Ele está de volta. Fechado para obras desde 2009, o Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, abre suas portas na terça-feira, 20 de maio, agora transformado em centro cultural. A reabertura do edifício reacende o debate sobre a forte influência do movimento modernista na arquitetura brasileira.

Localizado no centro da capital fluminense, o prédio começou a ser erguido em 1936 e foi inaugurado dez anos depois, para abrigar a sede do então recém-criado Ministério da Educação e da Saúde Pública do governo de Getúlio Vargas. À frente da pasta estava o intelectual Gustavo Capanema.

A escolha do projeto deveria ser decidida por concurso público. Para desgosto do ministro, no entanto, a proposta vencedora previa uma obra conservadora, neoclássica. Capanema não se fez de rogado: pagou o prêmio e convocou um grupo de jovens arquitetos, urbanistas e artistas para a tarefa. Quem? Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Carlos Leão, Ernâni Vasconcelos, Affonso Eduardo Reidy e Jorge Machado Moreira.

A eles se juntou Roberto Burle Marx, responsável pelos jardins do complexo, Cândido Portinari e Paulo Osir se encarregaram dos famosos azulejos azuis na entrada do prédio. Para muitos deles, o Palácio Capanema foi um ponto de inflexão em suas carreiras, a partir do qual alçaram voos cada vez mais altos.

O crítico de arquitetura Fernando Serapião, em entrevista ao NeoFeed, observa que a importância da obra não está apenas em seus méritos arquitetônicos.

“Antes de 1936, já haviam ocorrido outras manifestações da arquitetura moderna no Brasil, como as casas modernistas de Warchavchik em São Paulo”, diz Serapião. “Então, no contexto da arquitetura brasileira, a importância do Palácio Capanema — o qual possui um tremendo significado por si só — é a de ter sido o marco inicial do envolvimento do Estado brasileiro na promoção de novas escolas arquitetônicas no país.”

À época, Niemeyer e outros haviam bebido da fonte do modernismo europeu — em especial, os ensinamentos da Bauhaus, escola alemã de arquitetura e design fundada em 1919 e fechada 14 anos depois por ordem do governo nazista, que a considerava "anti-germânica".

Mas aqueles jovens foram influenciados também pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, já na época mundialmente conhecido. Aliás, ele também se juntou, como consultor, ao grupo que concebeu o Capanema.

“O modernismo brasileiro possui diversas vertentes. Uma delas é a que se refere justamente à geração de Lúcio Costa, Niemeyer e a equipe de arquitetos envolvida no Palácio Capanema, a qual possuía conexões diretas com Le Corbusier”, diz Serapião. “Contudo, mesmo esta geração desenvolveu uma vertente própria, que se afastou, pouco a pouco, das lições corbusianas.”

O Brasil não foi, nem de longe, um observador passivo da evolução da arquitetura no século 20. Daqui saíram alguns dos melhores arquitetos modernistas do mundo. Entre eles, Niemeyer.

“Niemeyer é uma figura central na arquitetura moderna brasileira, sobretudo na vertente apoiada pelo Estado. Mas, dada a diversidade da produção nacional, não dá para afirmar que ele foi ‘o maior’, afirma Serapião.

De acordo com ele, há outros protagonistas, como o próprio Lúcio Costa, Reidy, os irmãos Marcelo, Milton e Maurício Roberto, Sergio Bernardes, Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Oswaldo Bratke, Lina Bo Bardi e João Filgueiras Lima, só para citar alguns.

"O destaque de Niemeyer é ter aglutinado, como nenhum outro, a alma brasileira em suas curvas”, diz Serapião.

Cidades cansativas e monótonas?

Uma coisa está clara: o modernismo arquitetônico venceu em todo o mundo. E, em especial, no Brasil. Ao longo de muitas décadas após a construção do Palácio Capanema, a esmagadora maioria dos arquitetos brasileiros ou era modernista ou seguia alguma corrente derivada do modernismo, como o brutalismo.

Com o passar do tempo, no entanto, o volume de ataques à corrente foi crescendo, aqui e lá fora.  Um dos golpes mais duros foi desferido em 1981 por Tom Wolfe, no livro From Bauhaus to Our House (Da Bauhaus ao Nosso Caos, o título no Brasil).

No ensaio, o escritor americano, deplorava que há décadas as cidades americanas estavam se tornando visualmente cansativas e monótonas por culpa do modernismo. Com sua prosa sarcástica e incisiva, ele argumentava que o uso maciço de materiais como concreto aparente, vidro e aço, além do desprezo pela estética, tornava a paisagem urbana árida e desagradável.

O Palácio Capanema começou a ser construído em 1936 (Foto: Reprodução)

Os jardins do palácio são de Roberto Burle Marx (Foto: Reprodução)

A inauguração do prédio contou com as presenças do então presidente getúlio Vargas e de Gustavo Capanema, ministro da Educação e da Saúde à época (Foto: Divulgação)

Os conjuntos habitacionais brasileiros são tidos como "a deturpação de conceitos arquitetônicos" por especialistas (Foto: Prefeitura de São Paulo)

Editor da prestigiosa revista brasileira de arquitetura, a Monolito, Serapião pondera: “Tom Wolfe, no livro, critica sobretudo a Bauhaus. Em certo sentido, a crítica dele tem graça e argumentos interessantes. Mas repercutiu pouco na crítica disciplinar e acadêmica”.

Se é assim, o que dizer dos conjuntos habitacionais onipresentes nas periferias das grandes cidades brasileiras, as Cohabs, os BNHs e tantos outros, que parecem ilustrar à perfeição os males da arquitetura modernista levantados por Wolfe?

“Blocos de prédios populares, que se assemelham a grandes caixotes, são a deturpação de conceitos arquitetônicos. Não refletem o pensamento arquitetônico de ponta”, afirma Serapião.

Um jovem palácio

Mas houve mais. Em 2011, o filósofo Alain de Botton veio ao país em busca de uma cidade para sediar uma unidade local de sua The School of Life. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, de Botton elogiou o trabalho da escola representada por Niemeyer ao adaptar projetos “ao cenário e clima locais”.

“Mas é desapontador quando você olha para a maioria dos edifícios brasileiros: eles são terríveis, não têm vida nem cor”, lamentou, lembrando que, na Europa e nos Estados Unidos, os bons arquitetos não desenham residências privadas, mas prédios públicos. "O país deveria ter progredido a partir do legado de Niemeyer. A história não poderia ter parado ali.”

O Edifício Gustavo Capanema (nome oficial do Palácio Capanema... mas ninguém o chama assim) é o retrato da época de ouro do modernismo arquitetônico no país.

Durante sua construção, foi apontado pelo MoMA (o Museu de Arte Moderna de Nova York) como o edifício mais avançado do mundo em construção naqueles tempos. Pode-se acreditar que, agora rejuvenescido e dedicado à cultura, tenha se tornado ainda melhor.