Quem imagina que as histórias em quadrinhos desapareceram juntamente com as bancas de jornais e revistas das grandes cidades brasileiras por causa da revolução digital, não conhece o termo “omnibus” e o sentido da expressão “Edição Absoluta”.
Pois é, quadrinhos viraram artigos de luxo e foram para as livrarias físicas e virtuais nos últimos 10 anos, atingindo preços inimagináveis.
O primeiro rótulo, de origem inglesa, é quase desconhecido no mercado editorial brasileiro. A não ser entre quem compra gibis. Significa volumes com capa dura e sobrecapa que podem ter mais de dez centímetros de espessura e perto de 1.300 páginas, na medida 18,3 x 27,7 cm.
Costumam juntar, em um só volume, até 60 revistinhas daquelas que se levava anos para ler e colecionar todos os meses, compradas nas bancas entre as décadas de 1930 e 2010.
A “Edição Absoluta” não quer causar impacto pelo número de páginas, mas pelo tamanho “gigante” (20,5 x 31 cm) e acabamento gráfico com capa dura e têm até 450 páginas – por enquanto, claro.
Não só isso. São acondicionadas em caixas de cartão extremamente firme e de espessura perto de meio centímetro e tinta especial na capa, como com relevo que lembra pintura de tela com tinta acrílica. É algo tão belo e encantador que dá até pena tirar do plástico e ler para não machucar.
A maioria dos omnibus tem entre 600 e 900 páginas. Os preços variam de R$ 229,90 a 449,90 – como Patrulha do Destino, com 1.288 páginas e 45 revistinhas reunidas. Mas há extravagâncias quase inacreditáveis, como a caixa com um livro e uma estatueta feita a mão de Conan por R$ 1.499,00.
A Arte Marvel de Conan, o Bárbaro é puro fetiche, não traz histórias, apenas relembra as melhores capas, páginas e pinups de artistas como Barry Windsor-Smith, Gil Kane, Neal Adams, John Buscema, Marc Silvestri, Mike Mignola e muitos outros.
Dos dois formatos, a Panini terá lançado até fevereiro de 2022 duas dezenas de volumes, todas de super-heróis da Marvel e DC, uma vez que o grupo italiano detém os direitos desses personagens em boa parte do planeta e principalmente na língua portuguesa. E um da série Star Wars, da Disney.
A lista dos “omnibus” inclui Batman: Preto & Branco, da DC, uma antologia de 900 páginas com histórias sem cor e com grandes nomes dos quadrinhos como convidados. Da Marvel, em fevereiro, sai o terceiro volume com a obra que consagrou Conan, o Bárbaro nos quadrinhos, em um total de aproximadamente três mil páginas.
O que dizer das mais de 2.500 páginas que formam os dois livrões do Quarteto Fantástico com as histórias de John Byrne? Preço: R$ 449,99 cada. Na série “Edição Absoluta”, o destaque é o personagem Monstro do Pântano, em seu segundo volume. Ambos são obras de acabamento gráfico sem precedentes na história do mercado de livros no Brasil. O preço? R$ 349,90 cada.
Um detalhe vale ressaltar: esses lançamentos acontecem em um momento crítico de falta de papel em todo o mundo, porque a produção de insumos foi interrompida por causa da pandemia. O preço da impressão aumentou em mais de 80% ao longo de 2021 e espera-se reajustes em janeiro.
Em parte, por isso, não faltam críticas sobre a “elitização” cada vez maior dos quadrinhos, como destaca o crítico e historiador Marcus Ramone, colunista do site UniversoHQ e autor do livro Baú de Gibis (Editora Noir). “A onda das edições omnibus e afins chegou para segmentar ainda mais o público dos quadrinhos no Brasil”, diz Ramone.
Para o jornalista e professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo, o crítico e historiador de HQ Paulo Ramos, os omnibus têm o mérito de disponibilizar algumas histórias não reeditadas no país.
“A questão é se esse conteúdo precisaria de um tratamento editorial tão luxuoso e, por consequência, tão caro também. No meu entender, não", diz Ramos.“Nunca se cobrou tanto por uma obra em quadrinhos no Brasil. Não precisaria ser dito que são itens para pouquíssimos.”
Mas, se continuam a ser lançados e anunciados, há público para alimentar o segmento. E a cada mês novos títulos são divulgados em pré-venda e sem desconto.
Para o artista gráfico André Hernández, o omnibus demorou, mas chegou, com pontos positivos e negativos. “Veio para ficar, não tenho dúvidas”. Segundo ele, o mercado nacional de colecionismo, especificamente o de quadrinhos, teve um boom nos últimos anos e ficou mais forte durante a pandemia.
E esse formato é, provavelmente, o maior troféu para um colecionador. “Tenho certeza de que a maioria absoluta dos compradores usa exatamente dessa forma: como troféu, são os famosos ‘lombadeiros’, colecionadores que compram livros de capa dura para enfeitar estantes e exibir suas lombadas nas redes sociais”, diz Hernández.
Por outro lado, para certos colecionadores (o meu caso), a oportunidade de ter até obras completas é um prato cheio. "Sem falar dos extras, que são uma ótima pimenta que faz coçar a mão para comprar um gibi, que muitas vezes, eu já até conheço”, afirma Hernández.
Os omnibus colocam no mercado séries completas que saíram no Brasil nos anos de 1980 e 1990 pela Editora Abril em formatos reduzidos, com diálogos e páginas cortados ou séries mutiladas para caberem em determinados números de páginas das revistinhas. “Agora, finalmente, temos acesso à obra como os autores planejaram”, diz Hernández.