Quando em viagem de férias, a maioria de nós se lança em uma espécie de gincana. Um corre-corre ensandecido de um lado para o outro, entre city tours, museus, monumentos, restaurantes, cafés, shows... Um tal de bate perna de lá para cá; um sobe e desce do ônibus; entra e sai de táxi. Ops, a estação de metrô passou, volta tudo. Ufa!
Hotel? Apesar da canseira, é só para dar aquela descansada básica até a azáfama do dia seguinte. Se fosse para ficar trancado no quarto, não sairíamos de casa, certo? Errado; pelo menos para os turistas do sono.
Em tempos tão ansiosos, como os de hoje, de guerras, crise humanitária, instabilidade política, incertezas econômicas e colapso climático, o descanso verdadeiramente reparador é artigo de luxo.
Fica para trás a época em que "dormir em dólar" (muitos dólares) era considerado desperdício de dinheiro. A diversão agora acontece entre lençóis de centenas de fios, em ambientes tranquilos, perfumados com fragrâncias relaxantes. Precisa sair do quarto?
O turismo do sono ganhou impulso com a pandemia do novo coronavírus. Desde então, avança em ritmo acelerado. Globalmente, o setor fecha 2023 movimentando quase US$ 641 bilhões, um aumento de 20% em relação a 2019.
Nos próximos cinco anos, deve ultrapassar a barreira de US$ 1 trilhão, indica o relatório da consultoria HTF Market Intelligence, divulgado recentemente.
Pijamas de seda e celular no cofre
Os bons hotéis sempre ofereceram serviços de bem-estar a seus clientes. Massagens, meditação, cortinas blackout, isolamento acústico e “menu de travesseiros”; não é só disso que se trata.
Várias redes vêm criando programas específicos para embalar o sono de seus hóspedes. O grupo Rosewood, por exemplo, tem o “Alchemy of Sleep”. O The Cadogan, em Londres, dispõe de um “sleep concierge”.
Também na capital inglesa, os dois hotéis Zedwell apostaram na decoração minimalista, "para evitar distrações". Nos quartos não há televisão tampouco telefone. Lá, os turistas são convidados a trancar seus celulares no cofre.
Em Mayfair, um dos mais exclusivos bairros londrinos, o Brown’s Hotel oferece o pacote "Forte Winks". A experiência inclui o “kit sono”, com pijama e máscara de dormir de seda, com infusão de lavanda, e um frasco de creme antienvelhecimento de hibisco – afinal, é à noite que pele se regenera. O preço: a partir de £ 1,7 mil (cerca de R$ 10,2 mil), por dois dias.
Alguns hotéis têm assessoria de nutricionistas, psicólogos e médicos, especializados em sono. Outros oferecem ainda exames para análise da qualidade do descanso noturno do hóspede, como polissonografias, dosagens hormonais e aplicativos para o rastreamento do estado de repouso.
No deserto de Sonora, no sopé das Montanhas de Santa Catalina, em Tucson, Arizona, o Canyon Ranch tem até um diretor de medicina do sono. Sob a orientação do médico Param Dedhia, os quartos foram equipados com máquinas de ruído branco. O aparelho bloqueia qualquer barulho desagradável. O valor do silêncio: a partir de US$ 2 mil (cerca de R$ 9,8 mil) a noite.
Com a consultoria do "Doutor Sono"
Já no Six Senses, a jornada “Sleep”, disponível em 16 hotéis da rede, foi concebida sob a orientação do psicólogo-celebridade Michael J. Breus, o “Doutor Sono”. No Anantara Kihavah, nas Maldivas, o “Sleep Restoration Programme” está baseado nos preceitos da medicina ayurvédica.
