijolo, um material milenar, ganha em suas mãos uma expressão inovadora e contemporânea.”
O desafio, segundo ela, não é apenas arquitetônico, mas também ambiental: “Estamos em um território onde a natureza é imponente. Precisamos que o museu dialogue com essa força, que respire com o lugar — e não contra ele”.
Benítez faz questão de afastar qualquer ideia de conflito com a paisagem. “O que esse museu mais deseja é celebrar a natureza e o vínculo com a reserva florestal”, afirma ao NeoFeed.
Inspiração em Almílcar de Castro
Hablando um portunhol fluente e carismático, o arquiteto descreve o momento como um marco em sua trajetória: “Se já estava orgulhoso de ter construído a casa dos meus pais e depois a dos meus filhos, agora a casa começa a ganhar outra dimensão. A casa é o lugar onde exercemos o cuidado como forma de existir”.
Para conceber o edifício que receberá o primeiro museu internacional do Brasil, Benítez buscou inspiração no artista mineiro Amílcar de Castro (1920–2002). Conhecido por suas esculturas monumentais em aço corten — erguidas a partir de cortes e dobras que equilibram cheios e vazios —, Amílcar ofereceu ao arquiteto uma chave para pensar o museu.
“É sobretudo uma reflexão sobre o espaço e sobre como as coisas podem se vincular a partir da matéria”, explica Benítez. “O trabalho dele é sempre uma reflexão vibrante: sobre geometria, sobre o modo como a forma afeta emocionalmente as pessoas, sobre como cada peça cria e integra o espaço ao seu redor.”
O projeto privilegia a ventilação natural e o sombreamento, criando um microclima em sintonia com o ambiente quente e úmido da região.
O espaço contará com duas salas principais: uma de 15 mil metros quadrados e outra de 10 mil, destinadas a receber obras de arte.
Segundo o arquiteto, a construção seguirá normas internacionais para garantir a conservação do acervo, além de prever fluxos de circulação que evitem filas na entrada.
“Uma obra precisa ser oportuna, revelar o tempo em que foi feita e, ao mesmo tempo, transcender esse tempo — como uma mensagem inscrita no tijolo para a posteridade”, diz o arquiteto sobre o projeto que tem ocupado todos os esforços de seu escritório atualmente. “Não é questão de ser a mais bonita ou a mais grandiosa, mas de ser necessária.”