O cofundador da Microsoft Bill Gates não conhece maneira melhor de passar uma tarde de verão. Para o investidor bilionário Marc Lasry, do Avenue Capital Group, é um belíssimo negócio. LeBron James, um dos maiores jogadores de basquete de todos os tempos, acha divertido. Na opinião de Brian Levine, ex-sócio do Goldman Sachs, a prática une as pessoas. E atriz Eva Longoria ficou emocionada ao entrar para o time.
Eles... e o campeão do Super Bowl Tom Brady; a apresentadora e comediante Ellen DeGeneres; os atores Leonardo DiCaprio, Jamie Foxx e Owen Wilson; o medalhista olímpico Michael Phelps; a socialite e empresária Kim Kardashian; as atrizes Emma Watson e Selena Gomez; a estrela do tênis Serena Williams e... outros quase 9 milhões de americanos são todos “picklers”.
“Pickler” é quem joga pickleball. “Pickler” é quem investe (e faz muito dinheiro) no “jogo-sensação” do momento. Com rede semelhante à do tênis, raquetes tipo as de pingue-pongue, quadra parecida com a de badminton e uma bola que não lembra nenhuma outra; de plástico, oca e cheia de furinhos; o esporte é o que mais cresce nos Estados Unidos –e que vem conquistando adeptos ao redor do mundo. A partida é de 11 pontos para quem saca, mas é preciso marcar dois de vantagem para vencer.
Exemplos do fenômeno? Entre 2021 e 2023, alguns dos melhores times da Major League Pickleball (MLP) chegaram a valorizar 9 900%. Estimado em US$ 64,65 bilhões, em 2022, o mercado global de equipamentos de pickleball deve crescer a uma taxa anual composta de 9%, na próxima década, chegando a US$ 155,4 bilhões. São mais de 100 mil quadras nos EUA. Em apenas dois anos, o número de países filiados à Federação Internacional de Pickleball saltou de 20 para 70. O Brasil é um deles.
O jogo chegou por aqui via Governador Valadares, cerca de sete anos atrás e, por sinal, sede da Associação Brasileira de Pickelball. Famosa por “exportar” brasileiros para os Estados Unidos nas décadas de 1980 e 1990, a cidade mineira volta agora às luzes por “importar” o pickleball. Com cerca de 2 mil praticantes no país (and counting...), o esporte está a caminho de destronar o beach tennis na preferência da elite brasileira.
Os sofisticados Club Athletico Paulistano e o Clube de Campo de São Paulo, e o Jockey Club, no Rio, já oferecem quadras e torneios para seus sócios. Empreendimentos de luxo, como o Beyond The Club, o clube “high experience”, do BTG Pactual Asset Management, Realty Properties e KSM; e o São Paulo Surf Club, da JHSF, também incluiram o pickleball entre suas modalidades esportivas.
É um movimento semelhante ao norte-americano, onde o esporte está reconfigurando os lançamentos imobiliários. No próximo dia 23, o nadador Cesar Cielo, inaugura, em Piracicaba, interior paulista, a Sharx Arena. O foco é o padel, mas não faltarão quadras de pickleball.
Vindo do mercado financeiro, o empresário José Eduardo Guilger inaugurou recentemente a primeira academia focada única e exclusivamente no esporte da cidade de São Paulo, a Pickleball Point Arena, estrategicamente localizada na região da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini, reduto das grandes corporações.
Aos 66 anos, Guilger é um dos responsáveis por apresentar o pickleball ao Brasil. Como conta ao NeoFeed, ele conheceu o jogo em 2018, quando foi visitar a filha em Manhattan Beach, na Califórnia. Ficou encantado. “Virou um vício”, resume.
Amante de todos os tipos de esporte (“apesar de não fazer nenhum direito”), o empresário tem algumas hipóteses para explicar o fascínio de tanta gente pelo pickleball. Em primeiro lugar, é muito fácil aprender a jogar. “Diferente da curva de aprendizado do golfe que é terrível”, compara.
Como a bolinha é de plástico e furada, o ritmo é mais lento. E, como a quadra é pequena, menor do que a de tênis, por exemplo, há menos terreno a percorrer. Em geral, praticado em duplas, a pontuação vai a 11. Como partida acaba mais rapidamente, o rodízio entre os times é maior, o que facilita a interação social –muito valorizada pelos jogadores.
“Comparado com os esportes de raquete tradicionais, o pickleball é mais barato, requer menos espaço e pode ser mais compatível com as dores, que surgem com a idade”, defende Josh Woods, professor de sociologia, da West Virginia University, no artigo “Pickleball’s uphill climb to mainstream success”, para a plataforma The Conversation.
De US$ 100 mil para US$ 10 milhões
Não à toa, durante muito tempo, nos Estados Unidos, a atividade era praticada sobretudo por aposentados. “Aproximadamente, metade dos jogadores de pickleball viu o pouso da Apollo 11, da lua”, ironiza Woods, autor do livro “Emerging Sports as Social Movements”.
Mas o esporte está rejuvenescendo. Conforme o relatório mais recente da Sports & Fitness Association, dos Estados Unidos, a faixa etária que mais cresce é a dos esportistas entre 25 e 34 anos. O perfil do jogador americano é o do homem branco, com ensino superior completo e remuneração acima de US$ 100 mil, por ano.
