Ser Master of Wine significa pertencer ao círculo mais poderoso entre os profissionais do vinho, independente do seu elo de atuação na cadeia produtiva. Existem enólogos, proprietários de vinícolas, comerciantes, jornalistas, cientistas, professores que são referências do vinho em seus respectivos setores. Mas um Master of Wine está, definitivamente, em outro patamar.

Conhecida por ser a qualificação mais rigorosa existente no setor de vinhos, apenas 498 pessoas se graduaram no instituto desde sua criação. Hoje são 420 profissionais ativos, dos quais 151 são mulheres e 269 homens. O Brasil tem seu representante, Dirceu Vianna Junior, MW desde 2008 e atualmente vive na Inglaterra.

Na Itália, Gabriele Gorelli foi o primeiro (e ainda único) Master of Wine italiano. Ele esteve no Brasil, na semana passada, na Wine South America, em Bento Gonçalves (RS), uma das maiores feiras de vinho hoje no país, realizada pela Veronafiere (proprietários da feira italiana Vinitaly). Na ocasião, participou de degustações e montou um panorama sobre a identidade do vinho italiano.

Nascido e criado em Montalcino, Gorelli, cresceu acompanhando o trabalho do avô nos vinhedos da família. Porém com a venda da vinícola em 1998, Gorelli tinha claro que seu retorno ao mundo do vinho não seria pelo campo.

“Notei que havia uma grande distância entre o produtor e os consumidores e minha atuação deveria ser ali”, contou ao NeoFeed, Gabriele Gorelli, que, aos 38 anos, é também um dos mais jovens a obter o título.

Formado em design e comunicação, Gorelli concentrou seu tempo no aprendizado de diferentes línguas com foco especial em inglês, língua dominante no mercado de vinhos e idioma oficial do IMW.

Em sua primeira visita ao Brasil confirmou a boa impressão com os espumantes locais e ressaltou que sempre haverá espaço para vinhos com autenticidade e personalidade.

Nas suas apresentações, Gorelli ressaltou que além da diversidade dos vinhos italianos, em boa parte dada pelas variedades de uvas locais, existe personalidade nos vinhos da bota, que pode ir desde um vinho simples e barato como o Lambrusco Puro! da vinícola Frangareggi, com potencial de ser comercializado no Brasil na faixa dos R$ 100 (ainda não disponível no Brasil) ou um caro Brunello di Montalcino Riserva 2015 de Tenuta di Sesta (R$ 1.119,00, na Belle Cave), um vinho clássico de um ano de clima quente, mas nas mãos de um produtor habilidoso resulta em um vinho complexo e equilibrado.

Foi mais fácil para um italiano nascido em meio aos vinhedos obter a qualificação de Master of Wine?
Nasci em Montalcino e minha infância foi podando e conduzindo os vinhedos do meu avô, uma pequena propriedade de menos de um hectare. Em 2018 meu tio, que é consultor em enologia em Montalcino, recuperou a marca Gorelli e está voltando a produzir os vinhos. No entanto, o IMW pede um conhecimento abrangente a aprofundado, muito maior do que acompanhava de perto na Toscana.

Você não passou pela grade da WSET (Wine & Spirits Education Trust), considerada uma formação base para ingressar no IMW. Qual foi seu caminho?
Sabia que não seria um produtor de vinhos logo no início e que trabalharia na comunicação do vinho. Já tinha concluído o curso de degustador da AIS (Associação Italiana de Sommelerie) e era um curioso; meu interesse era conhecer o máximo sobre vinhos. Em 2014, o IMW fez seu simpósio em Florença e minha namorada me incentivou a participar, afinal era meu território. Ali os interessados tinham contato com diversos Masters of Wine, que explicavam como era a jornada para obter a certificação e onde os graduados se encaixavam no mercado. No final, os interessados participavam de uma prova, nos moldes do IMW, com escrita e degustação. Eu fiquei entre os cinco aprovados entre 60 participantes neste exame e poderia ingressar no IMW.

