Bergen e Oslo — Em uma viagem pela Noruega, dá para perceber como o país nórdico, um dos mais ricos do mundo, leva o café e, consequentemente, o café da manhã a sério. As cafeterias se espalham pelas grandes cidades, comprovando a vice-liderança norueguesa no ranking das nações que mais consomem a bebida no mundo.
No último levantamento da World Population Review, divulgado este ano, lá o consumo per capita chega a 9,9 quilos anuais, atrás apenas da Finlândia, com 12 quilos. Para se ter ideia, o Brasil figura na mesma lista, na 14ª posição, com 5,8 quilos por habitante.
Por ser um país de clima predominantemente frio e de pouca luz (com períodos prolongados de escuridão no inverno), o ritual do café da manhã é também muito cultuado na Noruega. Afinal, a primeira refeição do dia precisa passar ainda mais aquele sentimento de aconchego, para ajudar o povo a acordar, a se aquecer e garantir energia para a jornada que se inicia.
O norueguês até promove uma competição nacional para eleger todos os anos o melhor café da manhã de hotel (de rede e independente). Na próxima quinta-feira, 30 de outubro, serão anunciados os vencedores de 2025, na 19ª entrega de prêmios do Twinings Best Breakfast, realizado pelo Haugen-Gruppen, empresa de importação, vendas e marketing de comida e bebida nos países nórdicos.
Todos os anos, mais de 400 hotéis são avaliados de janeiro a outubro na competição patrocinada pela marca de chá inglesa. O júri é formado por chefs renomados, sommeliers, representantes do Haugen-Gruppen e entusiastas de café da manhã de hotel.
“Os critérios para a escolha dos melhores são localização, qualidade da comida, tipo de comida, seleção de café e chá, produtos locais, sustentabilidade, ambiente, serviço e a experiência completa do consumidor”, conta Lene Risa Andersen, head de marketing do Haugen-Gruppen, em entrevista ao NeoFeed.
E o que torna os cafés da manhã nos hotéis da Noruega tão especiais? “Eles são preparados por chefs, que costumam ser famosos e considerados muito importantes para o hotel (com o mesmo peso de um chef de restaurante)”, comenta Andersen, referindo-se ao refinamento na preparação da comida, independentemente de se tratar de um bufê.
Muitas vezes, o hóspede vê o chef cozinhando para as estações de pratos quentes que oferecem, além dos tradicionais ovos, bacon e cogumelos, especialidades dignas de restaurantes. Como o patê de fígado caseiro (em formato de bolo de carne), para ser espalhado ainda quentinho sobre um dos pães da vasta seleção — onde imperam as criações integrais e com sementes.
Mais de cem opções costumam aguardar o cliente, montadas em espaços amplos. Em meio aos itens esperados, como iogurtes, geleias, frutas e vegetais frescos, a seção de frios sempre salta aos olhos. São muitos os queijos (incluído o local chamado brunost, que é marrom, forte e doce) e as carnes curadas (como perna de cordeiro), além do caviar de ovas de bacalhau, da cavala ao molho de tomate, de vários tipos de salmão defumado e do arenque em conserva.
“O café da manhã é o que diferencia um hotel da concorrência. Como muitos hotéis na Noruega usam os mesmos arquitetos, não há muita diferença no design de interiores. Talvez um hotel ofereça mais travesseiros do que o outro, mas é quase a mesma coisa”, conta ao NeoFeed Morten Malting, o diretor de comida e bebida dos hotéis Scandic.
Pesquisas locais apontam que, na hora de escolher um hotel no país, o café da manhã é o critério do topo da lista. “Ele vem antes mesmo do preço e da localização”, diz Malting, lembrando que a maior parte da clientela do Scandic é norueguesa. Na sequência, vêm os hóspedes dos outros países nórdicos, como Suécia e Dinamarca, seguidos pelo Reino Unido, Espanha, Alemanha e Holanda.
Da rede, o hotel Scandic Nidelven, em Trondheim, a terceira maior cidade do país (depois de Oslo e Bergen), é o mais premiado da competição. “Ganhamos 15 vezes”, comemora Malting, acrescentando que toda a rede se esmera em oferecer produtos locais, além de alimentos sem glúten, sem lactose, veganos e orgânicos.
A influência do cafezinho brasileiro
A paixão da Noruega pelo café também se reflete na reputação internacional de suas cafeterias. Na lista The World’s 100 Best Coffee Shops, divulgada este ano, o país conquistou a quinta posição com a Tim Wendelboe, cafeteria localizada em Oslo, desde 2007, e batizada com o nome de seu proprietário.
“Não temos segredos. É apenas trabalho árduo”, afirma Tim Wendelboe, vencedor do Campeonato Mundial de Baristas de 2004, ao NeoFeed. “Trabalhamos em estreita colaboração com a maioria dos nossos fornecedores desde 2010, buscando aprimorar desde a colheita, o processamento, a secagem, o armazenamento e a logística, além de testar diferentes técnicas de cultivo e variedades.”
Sua empresa importa café verde (não torrado) do Quênia, de Honduras, da Colômbia, da Etiópia, de El Salvador e do México. “O norueguês bebe principalmente café filtrado. Como o café disponível é de bastante qualidade, ele o bebe preto”, diz ele. “Mas a maioria das pessoas aqui gosta de café com torra mais clara, em comparação ao que mais se toma no Brasil, onde a preferência é pela escura.”
São vários os motivos para a forte cultura do café na Noruega, segundo Wendelboe. “Há mais de um século, nosso povo consumia bebida alcoólica todos os dias, o que obviamente trazia problemas”, lembra o empresário. “Com isso, a Igreja e o Partido Trabalhista passaram a promover o café como uma alternativa melhor, de olho nos benefícios sociais.”
Outra razão seria o fato de a Noruega ter tido acesso a um café de mais qualidade. “Depois da Segunda Guerra Mundial, os noruegueses começaram a trocar bacalhau por café com o Brasil, parando de comprar café mais barato e de baixa qualidade, como o robusta da Indonésia”, conta ele. “Como o café do Brasil tinha um gosto bom, passamos a beber mais.”
E como Wendelboe classifica o café brasileiro atualmente? “Como o Brasil é um grande produtor e um país tão grande, podemos encontrar cafés de alta qualidade, mas também de qualidade inferior, produzidos em massa”, explica. “Eu adoro os cafés das montanhas do Espírito Santo, por exemplo. São aqueles normalmente produzidos em fazendas menores.”