Eles são em 10 quintilhões, de um milhão de espécies conhecidas. Alguns são do bem, como as abelhas e borboletas, eficientíssimas polinizadoras. Outros são os vilões das lavouras. Os insetos-praga são os grandes competidores da humanidade por alimentos de origem vegetal.
Há os que atacam as folhas e os frutos, como os besouros e os gafanhotos. Os que, como os pulgões e os percevejos, sugam a seiva vegetal. Já as cigarras e as larvas de mosca vão direto nas raízes. As cochonilhas e as moscas-branca, por sua vez, são exímias disseminadoras de doenças.
“Devido ao impacto das mudanças climáticas, as pragas de plantas que devastam culturas economicamente importantes estão se tornando mais destrutivas e representando uma ameaça crescente à segurança alimentar”, lê-se em relatório da FAO, de junho de 2021.
Conforme a agência da ONU para a Alimentação e Agricultura, até 40% da produção agrícola anual é perdida por causa de pragas. Um prejuízo de US$ 220 bilhões, US$ 70 bilhões dos quais relativos apenas aos insetos invasores.
Que comece a luta. De um lado, os minúsculos, mas poderosos, invertebrados. Do outro, as agtechs, com suas ferramentas ultratecnólogicas. Uma das pioneiras nesse duelo é a FarmSense, fundada em 2016, por Eamonn Keogh e Shailendra Singh, professores da Universidade da Califórnia, em Riverside.
Inspirados pelas técnicas de espionagem usadas durante a Guerra Fria, eles desenvolveram o FlightSensor. Tido como revolucionário por analistas do setor, o dispositivo usa inteligência artificial, machine learning e análise em tempo real para fazer o monitoramento dos insetos. Em meio à barulhenta sinfonia da natureza, os algoritmos conseguem reconhecer o som do bater de asas característico de cada espécie.
Resistentes às intempéries e com baterias para durar cerca de um ano, as armadilhas são colocadas nas plantações e, graças a uma combinação de substâncias químicas, atraem os inimigos. Lá dentro, a tecnologia faz o reconhecimento da praga. Junto com as coordenadas de GPS, as informações são transmitidas via Wi-Fi para um servidor baseado em nuvem.
Depois de combinados e analisados, esses dados são convertidos em mapas, que indicam quais insetos estão presentes em quais locais e em quais concentrações – e tudo isso em tempo real. Graças à tecnologia, o agricultor consegue agir rapidamente, poupando tempo, trabalho e dinheiro. Segundo a empresa, o FlightSensor diminui a necessidade de uso de pesticidas e melhora o rendimento das culturas.
Em junho passado, a FarmSense anunciou o lançamento oficial do dispositivo. Até o final do ano, mil unidades serão distribuídas para fazendeiros da Califórnia. Esse movimento é reflexo do interesse do setor agroalimentar por soluções sustentáveis contra as pragas. No ano passado, por exemplo, a FarmSense recebeu US$ 2 milhões do SBIR, programa do governo americano focado em acelerar pequenas empresas.
Tradicionalmente o controle dos insetos invasores é feito manualmente, por meio de armadilhas adesivas. Esses sistemas exigem contagens manuais frequentes e podem atrasar a análise dos dados em até duas semanas. Ou seja, o produtor tem apenas uma imagem parcial do que acontece em suas plantações.
Sistemas de monitoramento inteligente das lavouras, semelhantes ao da FarmSense, foram desenvolvidos por algumas startups. É o caso da eslovena TrapView, as americanas Semios e CropSafe, a alemã DTN e a austríaca Metos,
A batalha contra os invasores acontece também em outros campos do conhecimento. Um deles usa insetos do bem, no caso, as abelhas, como uma espécie de míssil teleguiado. A canadense Bee Vectoring Technology (BVT) criou um biopesticida, programado para matar com muita precisão apenas as pragas, sem causar danos ao ecossistema das lavouras.
Em pó, o fungicida orgânico é dispensado na entrada das colmeias. No momento em que abelhas saem em busca de alimento, o produto gruda em suas patas e asas. Quando os insetos pousam na flor da planta para coletar o pólen, o veneno naturalmente cai.
Com isso, o controle de pestes ganha precisão e eficiência, dispensando o uso de grandes quantidades de pesticidas. “Normalmente, a pulverização de produtos nas plantações é muito ineficiente. Apenas uma pequena quantidade do que é pulverizado vai diretamente para as plantas que realmente necessitam”, diz Anish Malik, CEO da startup.
Outra área de investigação é a dos feromônios sexuais, as substâncias responsáveis pela “química” entre fêmeas e machos de uma mesma espécie. Em artigo publicado, mês passado, na revista especializada Nature Sustainability, pesquisadores das universidades de Lund, Sueca de Ciências Agrárias e de Nebraska-Lincoln e das empresas SemioPlant e ISCA Global contam ter transformado exemplares da planta Camelina Sativa em biofrábica de feromônios.
As sementes foram modificadas geneticamente de modo a produzir um ácido, precursor de compostos destinados a comandar a atração sexual em várias espécies de mariposas. Com isso, os pés de Camelina Sativa passaram a exalar substâncias que deixam os insetos machos atordoados, sem condições de encontrar as fêmeas para o acasalamento.
Para cada tipo de praga corresponde um feromônio específico. Especialistas da Universidade Politécnica de Valência e do Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha, conseguiram o mesmo resultado com a Nicotiana Benthamiana, uma prima do tabaco.
Fundada por um brasileiro e por uma vencedora do Nobel de química, a Provivi, startup de biotecnologia criada em 2013 na Califórnia, já recebeu US$ 130 milhões em aportes de fundos como Mandi Ventures e da fundação Bill e Melinda Gates.
A companhia desenvolveu um feromônio líquido. Ao pulverizar a plantação, cria-se uma nuvem de feromônio que confunde os machos e faz com que não fecundem os óvulos das fêmeas, diminuindo a população da lagarta-do-cartucho.
Essa praga, que devora as lavouras de milho e também ataca as culturas de soja e algodão, faz jus ao nome de praga. Trata-se de um bicho pequenino, mas que gera perdas gigantescas. De acordo com um estudo preparado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) em parceria com a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), a lagarta-do-cartucho gerou prejuízos de R$ 34 bilhões em 2017.