Elas chegaram em Nice, na Côte d’Azur, em 2 de janeiro de 2023. Mãe e filha deixaram a família em Natal, no Rio Grande do Norte, sem data para voltar. No litoral sul da França, era tudo novo — o idioma, os modos e costumes... o frio. Aguentaram firme e, hoje, apesar das saudades de casa, estão bem adaptadas à rotina típica de uma futura campeã.
Aos 14 anos, Victoria Luiza Barros é uma promessa do tênis brasileiro — com Maria Luiza sempre a seu lado para ajudá-la a chegar lá. E o número 3.550 da route des Dolines, no centro de Nice, onde vivem, é nada mais, nada menos do que o endereço da academia do lendário Patrick Mouratoglou.
Aos 53 anos, o francês, de ascendência grega, treinou (e treina) alguns dos grandes nomes do esporte. O mais famoso deles, Serena Williams - ídolo de infância de Victoria.
Em 2012, Mouratoglou assumiu os cuidados da americana, depois de ela sofrer sua primeira derrota em um torneio Grand Slam, na estreia do Aberto da França. O técnico e Serena ficaram juntos até 2022, quando ela se despediu das quadras como a melhor tenista da história.
Nesse mesmo ano, Victoria e Mouratoglou se conheceram. Em São Paulo, o francês ficou encantado com a pequena tenista, de sorriso largo em quadra. “Eles conversaram por uma hora e meia e ficaram amigos”, conta Maria Luiza, em entrevista ao NeoFeed. A garota é a primeira sul-americana a treinar na academia de Nice.
Pelos vídeos nas redes sociais, a sintonia entre técnico e jogadora é nítida. Em um dos filmes, Mouratoglou lembra Victoria sobre a importância de se programar mentalmente para, quando a bola chegar, ela já ter a jogada na cabeça.
“Eu estou melhorando”, avisa a jovem, ao NeoFeed. Quando ela acerta, ouve-se, ao fundo: “Parfait” e “Fantastique”.
Victoria foi apresentada às raquetes ainda muito pequena. Jogadora de vôlei na juventude, Maria Luiza praticava beach tennis e, em algumas ocasiões, levava a filha junto para a areia.
“Entre os cinco e os seis anos, quando eu treinava em clube, ela começou a ir mais para as quadras de tênis”, lembra a mãe. “Lá, ela brincava com os treinadores e boleiros.”
De saibro, é feito o chão de Victoria.
Entre os 100 melhores do mundo
De brincadeira em brincadeira, Victoria foi construindo uma ambição. Aos 10 anos, já jogava seus primeiros campeonatos nacionais. Aos 11, viajava pelo planeta, deixando sua marca nas quadras internacionais.
Hoje, ela está entre os 100 melhores tenistas juvenis do mundo, com quatro títulos em torneios da International Tennis Federation (ITF), conquistados em 2023.
Atualmente na 86ª posição do ranking unissex da ITF, venceu nove dos 13 jogos disputados este ano. Um índice de vitória de 69%. Recentemente, a Claro entrou para o time de patrocinadores de Victoria, do qual fazem parte também a Nike e a Wilson.
Uma figura decisiva na carreira de Victoria é o empresário Jorge Paulo Lemann. Ex-tenista, ele é um dos fundadores do Instituto do Tênis, projeto de incentivo à prática do esporte, onde Victoria jogou aos 9 anos. “O Jorge Paulo está com a gente há muito tempo”, diz a mãe, referindo-se a ele como amigo. “Ele me ajuda muito.”
Victoria sabe seu valor, sem, no entanto, se deslumbrar. Tem consciência de que há um longo caminho a percorrer até o topo de seus sonhos. “Eu tenho muito orgulho da minha história”, diz a jogadora. E é para ter mesmo. Em sua curta carreira, ela vem colecionando elogios por onde joga.
Em abril de 2023, ao sagrar-se campeã no circuito da Tennis Europe, vencendo a ucraniana Anastasia Nikolaieva, por um duplo 6-2, em Veli Losini, na Croácia, a menina ouviu de Ivan Ljubicic, ex-top 3 do mundo e ex-treinador de Roger Federer — outro ídolo da brasileira:
“Você é uma atleta incrível. Fisicamente, você é fantástica. Você pode fazer tudo com a bola. Hoje vi pontos que nunca havia visto para alguém da sua idade. Só peço que você não perca essa criatividade. Não se apresse caso os resultados não venham logo ou venham devagar.”