O pickleball foi criado há quase 60 anos, mas, com a pandemia do novo coronavírus, o esporte explodiu. Muitos viram no jogo a oportunidade para realizar uma atividade física coletiva, ao ar livre, sem quebrar o distanciamento social e acessível a todos -- jovens e velhos, esportistas e sedentários.
O que se viu a partir daí foi a ascensão meteórica do jogo, com uma profusão de negócios fechados em torno da atividade. Em 2021, o bilionário Marc Lasry, confundador e CEO da multinacional de private equity e fundo hedge Avenue Capital Group, foi um dos primeiros a investir no esporte.
Junto com o ex-tenista James Blake, ele desembolsou US$ 100 mil por um time da então recém-criada MLP. Em entrevista à Bloomberg Television, em maio passado, o empresário comemorou: atualmente, a transação não sairia por menos de US$ 10 milhões. “Quero poder investir em uma equipe hoje que vale US$ 50 milhões ou US$ 100 milhões e que, em cinco ou dez anos, estará valendo US$ 500 milhões ou US$ 1 bilhão”, disse.
Para Lasry, atualmente, o pickleball promete retornos mais polpudos do que a liga americana de basquete profissional, a NBA. E olha que ele já teve uma parte do Milwaukee Bucks; vendida cerca de três meses atrás. Ao investidor se seguiram uma legião de celebridades, empresários e financistas.
Em um vídeo no TikTok, postado em outubro de 2022, Tom Brady, ex-jogador de futebol americano, anunciou a aquisição de uma equipe da MLP. “Eu estava procurando uma maneira de prolongar minha carreira no esporte, para além dos meus 40, 50, 60, 70 anos!”, diz ele. “E eu acho que achei a resposta: pickleball. Estou muito feliz de anunciar que agora faço parte da família da MLP. Eu vou dominar o esporte.”
Um mês antes, junto com o amigo de infância Maverick Carter, o astro do Los Angeles Lakers LeBron James comprou o time New York Hustlers, também da liga. O valor da transação não foi revelado, mas o investimento aconteceu por meio do family office LRMR Ventures.
O quarterback Patrick Mahomes, o tenista aposentado Travis Rettenmaier, a atriz Eva Longoria e a ex-modelo e empresária Heidi Klum, entre outros, são hoje felizes proprietários de equipes da MLP.
“Sempre dizemos que o pickleball une as pessoas e essa lista de líderes, de uma ampla variedade de setores, é uma forte prova dessa filosofia”, defende Brian Levine, ex-Goldamn Sachs e atual consultor estratégico da MLP.
Entre 2021 e hoje, o número de equipes na liga americana saltou de oito para 24. A temporada de 2023 está programada para realizar seis grandes eventos, com US$ 5 milhões em prêmios, em dinheiro.
Dono do New Jersey 5, o empreendedor e escritor Gary Vaynerchuk é suscinto: “Isso não é futebol americano. Não é basquete, esporte, no qual, aos 47 anos, você está machucando seus joelhos, como eu. Pickleball é um esporte para todos, dos 8 aos 88 anos”.
O jogo da moda entra na moda
Vencedor do Oscar por seu papel em “Ray”, o ator Jamie Foxx lançou uma marca de raquetes de pickleball, a The Best Paddle –US$ 150, a unidade. O esporte está invadindo até a seara da moda. Se os uniformes de tênis estão amarrados a uma série de regras, os “picklers” estão livres para abusar das cores, padronagens e texturas. Todos os gostos são bem-vindos, até combinar estampas de flamingos e vacas.
A estilista americana Stacey Bendet, dona da moderninha Alice + Olivia, produziu, em 2022, uma coleção cápsula, com sobras de tecidos de outras criações. Foi um sucesso, esgotou quase que imediatamente nos Hamptons, uma das regiões mais caras do mundo, no estado de Nova York, frequentada por famílias tipo os Roy, da série “Succession”. Stacey vai repetir agora a dose agora no verão. Como ela, outras marcas entraram na onda. Entre as grandes estão a italiana Fila e a canadense Lululemon.
Pickles, o cão
Foi pensando em toda a família que o esporte foi inventado. No verão de 1965, depois de uma partida de golfe, o congressista republicano Joel Pritchard (1925-1997) e o empresário Bill Bell (1923-2006) encontraram suas esposas e filhos entediados na casa do político, em Bainbridge Island, perto de Seattle, Washington. Aliás, no ano passado, o governador Jay Inslee declarou o pickleball esporte oficial do estado.
Voltando.... Como a propriedade dos Pritchard tinha uma velha quadra de badminton e eles não conseguiram encontrar um conjunto completo de raquetes, decidiram improvisar com as de pingue-pongue. Também não dispunham de bolas de tênis nem petecas e recorreram a uma bolinha de plástico, peça de um brinquedo das crianças.
No final de semana seguinte, o oficial da Marinha Barney McCallum (1926-2019) se juntou aos amigos e os três criaram as primeiras regras do pickleball. O nome do esporte? Uma homenagem ao cachorro dos Pritchard, o Pickles, que corria de um lado para o outro, atrás da bolinha, enquanto eles jogavam.
Em tempo: foi o congressista republicano que apresentou o esporte a William Gates (1925-2020), pai do cofundador da Microsoft. Por isso, o bilionário Bill se orgulha de ser um “early adopter” do jogo; um “pickler” há 50 anos.