Aos 36 anos, Thomas Njeru serve de paradigma para o empreendedor agtech africano. Nascido em Nembure, um vilarejo nas encostas do Monte Quênia, ele cresceu na fazenda dos pais. Viveu as dificuldades da família na lida com a terra, sempre à mercê da natureza, e a pobreza o fez sonhar com a cidade.
Na infância, queria dirigir caminhões e ser um dos “reis da estrada”, como lembra, em entrevista ao jornal americano The New York Times, para a série “Visionaires”. Na adolescência, ao ler a biografia do investidor Warren Buffett, decidiu estudar ciências atuariais. E, assim, Thomas foi viver na capital.
Ele trabalhava como atuário da Deloitte, quando há cinco anos, foi convidado a entrar no time de sócios da consultoria global em Nairobi. Thomas recusou. Ele, que na juventude, acordava todas as manhãs pensando em como não seguir a sina da família, percebeu que sua vocação estava no campo e sua missão, em ajudar os agricultores a plantar com segurança. “Talvez não possamos fugir de quem somos”, diz.
Junto com Rose Goslinga, ele fundou a Pula, uma fintech agrícola de microsseguros. A empresa está hoje em 16 países, da África e Ásia, e atende cerca de 4,5 milhões de fazendeiros, em propriedades de, no máximo, 0,2 hectare. Aumentar a produtividade dos pequenos agricultores pode, segundo Thomas, incrementar a produção global de alimentos em 30%.
Parcerias com instituições financeiras, ONGs, agências governamentais, empresas de sementes e fertilizantes cobrem os custos dos seguros. Entre as coberturas estão, por exemplo, a compensação por perdas provocadas por eventos climáticos e a reposição de suprimentos em caso de colheita ruim. “A triste realidade é que os agricultores estão a uma seca ou a um surto de praga de cair na pobreza absoluta”, afirma Thomas.
Aumentar a produtividade dos pequenos agricultores pode incrementar a produção global de alimentos em 30%
A Pula e a África começam a chamar a atenção do mundo. A fintech está na lista “Technology Pioneers 2022”, do Fórum Econômico Mundial, como uma das 100 startups mais inovadoras – quatro outras africanas entraram no rol. A empresa queniana também é destaque no estudo “Africa Agrifood Investment Report”, produzido pelo fundo americano de venture capital AgFunder, em parceria com o British International Investment e o FM, banco holandês de desenvolvimento do empreendedorismo.
Trata-se do primeiro levantamento já feito sobre os investimentos no setor agroalimentar africano. Em comparação às agtechs do resto do mundo, as africanas registram, obviamente, um volume muito mais modesto de aportes e 80% dos negócios ainda estão em estágio seed. Mas, os analistas do AgFunder captaram o deslanchar de um ecossistema vibrante, ágil e repleto de oportunidades. Tão efervescente quanto os desafios a serem superados.
O sistema agroalimentar africano é precário e fragmentado. Os produtores agrícolas seguem fortemente sujeitos às intempéries e pragas. Receosos, acabam não investindo no aperfeiçoamento das lavouras – o que compromete o progresso dos negócios. Conforme pesquisa da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação, 35% de toda a comida produzida no mundo vem de 608 milhões de fazendas com menos de dois hectares, em países em desenvolvimento.
Em tempos de aquecimento global, com a segurança alimentar sob ameaça, o desenvolvimento da agricultura africana, alertam os especialistas, não é caridade, mas necessidade. E indica visão de futuro. Os dez maiores investidores no continente fecharam 57 negócios, em 2021. Quase metade coube a seis empresas de venture capital de fora do continente –a inglesa Y Factor e as americanas DFS Labs, Techstars, Endeavor Catalyst, Village Capital e FJ Labs.
No ano passado, o continente, no qual vive um em cada seis habitantes do planeta, recebeu menos de 1% de tudo o que foi investido em agtechs no mundo – 119 startups levantaram US$ 482,3 milhões, segundo o “Africa Agrifood Investment Report”. É pouco, mas representa um avanço em relação aos US$ 185 milhões de 2020.
Segundo a FAO, 35% de toda a comida produzida no mundo vem de 608 milhões de fazendas com menos de dois hectares, em países em desenvolvimento
Quando considerados os números do primeiro semestre de 2022, tem-se, então, a dimensão de quão rápido tem sido o crescimento das agtechs africanas. “O cenário é muito promissor”, lê-se no relatório do AgFunder. “As startups de agrofoodtech levantaram cerca de US$ 400 milhões, quase tudo o que foi arrecadado ao longo de 2021.”
Os analistas incluíram no levantamento uma categoria que, em geral, não entra nos estudos globais – o das fintechs, como a Pula. Essas startups abocanharam 4,9% dos recursos captados. A empresa queniana recebeu o segundo maior aporte do setor, com US$ 6 milhões. O primeiro lugar ficou com a Apollo Agriculture, também do Quênia, com US$ 10,5 milhões.
Esse movimento é um reflexo do estágio das atual das agtechs africanas. Os empreendedores ainda se veem às voltas com problemas que, para o resto do mundo, não são tão grandes assim, como acesso a crédito para melhoria da qualidade dos insumos agrícolas. A biotecnologia agrícola africana, por exemplo, não recebeu nenhum um centavo em 2021. Já, globalmente, as biotechs ficaram com 6,1% dos US$ 51,7 bilhões.
O segmento africano de alimentos inovadores, no qual entram as sempre festejadas proteínas alternativas, também não atrai os cheques de venture capital. Pelo menos, por enquanto. Os aportes cresceram apenas 0,6% - contra os 9% globais. Aliás, os três setores de aposta dos VCs são, em ordem: rastreamento, logística e transporte de alimentos, com 60,9% do total investido; infraestrutura de varejo em nuvem, com 11,9%; e mercados online, com 9,2%. No ranking mundial, esses setores aparecem em quinto, segundo e primeiro lugares, respectivamente.
Batizados “the big four”, Egito, Nigéria, Quênia e África do Sul são os principais hubs da inovação agroalimentar africana. Os quatros garantiram 92,2% de todos os aportes no continente. As agtechs sul-africanas ficaram com apenas 4,6% do dinheiro. Mas isso, ao que parece, está começando a mudar.