Alguns cientistas a descrevem como “molécula milagrosa”. Outros como “canivete suíço do sistema imunológico”. Isolada pela primeira vez em 1939, a lactoferrina é uma proteína encontrada naturalmente no leite da maioria dos mamíferos (o humano, inclusive) e está envolvida em praticamente todos os processos de defesa do organismo.

O composto tornou-se mais conhecido pela maioria de nós em 2022, quando pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, demonstraram sua eficácia contra o SARS-CoV2, o vírus causador da covid-19. A lactoferrina, porém, já vem sendo usada em fórmulas infantis e suplementos alimentares.

Mas há um problema. Isolar a substância é difícil, demorado e caro. São necessários alguns milhares de litros leite de vaca fresco para produzir lactoferrina. O quilo da proteína custa entre US$ 700 e US$ 2 mil.

Graças aos avanços da biotecnologia, algumas startups usam a fermentação de precisão para fabricar a proteína. Inovadores do ecossistema agrifoodtech transformam fungos e bactérias em miniusinas de bioativos.

Uma das mais avançadas do setor é a americana Triplebar. Fundada em 2019, pelo bioquímico Jeremy Agresti, em Emeryville, na Califórnia, a empresa acaba de anunciar uma parceria com a FrieslandCampina Ingredients, subsidiária da gigante holandesa de laticínios FrieslandCampina.

Sediada em Amersfoort, ao sudeste de Amsterdam, a companhia já produz lactoferrina, mas pelos métodos tradicionais – o que, no futuro, pode facilitar a produção em larga escala e a distribuição do produto obtido da colaboração com a biotech americana.

Desafios a vencer

Até lá, tem-se um longo caminho a percorrer. Como a lactoferrina tem propriedades antimicrobianas, a programação de micróbios para sintetizá-la é um desafio. Além disso, a proteína exige um ambiente altamente controlado para ser fabricada.

Baseada em inteligência artificial e aprendizado de máquina, a plataforma desenvolvida pela Triplebar “permite encontrar o tipo de agulha no palheiro capaz de produzir proteínas bioequivalentes, com a eficácia desejada”, diz a química Maria Cho, CEO da startup, ao AgFunder, um dos maiores fundos de venture capital do ecossistema agrifoodtech global.

Em outubro do ano passado, a biotech de Emeryville levantou US$ 20 milhões, em uma rodada de investimentos liderada pela Synthesis Capital, com participação da Essential Capital, Stray Dog Capital, iSelect Fund e The Production Board.

Com o aporte, o total arrecadado pela startup subiu para US$ 25 milhões, informam os analistas da Crunchbase.

Mercado em ascensão

O mercado global de lactoferrina está em ascensão. Avaliado em US$ 245 milhões, em 2021, deve chegar a US$ 505 milhões até 2030, evoluindo a uma taxa de crescimento anual composta de 8,5%, no período, lê-se em análise da consultoria Straits Research.

A procura pela proteína deve-se em grande parte à sua versatilidade. Além dos benefícios em termos de imunidade, a substância protege também a saúde gastrointestinal e está associada à resistência e força muscular. Além disso, ajuda na absorção de ferro pelo organismo.

E esse deve ser um dos usos mais frequentes da lactoferrina no futuro, preveem os analistas da Straits Research. Por causa de uma alimentação inadequada, a falta do nutriente é cada vez mais comum.

Nas contas da Organização Mundial de Saúde, 30% da população global sofre com deficiência de ferro, sobretudo crianças e mulheres.

E, a maioria dos suplementos disponíveis no mercado hoje oferecem efeitos colaterais desagradáveis, como gosto metálico na boca, azia, diarreia, constipação, vômitos e náuseas; o que dificulta a adesão dos pacientes ao tratamento.