Uma peça se destaca no guarda-roupa da executiva sueca Helena Helmersson, CEO do grupo de moda H&M. A camiseta rosa não chama a atenção por sua cor tampouco por seu design, mas pela matéria-prima usada para confeccioná-la. Suas fibras foram fiadas em CO².
A startup francesa Fairbrics é primeira empresa do mundo a transformar poluição em tecido. Fundada em 2019, em Clichy, nos arredores de Paris, a empresa levantou recentemente 22 milhões de euros em investimentos.
A maior parte do dinheiro (17 milhões de euros) veio do Programa Horizon 2020, o projeto de pesquisa e inovação da União Europeia, destinado a promover a parceria entre academia e indústria.
O restante do aporte veio de um consórcio, coordenado pela startup de Clichy, com 13 parceiros, de sete países do bloco. Entre os participantes estão especialistas das mais diversas áreas da ciência e dos negócios. De upstream e desenvolvimento de processos a produto final.
O financiamento será usado para montar a primeira linha de produção da Fairbrics, com capacidade para fabricar, até 2024, 100 quilos de fios de carbono por dia. A expectativa é a de que, dois anos depois, a produção atinja uma tonelada diária.
Em março do ano passado, a startup francesa já havia recebido 6,5 milhões de euros em uma rodada pré-série A. O financiamento foi liderado pela inglesa AP Ventures, com participação da H&M CO:Lab, o braço de investimentos do grupo H&M, e da alemã Sake Bosch.
Sete anos de pesquisa
Entre a ideia de transformar gás carbônico em tecido e chegar à camiseta rosa de Helena Helmersson, foram sete anos de pesquisas e muitos recomeços. Não foi fácil, mas hoje Benoît Illy, PhD em ciência de materiais, e Tawfiq Nasr Allah, doutor em energias alternativas e atômica, comemoram.
A tecnologia desenvolvida pelos dois colegas de universidade está naquele grupo empolgante de inovações que convertem poluição e resíduos em bem de valor. A inciativa da Fairbrics não é a primeira a usar o gás de efeito estufa para criar novos produtos.
Em meados de abril, a também francesa Coty lançou globalmente um perfume da Gucci produzido a partir de resíduos de carbono. O “Where My Heart Beats” foi desenvolvido pela gigante da beleza em parceria com a startup americana LanzaTech.
Pelo sistema desenvolvido pela Fairbrics, o CO² lançado na atmosfera por fontes industriais é capturado e purificado. Em seguida, por processos baseados nos conhecimentos de química molecular, o gás reage com um catalisador e um solvente para surgir como poliéster.
400 anos para se decompor
Criado pelos químicos britânicos John Rex Whinfield e James Tennat Dickson, em 1941, incialmente sob o nome de terylene, o poliéster está entre as fibras mais usadas pelo setor têxtil. Caiu no gosto popular com seus tecidos de cores vibrantes e estampas bem definidas, difíceis de amassar e resistentes às altas temperaturas.
O problema é que esses fios são tradicionalmente produzidos a partir do petróleo, o que os torna incompatíveis com o futuro sustentável. Jogados nos aterros sanitários, o produto leva 400 anos para se decompor. Para compensar os cerca de 300 bilhões de quilos de CO², emitidos anualmente pela cadeia do poliéster, seria necessário plantar 2,1 trilhões de árvores.
Considerando que uma parcela ínfima de roupas é encaminhada para a reciclagem, esse tipo de tecido acaba virando uma grande ameaça para a saúde do planeta –e a nossa própria. Já está mais do que provado cientificamente que, ao ser lavado, o poliéster deixa um rastro de microplásticos. Com, no máximo, 5 milímetros de diâmetro, essas partículas são tóxicas ao organismo humano.
Graças aos avanços tecnológicas e a urgência para tornar o setor da moda menos nocivo ao meio ambiente, as fibras ecológicas, em especial as sintéticas recicláveis, começam a ganhar espaço no mercado. Até 2032, a demanda global por esses produtos deve mais do que dobrar, em comparação a 2022. Indo de US$ 43 bilhões para US$ 88 bilhões.
A inovação da Fairbrics vai além de produzir um tecido sustentável. Ao criar um sistema de captura de carbono diretamente do ar, a startup francesa ajudar a reduzir o volume de sujeira despejado na atmosfera por indústrias de outros setores da economia.