As carnes cultivadas em laboratório impõem ao ecossistema foodtech desafios não apenas tecnológicos e nutricionais, mas também religiosos. O judaísmo e o islamismo são rigorosos quanto ao modo de produção e preparo dos alimentos, especialmente em relação ao abate dos animais. Como dizer se um bife, feito a partir das células de um boi ou de um frango, segue os preceitos da Torá ou do Alcorão, se não foi preciso matar nenhum bicho?
Essa questão intriga os inovadores do setor, desde os primeiros estudos em torno das carnes de laboratório, no início dos anos 2000. Mas, apenas recentemente, um produto do gênero recebeu parecer favorável de uma autoridade religiosa. Depois de uma visita às instalações da Aleph Farms, David Baruch Lau, rabino-chefe asquenazim de Israel, classificou a carne produzida pela startup como kosher.
A Aleph Farms é uma das pioneiras no desenvolvimento de carnes de laboratório, a partir de células de animais, sem modificação genética. Fundada em 2017 na cidade israelense de Rehovot, a footech já realizou quatro rodadas de investimentos e recebeu cerca de US$ 120 milhões, segundo levantamento da plataforma Crunchbase. Entre os 20 financiadores, os mais recentes estão o ator Leonardo DiCaprio, um ativista atuante na defesa da preservação da natureza, e a americana Alumni Ventures.
Do hebraico “apropriado”, kosher é o termo que designa os alimentos obtidos e manuseados conforme as leis dietéticas judaicas, conhecidas como Kashrut. Conduzido por uma pessoa treinada e licenciada para a função, o abate animal segue um ritual religioso, com o emprego de técnicas e ferramentas específicas. Só assim, segundo a Torá, o alimento atinge a pureza necessária para ser ingerido.
Ainda que não tenha o peso da Certificação Kosher, conferido por organizações internacionais, o parecer do rabino Lau indica que a Aleph Farms está no caminho da busca pela aprovação religiosa de seus produtos. A notícia foi recebida com entusiasmo por todo o setor de carne cultivada – composto por cerca de 70 startups, no mundo todo, conforme levantamento do The Good Food Institute (GFI).
Em geral, apenas os judeus ortodoxos seguem a Kashrut, o equivale a cerca de 15% da comunidade global, estimada em quase 15 milhões de pessoas. Os produtos kosher, no entanto, ganham cada vez mais adeptos.
Os consumidores, sobretudo os mais jovens, consideram os alimentos preparados, segundo as tradições milenares do judaísmo, como mais seguros, limpos e saudáveis. Nas contas da consultoria Research and Markets, até 2030, o mercado de carnes kosher deve evoluir a uma taxa anual de crescimento composta da ordem de 4,4%, atingindo US$ 100,85 bilhões. No ano passado, o setor foi avaliado em US$ 72,49 bilhões.
A Aleph Farms pretende lançar seu primeiro produto no mercado ainda em 2023, como informa Didier Touba, CEO da empresa, em comunicado. Além da Certificação Kosher, a foodtech vai buscar também a aprovação Halal, conferida aos alimentos produzidos e preparados conforme as normas do islamismo.