Do campo à mesa, a indústria da alimentação vive um de seus momentos mais transformadores. O otimismo dos especialistas emerge dos progressos da ciência e do refinamento das tecnologias alimentares. Mas, em especial, da conjunção de duas letrinhas: IA. Como em outros setores da economia, a inteligência artificial também está revolucionando o modo como nós produzimos comida e nos alimentamos.

Ainda em fase inicial de adoção, a ferramenta é tida como “aliada fundamental” para enfrentar a urgência do presente e os desafios do futuro: como alimentar uma população em crescimento exponencial, dentro dos limites do planeta?

De todos os cantos do mundo, startups do ecossistema agrifoodtech anunciam a criação de algoritmos capazes de feitos até então inimagináveis.

Nas fazendas, a IA detecta doenças e pragas, em tempo real. Informa quais culturas devem ser regadas, fertilizadas e defendidas — e as quantidades ideais de água e insumos, para cada pé da lavoura. Garante a perfeição da semeadura, do cultivo e da colheita. Facilita o gerenciamento da cadeia de suprimentos, por meio de logística, análise preditiva e transparência.

Monitora, analisa e deduz o comportamento dos consumidores. Personaliza as dietas conforme as necessidades nutricionais de cada um. Combina centenas de milhares de compostos vegetais, na busca pelo plant-based mais próximo de sua contraparte de origem animal. Conecta produtores e varejistas a bancos de alimentos, para evitar o desperdício e dar de comer a quem tem fome.

Previsto para fechar o ano em US$ 7 bilhões, o mercado global de IA para comidas e bebidas deve chegar US$ 35,42 bilhões, em 2028, a uma taxa de crescimento anual composta de 38,3%, informa a consultoria Mordor Intelligence.

No movimento, os cheques de venture capital começam a desembarcar no setor. Para o tamanho da indústria alimentícia os investimentos ainda estão aquém – US$ 9,4 trilhões, em receitas anuais, e US$ 11,5 bilhões em aportes, desde o início do século 21. Mas o dinheiro está chegando.

Fundada em janeiro de 2022, a foodtech brasileira Diferente, por exemplo, captou R$ 40 milhões, em duas rodadas. Na última, em janeiro de 2023, foram R$ 16 milhões, em um aporte liderado pela Caravela Capital, com participação de Collaborative Fund, South Ventures e Valor Siren Ventures, que fez seu primeiro financiamento na América do Sul.

Robs hamburgueria fundadores
Eduardo Amaral e Fabio Cardoso são os fundadores da hamburgueria Rob's

Os fundadores Eduardo Petrelli, Saulo Marti, Paulo Monçores e Walter Rodrigues querem diminuir o desperdício de comida e promover a alimentação saudável, com a venda, por assinatura, de frutas, legumes, verduras e temperos orgânicos, perfeitos para o consumo, mas “feios” para exposição nos supermercados.

Batizada PitaIA, a inteligência artificial da Diferente ajuda na montagem das cestas, conforme as preferências, restrições alimentares e estilo de vida de cada cliente. Além disso, o algoritmo sugere receitas com os itens despachados para a casa dos assinantes. Rodando desde 2022, a IA consumiu R$ 2 milhões, como conta Monçores, CTO da foodtech, em conversa com o NeoFeed.

A ferramenta tem se revelado útil também para alinhar a produção dos 50 agricultores parceiros da foodtech com a demanda do mercado - uma forma de evitar a perda e o desperdício de alimentos e baratear os produtos. Presente em 52 cidades paulistas, a startup cobra, em média, 40% menos do que o varejo.

Como funciona o robô da hamburgueria Rob’s

A inteligência artificial invadiu também as cozinhas profissionais. Sediada em Curitiba e a ser inaugurada nas próximas semanas, a Rob’s é a primeira hamburgueria automatizada do Brasil. Lá, a IA é aplicada em uma das etapas de produção do sanduíche. O algoritmo opera um sistema de visão computacional que faz o reconhecimento da carne. No processo, a IA avalia uma série de dados – do formato da porção à sua posição na chapa.

Fundadores da hamburgueria, os arquitetos Fabio Cardoso, CEO da empresa, e Eduardo Amaral investiram dois anos e R$ 2,5 milhões até chegar à tecnologia Rob’s. Quando decidiram abandonar as pranchetas para investir em alimentação, eles queriam um produto feito com ingredientes frescos e altamente padronizado.

Com a automação, a combinação se torna possível. O primeiro hambúrguer demora cinco minutos para ficar pronto. Os seguintes saem em 30 segundos. A linha de montagem da Rob’s exige apenas dois humanos – um na entrada da esteira, dando aquela douradinha no pão; e outro, responsável por fazer a conferência, antes de o sanduíche ser despachado para o cliente. Como Cardoso conta ao NeoFeed, no primeiro ano, a previsão é chegar a R$ 100 mil, com apenas dois funcionários.

A IA não atrai a atenção apenas das startups, mas também das empresas tradicionais. A Mars, de chocolates, e a Archer Daniels Midland (ADM), uma das maiores tradings agrícolas do mundo, por exemplo, se juntaram às foodtechs de inteligência artificial PIPA e Brightseed, respectivamente, na busca por novos ingredientes para o desenvolvimento de produtos plant-based e funcionais.

zoomagri
Com a tecnologia, a ZoomAgri rastreia as commodities agrícolas

Em julho, a gigante australiana GrainCorp liderou o aporte de US$ 6 milhões na novata ZoomAgri, que usa a ferramenta para fazer a inspeção e rastreabilidade de commodities agrícolas. A israelense Tastewise, que usa IA para vasculhar os interesses dos consumidores nas redes sociais e descobrir de o quê eles vão gostar na próxima estação, tem como clientes empresas do porte de PepsiCo.

A efervescência do ecossistema de inovação tem a ver, claro, com os avanços científicos e tecnológicos, mas grande parte do frisson em tono da ferramenta vem de uma mudança de comportamento do consumidor. Em especial, da geração Z, os jovens nascidos entre 1995 e 2010, “foodies”, por natureza.

“Embora os consumidores abracem prontamente a ciência e a tecnologia em várias áreas de suas vidas, eles tendem a ser cautelosos quando se trata de sua alimentação. Eles mantêm narrativas nostálgicas e idealizadas de alimentos obtidos o mais próximo possível da natureza e associam tecnologia com processamento e adulteração”, lê-se no relatório “Future of Food”, elaborado pela Backslash, a central de inteligência da agência global TBWA. “Felizmente, essas tensões estão evoluindo e representam uma oportunidade única para o setor alimentício.”