Para elas, a “energia” dos oceanos é feminina. Por isso, no momento de escolher um nome para a foodtech, as cientistas espanholas Sònia Hurtado e María Cermeño batizaram-na Poseidona — em referência a Poseidon, o deus dos mares na mitologia grega. Fundada em 2023, em Barcelona, a startup usa algas marinhas para a produção de ingredientes proteicos.

A matéria-prima da Poseidona vem de duas fontes. Dos resíduos da produção de compostos como o ágar e a carragenina, utilizados pela indústria alimentícia como gelificantes e espessantes. E das algas invasoras, a praga dos oceanos — espécies estranhas a um determinado ambiente, elas se adaptam ao novo habitat e desequilibram o ecossistema do lugar.

Ao dar destino mais nobre a um material altamente nutritivo que, de outra feita, iria para o lixo, Sònia e Maria promovem a circularidade. Além disso, ao conferir utilidade para organismos deletérios à natureza, a dupla também ajuda na restauração do meio ambiente marinho.

Finalmente, ao focar o trabalho da Poseidona na criação de alternativas às proteínas de origem animal e vegetal convencionais, elas contribuem para a formação de um círculo virtuoso — imprescindível em tempos de caos climático, crescimento exponencial da população e ameaça à segurança alimentar global.

O alívio da pressão sobre o campo, o consumo de água doce e as emissões de carbono favorece a construção de sistemas agroalimentares mais responsáveis e resilientes.

A sustentabilidade da produção agrícola, por sua vez, aumenta a disponibilidade de alimentos, contribui para a diversificação da dieta e colabora para a redução do desperdício.

A conjugação de todos esses fatores, ao fim e ao cabo, facilita o acesso à comida saudável — condição sine qua non para o combate à fome.

A entrada da foodtech nesse “efeito cascata do bem” começou a ser esboçada antes mesmo de suas idealizadoras se conhecerem.

Especialista em biotecnologia de alimentos, Sònia, de 42 anos, hoje CEO da foodtech, foi cofundadora e diretora científica da americana Current Foods — antes conhecida como Kuleana, a startup de frutos do mar à base de plantas foi adquirida pela Wicked Kitchen, em maio de 2023.

Ao participar de um workshop sobre o ágar, ela ficou impressionada com os dados apresentados. “Mundialmente, a produção é de aproximadamente 200 mil toneladas por ano. Desse total, entre 70% e 80% são resíduos, geralmente tratados como lixo, mas que, na verdade, contêm compostos valiosos, incluindo proteínas — cerca de 40% na matéria seca”, conta Sònia, em entrevista ao NeoFeed. “Essa descoberta foi o ponto de partida para o nascimento da Poseidona.”

Algumas semanas depois, a empreendedora conheceu Maria, de 36 anos, PhD em bioquímica de alimentos — depois de um ano trabalhando na Suíça, ela estava expandindo sua rede de contatos na cidade, especialmente entre empresas de tecnologia alimentar e inovadores do ecossistema agrifoodtech.

A conexão entre as duas foi imediata. Apaixonadas pelo mar, fundaram a Poseidona — Sònia é a CEO e Maria, a CSO.

O segredo das enzimas

O método adotado por elas está baseado em um processo conhecido como hidrólise enzimática. Comum na reciclagem de polímeros, componentes das garrafas PET, por exemplo, trata-se de um processo biotecnológico no qual enzimas específicas quebram moléculas complexas em moléculas menores.

O sucesso da abordagem depende das enzimas escolhidas — e esse é um segredo que Sònia e Maria guardam a sete chaves.

Apaixonadas pelo mar, Sònia Hurtado (à esquerda) e María Cermeño são cientistas de alimentos (Foto: Poseidona)

Nativa do Oceano Pacífico, no Mediterrâneo, a alga Rugulopteryx Okamurae se transforma em invasora

O primeiro produto da Poseidona está previsto para chegar ao mercado até o fim do ano. “Nosso alvo é o setor de panificação”, diz Sònia. “Mas qualquer alimento que requeira emulsão, formação de espuma ou gelificação, cuja empresa deseja adotar um rótulo limpo, pode se beneficiar dele.”

A startup já tem acordos de desenvolvimento conjunto com duas empresas e mais de € 400 mil em cartas de intenção.

Desde o lançamento da foodtech, as fundadoras já levantaram € 1,4 milhão em investimentos — € 300 mil de fundos públicos e € 1,1 milhão em uma rodada seed, liderada pela Faber, uma das principais gestoras de capital de risco da Europa, especializada em tecnologia climática e economia azul.

Do mal para o bem

Sònia e Maria estão começando a trabalhar com a alga Rugulopteryx Okamurae. Originária do noroeste do Oceano Pacífico, no início dos anos 2000, por causa do cultivo intensivo de moluscos na Lagoa de Thau, no sul da França, a espécie proliferou e até hoje cobre completamente os habitats rochosos ao longo da costa de Marseille, no Mediterrâneo.

“Embora seja uma alga invasora, é usada na Ásia para extração de alginato [transformado em aditivo pela indústria para melhorar textura, a estabilidade e a vida útil dos alimentos]”, explica a CEO. “Poderíamos também utilizá-la para fins nutricionais.”

Graças aos avanços das tecnologias alimentares, as algas têm se revelado um pilar importante no futuro da alimentação. Ricas em proteínas e excelentes fontes de vitaminas, minerais, fibras, lipídios e ácidos graxos essenciais, elas representam uma alternativa promissora, sustentável e nutritiva para alimentar uma população ameaçada pela fome.

Avaliado em US$ 9 bilhões em 2024, o mercado global deve atingir, nos próximos oito anos, quase US$ 18,4 bilhões, avançando a uma taxa de crescimento anual composta de 8,17%, avalia a consultoria Imarc.

“O setor de algas marinhas tem um claro potencial de crescimento além de seus mercados atuais e pode ajudar a moldar um mundo livre da pobreza em um planeta habitável”, lê-se em relatório do Banco Mundial.

Com sua capacidade de absorver carbono, sustentar a biodiversidade marinha e desbloquear cadeias de valor, o cultivo dessas plantas aquáticas é, como definem os analistas da instituição, a prova cabal de que o desenvolvimento, o clima e a natureza podem trabalhar juntos na busca por um futuro mais sustentável, transparente e inclusivo. E a Poseidona, de Sònia e Maria, ilustra à perfeição esse movimento.