Aos 15 anos, o americano Kyle Dardashti recebeu o diagnóstico de Doença de Crohn. Crônico, o distúrbio é provocado por um desajuste do sistema imune e se caracteriza pela inflamação do trato gastrointestinal.

Como acontece com 1% da população mundial, o jovem era cometido por dores abdominais, acompanhadas por cólicas, diarreias frequentes e perda de peso.

Durante muito tempo, Dardashti tentou controlar a doença com medicamentos. Alguns com efeitos colaterais severos. Mais velho, cansado da rotina imposta pela Crohn, ele decidiu usar a alimentação a seu favor.

Mergulhou em uma batelada de estudos médicos sobre os impactos da nutrição na saúde e nas doenças. Não foi fácil. A literatura especializada era difícil.

Como conta à plataforma TechCrunch, Dardashti quase se transformou em um cientista da alimentação para descobrir quais ingredientes poderiam lhe fazer bem e quais agravariam a sua condição.

Uma vez acertado o cardápio, em apenas quatro meses, ele finalmente recuperou a qualidade de vida. “As pessoas seguem tantas dietas da moda, sem nenhum embasamento científico. E, as que são apoiadas por pesquisas clínicas, quase ninguém conhece”, diz. “As pessoas não deveriam levar décadas, como eu, para descobrir que a solução pode estar na comida.”

E, assim, com o propósito de “democratizar o acesso aos benefícios da nutrição”, em 2019, aos 31 anos, Dardashti fundou a Heali AI. Agora, a healthtech acaba de levantar US$ 3 milhões, em uma rodada liderada pelo fundo belga Astanor Ventures, dedicado às inovações do ecossistema de agrifoodtech.

O aplicativo oferece planos para 200 doenças (Reprodução)

Baseado em inteligência artificial (IA), o aplicativo fornece planos nutricionais personalizados, planejamento de dietas e rastreamento de refeições. A princípio, pode parecer mais uma startup no já densamente povoado universo do aplicativos de programas alimentares –no mínimo, 100 mil em todo o mundo, projetados para movimentar US$ 8,3 bilhões, até 2028.

Mas, na avaliação tanto dos analistas de mercado quanto da comunidade científica, o diferencial do Heali está no rigor das informações fornecidas a seus usuários. Todas amparadas por protocolos médicos baseados em evidência, o que o empreendedor define como “nutrição hiperpersonalizada”.

Com uma equipe multidisciplinar, composta por cientistas de dados, nutricionistas e médicos, e em parceria com centros de pesquisas, como os das universidades da Califórnia e Tufts, o aplicativo traz 80 dietas terapêuticas, “traduzidas” para os leigos.

Dietas para 200 doenças

No início, a Heali se concentrou em 30 condições. Hoje, são 200. De problemas simples, como acne, a condições mais complicadas, como doenças autoimunes, afecções neurológicas, alergias e até alguns tipos de câncer.

Com o uso, o algoritmo é treinado conforme as necessidades do usuário. Se ele está em um restaurante, basta escanear o cardápio e a IA indica os pratos mais adequados. No supermercado, idem. O banco de dados da startup permite, em média, 700 combinações de alimentos, sob medida para cada um dos 10 mil clientes cadastrados na plataforma.

A própria doença inspirou Dardashti a criar a Heali (Reprodução)

Na fase de desenvolvimento do aplicativo, a IA foi submetida ao crivo de pesquisadores da Universidade Estadual do Arizona, no tratamento de pacientes da síndrome do intestino irritável. Preliminares, as evidências sugerem: redução de 24% na gravidade dos sintomas e aumento de duas vezes na qualidade de vida, conforme artigo publicado na revista Journal of Medical Research.

Com o novo cheque, Dardashti que ampliar o alcance do negócio no modelo B2B (“business-to-business”). Batizado Heali Intel, o serviço destina-se a clínicas e hospitais e à indústria alimentícia, sobretudo os fabricantes de funcionais. Até 20232, as comidas e bebidas com benefícios extras para saúde devem bater US$ 600 bilhões; contra os US$ 305 bilhões, do ano passado.

Mercado em expansão

Inovações como as da Heali chegam em um momento crucial. A má alimentação é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento das chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como a Crohn, a síndrome do intestino irritável, os distúrbios cardiovasculares, o diabetes tipo 2 e alguns tumores malignos.

Não à toa o mercado global de nutrição e suplementos personalizados está em expansão, principalmente depois da pandemia do novo coronavírus. Avaliado em US$ 43,4 bilhões em 2022, deve avançar a uma taxa de crescimento anual composta de ordem de 15%, entre 2023 e 2030, indicam os analistas da Grand View Research.

Com os avanços da tecnologia e da ciência da nutrição, é possível hoje fazer valer de fato a máxima do grego Hipócrates, tido como o “pai” da medicina: “Que seu remédio seja seu alimento; e que seu alimento seja seu remédio".