“Lamentavelmente inadequado”. É assim que o novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) classifica o esforço dos países para frear o aquecimento global. A meta de limitar o aumento da temperatura em 1,5º C, no máximo, 2º C, até o final do século, está cada vez mais distante.

Se nada for feito para reverter as emissões de gases de efeito estufa, o planeta deve chegar ao final desse período entre 2,4º C e 2,6º C mais quente, nível considerado “catastrófico” pelos especialistas da ONU.

Como mostra o documento “Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2022: A janela que se fecha – Crise Climática pede rápida transformação da sociedade”, houve um avanço em relação aos dados apurados no ano passado. Agora, o aumento na quantidade de gases lançados na atmosfera foi de 10,6% - contra os 13,7%, de 2021.

Mas, nesse ritmo, será impossível livrar o planeta dos piores efeitos da crise climática. Para limitar o aquecimento global a 1,5º C, é necessário cortar 45% das emissões atuais até 2030. Para não ultrapassar os 2ª C, essa redução deve ser de 30%.

“Esse relatório nos diz, em termos científicos claros, o que a natureza tem nos dito todo ano, por meio de enchentes mortais, tempestades e incêndios violentos: temos de parar de encher nossa atmosfera com gases de efeito estufa, e fazê-lo rapidamente”, defende Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma. “Tivemos nossa chance de fazer mudanças incrementais, mas esse tempo passou. Somente uma transformação radical de nossas economias e sociedades pode nos salvar de um desastre climático em aceleração.”

Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-21), realizada na França, em 2015, os governos de 195 países se comprometeram a elaborar planos nacionais (NDCs, na sigla inglês) para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, até o final do século, em relação os níveis pré-industriais.

Na cúpula climática do ano passado, em Glasgow, os signatários do Acordo de Paris, o Brasil entre eles, se dispuseram a fortalecer suas NDCs, mas pouco, no entanto, foi feito nessa direção. Na média, as nações reduziram as emissões em apenas 0,5 gigatolenada – menos de 1% das projeções para 2030.

Um dos setores da economia onde as transformações se fazem mais urgentes é o da indústria agroalimentar, responsável por um terço das emissões globais de CO2. Os países em desenvolvimento contribuem com três quartos da poluição, mas devido a suas grandes populações, as pegadas per capita são até quatro vezes menores.

O levantamento do Pnuma faz o alerta: se as tendências atuais se mantiverem, o volume de gases lançados na atmosfera, pelo setor, deve entre 60% e 90%, em 2050, em comparação a 2010.

Para os analistas da ONU, quatro medidas podem ajudar a indústria agroalimentar a mitigar o impacto negativo de suas atividades. São eles:

  1. Proteger de ecossistemas naturais, evitando o desmatamento e adotando práticas agrícolas restaurativas e regenerativas;
  2. Da semeadura à colheita, tornar os processos no campo mais sustentáveis;
  3. Descarbonizar as cadeias de fornecimento de alimentos;
  4. Promover a adoção de dietas nutricionalmente equilibradas e sustentáveis bem como redução o desperdício de alimentos.

Empresas se unem

Os CEOs das principais empresas globais de comércio e processamento agrícola haviam se comprometido há um ano, durante a COP26 em Glasgow, a desenvolver esse roteiro compartilhado, se concentrando nos setores de óleo de palma, soja e pecuária, protegendo também os sistemas alimentares globais e os meios de subsistência dos produtores.

Agora, elas estão dando um passo mais concreto com a divulgação do Roteiro do Setor Agrícola 1,5°C, divulgado na COP27 no Egito.

A iniciativa é encabeçada por 14 empresas como ADM, Amaggi, Bunge, Cargill, COFCO Internationale, Golden Agri-Resources, JBS, Louis Dreyfus Company, Marfrig, Musim Mas, Olam International, Olam Food Ingredients (OFI), Viterra e Wilmar International.

O roteiro propõe ações que se concentrem em áreas em que terão o maior impacto. Ele descreve também como os signatários vão colaborar com outros atores relevantes, em especial governos, integrantes da cadeia de suprimentos e instituições financeiras, para ampliar o apoio aos compromissos do plano. Isso inclui o fortalecimento de políticas e regulamentos e o incentivo a agricultores e pecuaristas para que protejam os recursos naturais.

Para a ONU, isso é fundamental, pois o aquecimento global pode ser combatido com iniciativas que incluem o poder público, a iniciativa privada, a academia e a população.

Os governos podem ajudar, de acordo com o Pnuma, com subsídios e renúncias fiscais. As empresas devem buscar evitar a perda de alimentos ao longo de todo o sistema, utilizar energia renovável e investir na pesquisa de novos alimentos, que diminuam as emissões dos gases de efeito estufa.

Individualmente, sugere a ONU, as pessoas devem procurar mudar seus hábitos de consumo, com “o olhar voltado para a sustentabilidade”.

Mas, frente o fracasso dos países em adotar estratégias efetivas na redução de CO2, medidas como essas podem de fato ajudar a conter o aquecimento global?

“Cada fração de grau importa: para as comunidades vulneráveis, espécies, e ecossistemas e para cada um de nós”, defende Inger Andersen. “Mesmo que não atinjamos nossas metas para 2030, devemos nos esforçar para chegar o mais próximo possível do 1,5ºC. Isso significa estabelecer os fundamentos para um futuro neutro em carbono.”