Instituído em 1924, o Consorzio Vino Chianti Classico é a associação de produtores de vinhos mais antiga da Itália. É a entidade responsável pela elaboração das regras que regem a produção de um dos tintos mais celebrados do país – o Chianti Classico. Para ser designado como tal, de acordo com a denominação de origem (DO) criada para o produto, o vinho precisa ser produzido numa área específica da Toscana, entre Florença e Siena, e com no mínimo 80% de Sangiovese.
Para completar, os produtores podem recorrer a uvas nativas da região – Canaiolo Nero, Ciliegiolo, Colorino, Foglia Tonda, Malvasia Nera, Mammolo e Pugnitello – e às internacionais Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah. Espécies brancas estão banidas desde 2005. E, desde 1996, os produtores estão liberados para utilizar apenas Sangiovese se assim desejarem.
Entre as vinícolas situadas na região, 480 se dobraram às rígidas regras – há muitas outras, além das citadas, impostas pelo Consorzio Vino Chianti Classico. Não é o caso da pequena e festejada Podere Le Boncie, da viticultora Giovanna Morganti, filha de um reputado enólogo da Toscana. Ela produz dois rótulos cultuados, o Le Trame, que mescla Sangiovese, Mammolo e Foglia Tonda, e o Le Boncie, que junta as duas primeiras uvas.
Por anos, Giovanna submeteu seus tintos à tal associação, que os rejeitou de 2006 a 2011. No ano seguinte, a viticultora decidiu dar uma banana para a entidade. “Eu não quero pertencer”, declarou para a crítica de vinhos Jancis Robinson, do Financial Times. “Eu gosto de estar do lado de fora e não acredito no consórcio. É dirigido por pessoas muito jovens, que são educadas até certo ponto, mas não conseguem ir muito além – e há muita ênfase em marketing”.
Ao vetar os tintos da Podere Le Boncie, a associação alegou que eles contêm enxofre de menos e não descansam em pequenos barris de carvalho francês, mas em recipientes muito grandes e neutros. “Graças à tendência global que privilegia a autenticidade local, o estilo de Giovanna agora é amplamente aceito como exemplar para os produtores de Chianti Classico”, Jancis escreveu. Indiferente à cultuada certificação, que ajuda aumentar as vendas e os preços, Giovanna apresenta seus rótulos, simplesmente, como exemplares típicos da Toscana.
A viticultora do Podere Le Boncie não foi a única a se rebelar contra uma DO – ou “appellation d'origine contrôlée (AOC)”. Os opositores mais conhecidos de certificações do gênero são os donos da Terre de l’Élu, situada no Vale do Loire, na França. Falamos do consultor de vinhos Thomas Carsin e de sua mulher, Charlotte Carsin. Eles se converteram em produtores em 2008, quando adquiriram a vinícola Clos de l’Élu, que se espalha por 20 hectares cobertos de uvas Cabernet Franc, Grolleau e Pineau d'Aunis.
Para a dupla dar as costas para as certificações que regem os vinhos da região foi um pulo. “Denominações de origem são camisas de força”, diz a vinícola em seu site. “Preferimos priorizar nossa liberdade e nossa criatividade em vez de tentar fazer vinhos que não se parecem conosco”.
Eles bem que tentaram se enquadrar nas regras impostas pelas “appellations” locais. Um dos vinhos, o Roc’h Avel 2017, foi vetado pelo comitê julgador por, supostamente, estar acético demais. Na segunda tentativa foi recusado por um defeito bem diferente – oxidação. O pedido para que a vinícola interrompesse a produção até que os problemas encontrados fossem solucionados foi a gota d'água.
“Já tínhamos vendido metade desse vinho a comerciantes, que sabiam exatamente o que estavam provando”, Thomas contou para a revista Decanter. “Não poderíamos continuar dentro da denominação. Não somos rebeldes ou dissidentes. Nós apenas temos apreço pela verdade e não reconhecemos a verdade da maneira como os administradores da certificação enxergam”.
O maior problema das DOs, acredita Thomas, são as degustações que dão aval aos vinhos – conduzidas, segundo ele, por estudantes e aposentados desse universo. “Estamos abertos à ideia de que pode haver uma revolução na forma como as denominações são administradas, mas teria que começar acabando com as degustações”, defende o produtor. “Elas não fazem sentido e deixam as denominações mais frágeis, e não mais fortes”.
Criar uma certificação do tipo não é fácil. Conquistada em novembro de 2022, a de Pinto Bandeira, na Serra Gaúcha, levou dez anos para sair do papel. A demora se deve à burocracia, em parte, e à quantidade de entidades envolvidas no processo – da Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira, de quem partiu a ideia, ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que a referendou.
A nova DO é exclusiva para espumante e deverá favorecer a tímida exportação da bebida no Brasil. Quatro vinícolas da região se dobraram às regras dela antes mesmo da promulgação – Geisse, Don Giovanni, Valmarino e Aurora.
Ainda assim, não faltam opositores a iniciativas do gênero. É o caso de Michèle Aubéry-Laurent e de seu filho, Maxime-François Laurent. “Eles fazem, indiscutivelmente, o vinho mais atraente no extremo norte de Côtes du Rhône”, cravou Jancis Robinson em uma de suas colunas. O tinto em questão é o La Papesse, que a vinícola da dupla – a Gramenon – produz com uvas colhidas na comuna de Vinsobres.
É uma região com “appellation” própria, mas o comitê responsável pela certificação nunca permitiu que o Le Papesse, que custa cerca de 30 euros na Europa, fosse vendido como um legítimo Vinsobres. O jeito tem sido vendê-lo como mais um Côtes du Rhône, vinho que pode ser encontrado nos supermercados franceses por poucos euros. “Alegam que nosso vinho não é 'típico'", declarou Michèle, que agora diz dar de ombros para a AOC.