Imagine um campo repleto de mudas de proteína de porco; ou uma lavoura de proteína láctea. Até parece filme de ficção científica, mas essas plantações existem. Estão sendo cultivadas nos laboratórios das startups de agricultura molecular.

Graças aos avanços da biotecnologia e da engenharia genética, é possível hoje usar espécies vegetais como hospedeiros para a produção de proteínas de origem animal.

Os cientistas injetam, por exemplo, um trecho específico do DNA de uma galinha diretamente nas sementes. Em seguida, seguindo os métodos agrícolas tradicionais, basta semear, cuidar e esperar a temporada da colheita do ovo... ops, de albumina.

As primeiras demonstrações da eficácia da agricultura molecular datam do início dos anos 1990. Até bem pouco atrás, a tecnologia era usada sobretudo pelas companhias farmacêuticas. Apenas recentemente, sua aplicação na indústria alimentícia começou a ser estudada.

E, por enquanto, os resultados têm sido promissores. Tanto que, recentemente, o The Good Food Institute (GFI) classificou a agricultar molecular como um dos pilares do mercado de proteínas alternativas –um setor em ritmo acelerado de expansão, previsto para movimentar US$ 432 bilhões, na próxima década, a uma taxa de crescimento anual composta de 19%, no período.

O setor ainda é pequeno, com 12 empresas apenas, mas vem registrando alguns movimentos importantes, avaliam os analistas do GFI. Uma das agtechs mais avançadas é a Moolec Science. Baseada em Luxemburgo e listada na Nasdaq desde janeiro, a startup acaba de apresentar ao mundo sua Piggy Sooy, proteína de porco obtida através da soja.

O produto tem uma concentração proteica de quase 30%, um índice quatro vezes maior do que o esperado pela empresa. Tradicionalmente amarelados, os grãos com os genes suínos saíram rosados, com uma cor semelhante à dos porcos.

Fundada em 2020, a Moolec conta, em seu portfólio, com cerca de 20 patentes. A equipe do argentino Gastón Paladini investiga, por exemplo, como fazer do açafrão uma fábrica de quimosina. Produzida no estômago de bezerros lactantes, a enzima é usada na fabricação de queijos.

Queijo puxa-puxa que dispensa o leite

Outra empresa de agricultura molecular de destaque é a americana Nobell Foods, uma das mais antigas no setor. Lançada em 2016, como Alpine Roads, em São Francisco, a agtech anunciou, pouco tempo atrás, a produção de caseína em pés de soja.

magi richani nobell foods
Magi Richani, fundadora da Nobell Foods

Uma proteína do leite, o composto é responsável pela qualidade puxa-puxa dos queijos, quando derretem e esticam – uma característica, até agora, restrita aos produtos feitos com leite de verdade.

Liderada pela engenheira Magi Richani, a startup já levantou US$ 100 milhões. Entre os investidores estão os fundos de venture capital Breakthrough Energy, de Bill Gates; e os de private equity Hillhouse Capital e Andreessen Horowitz.

Também apoiaram a Nobell Foods, o ator hollywoodiano Robert Downey Jr. e os empresários Jeff Bezos e Jack Ma, fundadores da Amazon e do Alibaba, respectivamente. Entre 2017 e 2022, a agtech de Magi ficou com 67,5% do total de aportes em startups de agricultura molecular, estimado em US$ 148 milhões, pelos especialistas do GFI.

A soja foi a escolhida pela Moolec e pela Nobell Foods pois o grão é naturalmente rico em proteínas vegetais – ou seja, seu genoma já tem a instruções para a produção do nutriente. Além disso, como a infraestrutura do cultivo já está bem consolidada, fica mais fácil escalar as novas proteínas.

Mas, há startups que trabalham com alfafa, cevada, açafrão, milho e ervilha, entre outras culturas, para a síntese de proteínas de carnes, ovos e leite. A ideia, como contam os empreendedores, é reduzir a participação das vacas, bois, porcos e galinhas na cadeia de produção de alimentos.

Pegada ecológica menor

Conduzida pelos princípios da sustentabilidade, argumentam, os vegetais tendem a ter uma pegada ecológica menor do que as criações animais. Divulgado no final de 2022, o estudo “Proteína Verde: Plantar a Alimentação do Futuro” revela: um quilo de bife, produzido a partir da agropecuária intensiva, contribui 80 vezes mais para o aquecimento global do que a mesma quantidade de feijão.

Gastón Paladini, CEO da Moolec Science
Gastón Paladini, CEO da Moolec Science

A preocupação com o meio ambiente é um dos principais motivos que levam os consumidores a buscar novas fontes proteicas. Estimado hoje em US$ 76,3 bilhões, o mercado global de proteínas alternativas, nos cálculos da consultoria Future Market Insights, está fundamentado em quatro pilares.

Além da agricultura molecular, no processamento de proteínas vegetais, no cultivo de carne e frutos do mar em laboratório e na produção do nutriente por meio da fermentação de precisão.

Esse método é o que mais se assemelha às proteínas animais via plantas. A diferença está na “fábrica” dos compostos. A fermentação faz a reprogramação genética de microrganismos, sobretudo de bactérias e fungos.

A facilidade de escala

Na opinião dos especialistas, a agricultura molecular apresenta algumas vantagens. Diferente das proteínas fabricadas por micróbios, as obtidas por meio das plantas, são mais fáceis de escalar, já que dispensam o uso de biorreatores e podem ser cultivadas em campos abertos.

Além disso, as tecnologias de bioprocessamento vegetal estão mais amadurecidas e as plantas possuem uma variedade de tecidos, nos quais é possível produzir proteínas animais, como raízes, caules e folhas.

Por fim, como pontuam os analistas do GFI, as técnicas usadas para induzir a soja, o milho ou a ervilha a sintetizar o nutriente, pode ser aplicada para aumentar o valor nutricional das espécies vegetais. A engenharia genética, por exemplo, pode dar origem a um tomate rico em vitamina D3, lê-se no relatório da entidade.