Ao fazer o check-in, o hóspede é avaliado por um especialista. E, ao longo de sua estadia, passa por uma série de tratamentos, como banhos e massagens com canabidiol e sessões de mindfulness. Ah, e o viajante não vai para a cama sem o bom e velho copo de leite – no caso aqui, de “golden milk”, uma bebida de origem indiana à base cúrcuma que, segundo dizem, tem propriedades anti-ansiedade, antioxidantes e anti-inflamatórias.
Se o isolamento social imposto pelo vírus SARS-CoV-2 deflagrou a explosão do turismo do sono, as tecnologias emergentes sustentaram o movimento. Graças às parcerias do setor de hotelaria com o ecossistema de inovação, o descanso foi potencializado.
Camas inteligentes
O sofisticado Park Hyatt New York, no coração da “cidade que nunca dorme”, atualizou, em março deste ano, a suíte Bryte Restorative Sleep. A estrela do quarto de quase 84 metros quadrados, com vista para o Central Park, é uma cama inteligente, fabricada pela startup californiana Bryte. Equipado com inteligência artificial (IA), o colchão sincroniza sons calmantes e movimentos suaves para colocar o hóspede “em estado de paz e ajudá-lo a adormecer mais rápido”.
Durante o sono, sensores internos adaptam, em tempo real, o colchão às mexidas do viajante para reduzir o risco de despertares durante a noite.
No dia seguinte, na hora programada, a cama se movimenta lentamente por 15 minutos, de modo a tornar a experiência do acordar a mais agradável possível, sem o sobressalto típico do despertador.
A suíte também conta com difusores de óleos essenciais, máscaras de dormir e um pequena biblioteca com livros sobre a importância do sono reparador. O preço? A partir de US$ 1,5 mil (cerca de R$ 7,4 mil) a noite, por pessoa.
Outra marca festejada entre os ultrarricos é a sueca Hästens, a fabricante das camas e colchões mais caros do mundo. Entre seus clientes estão a família real da Suécia, a atriz e cineasta Angelina Jolie, o rapper Drake e os atores Brad Pitt e Tom Cruise, entre tantas outras celebridades. O modelo mais chique da empresa, batizado Vividus, não sai por menos de US$ 200 mil (cerca de R$ 985 mil).
Pois bem, no ano passado, a companhia inaugurou, na cidade portuguesa de Coimbra, seu primeiro Hästens Sleep Spa – CBR Boutique Hotel. Como as camas, os lençóis são um espetáculo.
Confeccionado em percal 100% algodão penteado, um metro quadrado do tecido exige 10 mil metros de fio, o que o deixa leve feito pluma. Tudo isso para proporcionar, segundo a Hätens, “os sonhos mais doces e um sono profundo, envoltos num branco puro e fresco”.
As 15 suítes do spa, metade delas debruçadas sobre o rio Mondego, foram inspiradas na biblioteca barroca Joanina. Perto do valor das camas, a diária até parece uma pechincha: a partir de € 500 (cerca de R$ 2,6 mil), per capita.
Feitas a mão, com crina de cavalo, algodão e linho e estrutura em pinho de riga, as Hästens estão espalhadas pelo mundo, nos endereços mais requintados. Na terra e na água. A Vividus está na Suíte Regent, do navio Seven Seas Grandeur, da linha de cruzeiros de ultraluxo Regent Seven Seas, a ser lançado agora em novembro. Uma noite de sono na Regent, ao doce balanço do mar, custará US$ 11 mil (cerca de R$ 54,2 mil).
De volta à rotina
Que ninguém se engane, porém. Por mais profundo que tenha sido o repouso, no retorno para casa, os viajantes voltam a seu padrão de sono. As obrigações do dia a dia e a agitação da vida, mais cedo ou mais tarde, acabam se impondo, alerta a bióloga Claudia Moreno, chefe do departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade, da Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo (USP).
“Isso, porém, não tira o valor desse tipo de viagem", diz ela, em conversa o NeoFeed. "Todo mundo precisa de uma válvula de escape.” Aí, é torcer para que as próximas férias cheguem logo.