Quem apostou que seria onda passageira errou. E errou feio. O pickleball é (quase) um esporte nacional. O jogo começou a ganhar popularidade no Brasil há cerca de dois anos e, desde então, explodiu. O país já possui a maior liga da América Latina, torneios bem estruturados, atletas dedicados única e exclusivamente à modalidade, patrocinadores milionários, uma das maiores premiações do mundo e até VAR.

Criado nos Estados Unidos, em 1965, o pickleball combina as características de vários esportes. A rede lembra a do tênis, as raquetes parecem as de pingue-pongue e a quadra se assemelha à do badminton. Como o ritmo do jogo é mais lento - por causa da bola de plástico, cheia de furinhos - o jogo facilita a interação social, o networking e as conversas sobre negócios, como no golfe.

A profissionalização do esporte no Brasil foi ideia dos amigos Paulo Cantoli e Bruno Stein Von Hertwig, cofundadores, em 2019, da Velo, startup de garantia locatícia, comprada pelo QuintoAndar, dois anos depois. Os dois lançaram a Liga Supremo de Pickleball.

Para eles, a empreitada jamais daria certo sem bons jogadores e, para atraí-los, seria preciso dinheiro. “Entendemos que os atletas são o principal pilar desse negócio. Se nós tivermos os melhores junto com a gente na liga, nós teremos uma liga forte”, diz Cantoli, CEO da entidade, ao NeoFeed.

Inspirados em algumas das ligas mais poderosas dos Estados Unidos, como a NBA, de basquete, e a NFL, de futebol americano, eles adotaram um modelo de operação baseado no revenue sharing, no qual, os esportistas se tornam sócios do negócio.

“Com esse compartilhamento de receitas conseguimos atrair os melhores atletas e trazer o melhor espetáculo para quem está assistindo”, completa Bruno, presidente da liga.

Assim, a Supremo nasceu em 2024 e hoje já conta com 26 atletas contratados. Todos recebem remuneração fixa— ou seja, recebem um salário-base para viagens e alimentação, entre outras despesas.

Para a temporada 2025, o circuito nacional vai de fevereiro a dezembro, dividido em 12 etapas, realizadas em seis estados brasileiros. Os jogos são disputados nas categorias: simples feminino e masculino, dupla feminina e masculina e duplas mistas.

Transmissões ao vivo e VAR

Ao longo do ano, Cantoli e Hertwig preveem desembolsar R$ 5 milhões. Desse total, R$ 2 milhões são destinados aos prêmios, nas categorias simples feminino e masculino, dupla feminina e masculina e duplas mistas. É a terceira maior premiação do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e Austrália.

A Supremo também pretende obter recursos com a venda de artigos esportivos via e-commerce, patrocínios, produtos licenciados e monetização das transmissões. Entre os apoiadores da liga em 2025 estão  Sanavita, Skechers, Diadem, Drop Shot e Hyperlight.

As empresas podem escolher patrocinar desde raquetes e uniformes dos atletas até assumir o naming rights de cada etapa. A marca de moda Colcci, por exemplo, assumiu a etapa realizada em Gaspar, em Santa Catarina. E a Chili Beans, de óculos, a de Governador Valadares, em Minas Gerais.

O circuito nacional vai de fevereiro a dezembro, dividido em 12 etapas (Foto: Liga Supremo de Pickleball)

A liga brasileira adotou o VAR pela primeira vez em março, na segunda etapa do circuito nacional (Foto: Liga Supremo de Pickleball)

“Entendemos que os atletas são o principal pilar desse negócio. Se nós tivermos os melhores junto com a gente na liga, nós teremos uma liga forte”, diz Paulo Cantoli, CEO da Liga Supremo (Foto: LinkedIn)

Ex-tenista profissional, o empresário Bruno Stein Von Hertwig é cofundador da Liga Supremo (Foto: LinkedIn)

Como acontece nos torneios americanos, onde a Professional Pickleball Association (PPA) transforma cada partida em um espetáculo, aqui as arenas recebem painéis coloridos de LED e os jogos são transmitidos ao vivo pelo YouTube e pelo Instagram e contam com a presença de um árbitro de vídeo. Aliás, a Supremo foi a primeira liga do mundo a adotar o VAR fora dos Estados Unidos.

A cada fase, são abertas inscrições para atletas locais e interessados em participar. As duas primeiras etapas, em Gaspar, em Santa Catarina, e Governador Valadares, em Minas Gerais, reuniram, cada uma, 270 participantes. Para Santos, no litoral paulista, a ser realizada ainda em abril, a expectativa é atrair 400 inscritos.

Troca de raquetes

Uma das estrelas do esporte no Brasil é paulista Marcela Donatoni. Aos 26 anos, contratada da Supremo, ela vem conquistando títulos não só aqui como em torneios lationo-americanos. Sua história com o pickleball, assim como a de vários atletas, treinadores e árbitros, começou com o tênis.

Tenista desde pequena, chegou a ser atleta universitária nos Estados Unidos, onde se graduou em business e fez MBA, ambos os cursos com bolsa, graças ao esporte. Em seu último ano de estudos, ela conheceu o pickleball.

“Depois da pandemia de covid, ocorreu o boom da modalidade”, afirma Marcela ao NeoFeed. “Todo mundo começou a jogar e eu e meu time começamos também, mas como brincadeira.

A brincadeira virou coisa séria: a atleta jogou profissionalmente nos torneios americanos por mais de dois anos. De volta ao Brasil há sete meses, hoje ela se dedica totalmente ao esporte.

“Antigamente, a gente jogava, mas não éramos pagos, não tinha nada… nem premiação”, diz ela, atleta também da liga australiana.

"Não foi paixão à primeira vista"

Os entusiastas do pickleball são unânimes em explicar o sucesso da modalidade por seu caráter inclusivo e democrático. As raquetes são leves e as distâncias da quadra, mais curtas. Como a partida tende a ir a 11 pontos, o jogo acaba mais rapidamente.

“É um esporte fácil, que pode ser praticado tanto pelos jovens quanto pelo pessoal mais velho, até mesmo por quem jamais botou uma raquete na mão para jogar”, avalia Hertwig.

Tanto que, na Liga Supremo, há inscrições para categorias crianças, jogadores 45+ e 60+. Não há dados oficiais, mas estima-se que, no Brasil, os praticantes sejam hoje 30 mil. E crescendo…

Nos Estados Unidos, o jogo continua a ser o esporte que mais cresce nos últimos quatro anos, conforme dados de 2025 da Sports & Fitness Industry Association, com 19,8 milhões de adeptos — aumento de 45% em relação ao ano passado.

Entre os adeptos do esporte estão Bill Gates, Drake, Tom Brady, Serena Williams e LeBron James, entre muitos outros. Nos EUA, o jogo movimenta negócios milionários. Uma franquia americana de pickleball pode chega a US$ 100 milhões, conforme dados da Major League Pickleball.

E pensar que Cantoli não deu muita atenção ao pickleball quando conheceu a modalidade em 2023. Ele estava em Miami para acompanhar o Master 1000.

“Confesso que não foi paixão à primeira vista”, lembra. “Não dei muita bola, queria ver mesmo o tênis”, afirma ele, que jogou futebol a vida inteira e, mais tarde, migrou para os esportes de raquetes.

Quem lhe abriu os olhos foi Hertwig, que chegou a jogar tênis profissionalmente. Depois da venda da Velo para o QuintoAndar, ele e Cantoli passaram um tempo trabalhando no startup de aluguel e venda de imóveis. Ao sair, a dupla decidiu empreender novamente. Chegara a vez do pickleball.