Este foi o grande desafio por ser italiano? Conhecer bastante sobre os vinhos locais mas não tanto sobre vinhos internacionais.
Sim, sem dúvida. Na Itália nunca tivemos uma cultura de comprar vinhos estrangeiros. Conhecemos os vinhos locais e alguns clássicos como Bordeaux e Champagne. A atitude também é diferente. Os italianos não simpatizam com a ideia que venha um estrangeiro ensinar sobre vinhos para um italiano. Produzimos vinho há muito tempo e há um certo orgulho sobre o tema, que impede uma abertura maior. Hoje este cenário está mudando. Ao menos nas vinícolas já há a preocupação para saber onde estão frente aos outros vinhos do mundo, em que prateleira estão e em que faixa de preço estão posicionados.

E isso explica por que a Itália demorou tanto a ter um Master of Wine?
Temos que entender que os ingleses compram vinhos do mundo todo há séculos. É um mercado com longa história e natural que tenham um conhecimento abrangente e aprofundado. Eles precisavam ter conhecimento e discernimento sobre a qualidade de vinhos do mundo todo, comparar melhor e vender melhor. Na Itália nunca tivemos uma cultura de comprar vinhos estrangeiros, o que está mudando e as vinícolas precisam vender melhor para o mundo todo.

Esta visão global de um vinícola italiana pode implicar numa estandardização dos vinhos para atender, supostamente, um gosto global?
O vinho bem-sucedido comercialmente não precisa ser um vinho estandardizado. Com este mindset fica mais fácil a busca pela unicidade do vinho italiano. Temos um grande universo de variedades autóctones italianas que podem ter seus atrativos. Conhecendo o mercado e o vinho fica mais fácil. Durante minha masterclass na feira Wine South America, apresentei um vinho feito com a variedade Bellone, que provavelmente 99% dos consumidores de vinho nunca ouviu falar. Mas explicando que sua expressão entre a Chardonnay e a Sauvignon Blanc, fica mais fácil entender seu potencial. Devemos fazer as coisas porque acreditamos nelas, em vez de fazer algo ok mas que atende o mercado.

E quais regiões do mundo apostaria suas fichas?
A mudança climática é uma carta que deve ser colocada na mesa quando se pensa nisto. Até agora a mudança tem sido benéfica para o mundo do vinho. São muitas as safras de qualidade excepcional em uma década na Europa. Chianti Classico, por exemplo, está na melhor fase da sua história. Brunello, deve se ajustar para abarcar algumas zonas de clima mais fresco, mas também vive sua melhor fase, com um pouco mais de calor e menos chuvas. Isto também tem permitido maior disseminação da cultura orgânica e biodinâmica nos vinhedos. O cenário está favorável hoje para as regiões tradicionais de toda a Europa. O Piemonte e a Toscana são lugares que serão beneficiadas no curto prazo, mas já está impossível comprar um vinhedo nestas regiões se tiver como objetivo o retorno sobre o investimento.

Se fosse com o seu dinheiro, considerando suas preferências, onde faria um vinho?
Basicamente buscaria por ilhas e montanhas, pois possuem personalidade e os extremos de temperatura são mitigados pelas condições naturais destes lugares. Compraria algo com este sentido de ineditismo, seja na história, seja no perfil do produto. Gosto da Grillo ou Damaschino, variedades antigas da Sicília, para citar um exemplo. O Etna tem enorme potencial, já está bem ocupado com vinhedos, mas ainda há potencial para se explorar com preços razoáveis. O Apeninos é um lugar novo, mas que também deve crescer nos próximos anos.

E não fazia nada em sua terra natal, Montalcino?
Eu buscaria pelas terras mais elevadas, com clima mais fresco, mas Antinori já comprou tudo por ali. Então não restaram muitas alternativas viáveis. E meu tio também já está produzindo os vinhos da família com competência.