CANNES - Em sua passagem pelo 78º Festival de Cannes, o roteirista e diretor Christopher McQuarrie explicou a diferença entre rodar um filme de ação com Tom Cruise e com qualquer outro astro do gênero.
“Com os outros, meu trabalho seria esconder o fato de o meu ator não ser o que roda as cenas perigosas. Eu teria que usar dublês e recorrer a truques de câmera. Com Tom, o desafio é lembrar o público constantemente de que é ele o próprio no centro da ação”, contou o cineasta.
A ousadia de dispensar dublês é o que explica, de certa forma, o sucesso da franquia de espionagem responsável pela bilheteria mundial de mais de US$ 4,1 bilhões, com sete aventuras.
Missão Impossível está longe dos mais de US$ 7,8 bilhões de renda alcançada com os 27 filmes de James Bond, uma das séries de filmes mais duradouras da história do cinema, mas supera a performance global de outro espião nas telas, Jason Bourne, que soma US$ 1,6 bilhão, com cinco aventuras.
E o oitavo e supostamente o último filme da saga do agente Ethan Hunt, Missão: Impossível — O Acerto Final, projetado fora de competição nesta semana em Cannes e com estreia no Brasil prevista para 22 de maio, chega para levar o realismo, a autenticidade e a adrenalina da ação para um outro patamar. Principalmente quando se trata de sequências longas e espetaculares, daquelas que o público deixa a sala de cinema se perguntando como conseguiram fazer aquilo.
Cruise faz várias acrobacias, incluindo andar entre as asas de um avião biplano a 3 mil metros de altitude, voando sobre a majestosa paisagem natural sul-africana. “Quando idealizamos essa sequência, consultamos profissionais que andam em asas. Ao ouvirem Tom dizer que queria ficar em gravidade zero entre as asas, eles responderam: 'Vocês não vão conseguir fazer isso', lembrou McQuarrie, em masterclass realizada durante o festival francês, que segue até 24 de maio, na Côte d'Azur, com cobertura do NeoFeed.
“O que o público vê no filme é justamente o que os especialistas disseram que não poderia ser feito. O resultado representa milhares de horas de trabalho de artesãos, pilotos e engenheiros”, prosseguiu o diretor, que administrou aqui um orçamento estimado em US$ 400 milhões.
O montante garantiu a entrada dessa oitava incursão nas telas do agente Hunt no ranking das produções mais caras de todos os tempos, atualmente encabeçado por Star Wars: Episódio VII — O Despertar da Força (2015), que consumiu US$ 447 milhões.
E boa parte do orçamento é empregada precisamente em toda a logística por trás das cenas de ação do agente da IFM, sigla da organização fictícia Força Missão Impossível.
Em Cannes, o novo filme recebeu críticas mistas, principalmente porque a primeira hora (das 2 horas e 45 minutos totais) é arrastada. O enredo é confuso e são muitas as explicações desnecessárias sobre o passado de Hunt e o verdadeiro vilão, apresentado no filme anterior: a inteligência artificial, conhecida como Entidade.
Embora a oitava aventura pague um preço por recapitular parte da trama anterior, Missão Impossível 7: Acerto de Contas Parte 1 (2023), gerando uma letargia inicial, não dá para criticar a ação. Até porque Cruise vai além de todas as loucuras já feitas antes, para se manter no panteão de astros mais queridos e rentáveis de Hollywood.
Nenhuma outra manobra na pele de Hunt, como ter escalado penhascos ou prédios (como o Burj Khalifa, de Dubai, o arranha-céu mais alto do mundo), pilotado carros e motos em alta velocidade ou pegado carona segurando na porta de avião em plena decolagem, foi tão arriscada quanto a do biplano.
“Não me importo de encontrar o desconhecido. Gosto da sensação, que é só uma emoção para mim. Não é algo capaz de me incomodar ou paralisar. Eu gosto das empreitadas que dão medo nos outros”, disse Cruise, no palco da Salle Debussy, ao aparecer de surpresa na Masterclass de McQuarrie.
“Sempre quis uma vida interessante e dinâmica que pudesse me ensinar muitas coisas. Há sempre muitas razões para não fazermos algo. Mas eu sempre digo que é melhor ter feito e tentado do que ficar parado, desejando ter feito. Não devemos pedir permissão para ninguém. Só devemos fazer."
Dificuldades maiores
Aos 62 anos, Cruise é responsável pela renda mundial de cerca de US$ 10,5 bilhões, obtida com as 41 produções que protagonizou ao longo de mais de quatro décadas de carreira. E só como Hunt são praticamente 30 anos de trajetória.
Sua estreia nas telas como o agente (personagem emprestado da série homônima de TV dos anos 1960 se deu em 1996, quando Cruise já impressionou com suas peripécias no topo de um trem-bala, a caminho de Paris.
De lá para cá, o grau de dificuldade para o astro só aumentou. Uma das maiores preocupações de McQuarrie ao capturar as acrobacias aéreas do seu protagonista, de um helicóptero ao lado do avião, era o tempo que Cruise aguentaria com o vento soprando a mais de 225 quilômetros por hora, vindo da hélice.
“As moléculas no ar ficam muito dispersas. Você respira, mas apenas fisicamente, por não receber oxigênio de fato”, comentou ele.
A janela de segurança deveria ser de 12 minutos. Depois disso, “o cansaço é maior do que duas horas na academia”, disse o cineasta, lembrando que Cruise se excedeu, por ser “o perfeccionista que é”.
“Em um dado momento, vimos Tom à beira da exaustão física. Ele só tinha três minutos para se levantar da asa, onde já estava há 20 minutos, e pousar”, lembrou McQuarrie. “Tom conseguiu se erguer, colocando primeiro a cabeça dentro da cabine, em busca de oxigênio. Depois, ele entrou na cabine por completo e só então pousou o avião em segurança. Ninguém mais conseguiria fazer isso.”