Alegria e criatividade
Se tem uma coisa que Victoria e Maria Luiza não têm é pressa. Como ex-esportista, a mãe sabe. “O esporte dá oportunidades e coloca desafios todos os dia. Por isso, é dia após dia. Todos os dias a gente acorda; todos os dias a gente vai treinar; todos os dias a gente cuida da saúde.... E o que vier depois é mérito de muito trabalho”, diz.
Ao lado do talento da menina para o tênis, a filosofia materna evidentemente reverbera na performance da adolescente. Ela é muito dedicada, mas não parece pressionada a ser a número 1. Como diz Mouratoglou em um vídeo no Instagram, para ela, o tênis não é um trabalho, é uma paixão.
O sorriso e a alegria são sua marca registrada — dentro e fora das quadras. “Eu fico muito feliz quando jogo”, conta ela. Se Victoria fica nervosa antes de uma partida? “Às vezes dá um frio na barriga porque me importo com o esporte. Mas, em geral, não... estou me divertindo.”
À espontaneidade, à leveza e à criatividade, soma-se a agilidade e o biotipo da jogadora, como define Bruno Soares, ex-tenista brasileiro, número dois do mundo no ranking de duplas da Association of Tennis Professional (ATP), em 2016.
“Ela é muito completa para uma menina de 14 anos, com golpes muito bons e muita flexibilidade”, completa ele, ao NeoFeed.
Mouratoglou ainda vai além. “Ela tem um jogo muito completo e diferente do que vemos no tênis feminino.” E Victoria traduz o treinador. “Ele quer dizer que eu tenho muitas armas; não tenho um jogo só. Mas essa é uma qualidade que ainda posso melhorar.”
Esguia, Victoria pesa entre 58 e 59 quilos e tem 1,72 metro... A mãe corrige: “Você está mais alta, desde a última vez que medimos”.
O agente da adolescente, Guillermo Aylon, da agência internacional WeSport, sediada na Suécia, resume ao NeoFeed: "Victoria vem de uma formação muito diferente de outros tenistas, que geralmente contam com todas as ferramentas disponíveis e apoio financeiro de diversos ângulos. Mas ela conseguiu jogar e competir em torneios locais, sempre com um sorriso no rosto, que é o que ela tem de verdadeiramente especial."
Há quase um ano e três meses em Nice, a garota está fluente em inglês, entende francês, se vira bem no espanhol e no italiano. Tenta manter os estudos, à distância em uma escola do Rio de Janeiro. Mas não é fácil conciliar, ressalta Maria Luiza.
Nas festas de fim de ano, as duas fazem questão de vir ao Brasil. A adolescente sente muita falta da avó Ivanete, do avô Luiz, da "bisa" Irinéia, dos tios, dos primos, dos amigos... e das praias de Natal. É lá que, cercada por seus queridos, em 21 de dezembro, ela comemora seu aniversário.
A importância do "se"
Aos 41 anos, Maria Luiza não se parece em nada com aquelas típicas mães de crianças esportistas ou artistas. Ela abandonou tudo para acompanhar a filha, mas não projeta em Victoria seus sonhos e desejos. E, consequentemente, suas angústias - o que, quando acontece, costuma causar muitos problemas de ordem emocional lá na frente.
Formada em administração de empresas, depois de ser demitida, na época da pandemia, Maria Luiza chegou a trabalhar como feirante para manter a filha no tênis.
Separada do pai de Victoria, desde 2014, ela vendia doces nordestinos em uma feira de Curitiba, onde as duas viviam na época.
Hoje, ela usa a experiência como atleta e administradora para acompanhar a carreira da adolescente. “Se um dia ela se tornar profissional, o mérito também será meu”, reconhece.
Vale notar o uso da conjunção “se”. Para a mãe, o sucesso da filha é uma possibilidade - nada está definido ainda.
Mouratoglou discorda. “Vocês escutarão falar de Victoria muito em breve”.